Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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O que representa Bolsonaro no mundo capitalista, por Michel Aires de Souza Dias

Nessa distopia globalizada, Bolsonaro representa um dos capangas do capitalismo financeiro, para usar uma expressão de Rolnik.

Sergio Lima – Poder360

O que representa Bolsonaro no mundo capitalista

por Michel Aires de Souza Dias

O filósofo alemão Theodor Adorno (1978, p. 85-6) em seu artigo – A massa, afirmou que “os horrores que hoje ameaçam o nosso mundo não são produzidos pelas massas, mas por tudo aquilo e por todos aqueles que se servem das massas, depois de terem-nas engendrados.” Podemos seguramente afirmar que Bolsonaro é um desses engenheiros da alma que se servem das massas para manipulá-las.  Contudo, não se trata de um tocador de flauta que conduz as massas a seu bel prazer. Ele não representa o demagogo solitário na sociedade que emprega de modo deliberado instrumentos técnicos de persuasão para obter a adesão das massas. Ele também não é um louco ou líder messiânico que consegue penetrar no comportamento e na vida psíquica dos indivíduos. Na verdade, ele está a serviço de certos grupos e representa um desses “expoentes de forças e interesses sociais mais poderosos, que conseguem predominar contra as massas e com a ajuda destas” (ADORNO, 1978, p.86).

Não há dúvida a que forças e interesses sociais Bolsonaro serve. Como uma espécie de operador do mercado e do capital financeiro, ele está a serviço de uma coalizão financeira-rentista, de burguesia agrária e da tecnoburocracia empresarial. Com seu trabalho sujo, ele e seu séquito de políticos “preparam o terreno para o livre fluxo do capital transnacional, cujos líderes, globais e locais, são os verdadeiros senhores do poder e que os eliminarão de cena tão logo se tornem desnecessários” (ROLNIK, 2018).

Nessa distopia globalizada, Bolsonaro representa um dos capangas do capitalismo financeiro, para usar uma expressão de Rolnik.  A palavra capanga na moderna teoria social pode ser entendida como “racket”. Bolsonaro é um racket. A palavra racket vem da linguagem coloquial americana e significa o estado de extorsão ou melhor dizendo o grupo que extorque. Segundo Regatiere, a história da palavra mostra que onde quer que ela apareça no desenvolvimento das línguas, ela se refere ao uso da força. Entre os significados que mencionam está o de alongamento, que teria dado nome ao instrumento medieval de tortura denominado rack, em português era chamado potro ou cavalete. Foi em Chicago que a palavra adquiriu o significado criminal. Foi em 1890 que a palavra aparece nos registros legais da Corte Municipal dessa cidade, definindo o termo como associação criminosa. O termo se referia naquela época a aliança entre homens de negócios, líderes sindicais, políticos e figuras do submundo que buscam obter controle em certas atividades econômicas. É uma forma organizada para exploração. O termo também aparece ligado as máfias organizadas em torno do contrabando de bebidas, ocasionada pela queda de demanda com a crise econômica de 1929.

Adorno e Horkheimer nos anos de 1940 sempre acompanharam as discussões em torno dos racktes e com isso passaram a delinear uma teoria sobre eles. Em seus estudos, eles começaram a compreender que a sociedade contemporânea estava se modificando enquanto estrutura de classe. Entre as classes sociais surgia uma multiplicidade de grupos organizados que estavam a serviço de elites burocráticas e cujos membros se tornaram cada vez mais dependentes. Esses grupos agiam como “racktes”, ou seja, como um bando de gangster bem organizados que se comportavam de acordo com o princípio de proteção em busca de obediência. Assim como as máfias faziam, abordando de surpresa os comerciantes e oferecendo proteção a eles mediante pagamento. Havia um princípio análogo na prática organizativa de grupos de interesse. Neles, via de regra, os economicamente mais fortes ou mais inescrupulosos dão o tom e fazem valer seus interesses particulares e de seus membros (FETSCHER apud REGATIERE, 2019).

Segundo Regatiere (2019), Horkheimer e Adorno começaram a empregar o termo racket para designar um mecanismo de constituição e atuação de grupos que defendem seus interesses diante de outros grupos, reconhecendo e protegendo seus membros. São grupos que estão sempre em conflitos com outros grupos pela apropriação de bens. Esses grupos usam a competição, o roubo, as fraudes e até mesmo a guerra para atingir seus objetivos. O padrão dos rackets deveria servir para expor o modo de funcionamento da sociedade monopolista constituída por grupos detentores de poder econômico e político. Cada um deles, “exerce uma função específica no processo social e usa essa função para obter uma parcela tão grande quanto possível de poder sobre as pessoas, bens e serviços” (HORKHEIMER apud REGATIERE, 2019, p. 146).

Como avalia a professora Olgária Matos (2008, p.149), “a modernidade capitalista não se dá mais a conhecer através de classes sociais e suas formas de organização, solidariedade, ethos e valores, mas encontra-se a margem da lei, como se constata nas práticas dos grupos, cliques ou gangues – os rackets.” Eles se constituem como especialistas, managers de todo tipo, dirigentes, políticos, engenheiros altamente qualificados, advogados, líderes empresariais e todo tipo de predador que busca defender seus interesses e dos grupos sociais que representam. Adorno descreveu a figura dos rackts na sociedade em uma passagem de Minima Moralia:

Se, como ensina uma teoria contemporânea, a sociedade é uma sociedade de rackts, então o seu modelo mais fiel é justamente o contrário do coletivo, a saber, o indivíduo como mônada. Na prossecução dos interesses absolutamente particulares de cada indivíduo é onde se pode estudar com maior precisão a essência do coletivo na sociedade falsa; e pouco falta para que, desde o princípio, se deva conceber a organização dos impulsos divergentes sob o primado do eu ajustado à realidade como uma íntima quadrilha de bandidos com chefe, séquito, cerimonial, juramentos, traições, conflitos de interesses, intrigas e tudo o mais (ADORNO, 2001, p.35).

Os rackets são indivíduos que mimetizam a realidade e se ajustam a ela de tal forma que suas atitudes e emoções são sempre violentas. Eles agem de forma enérgica em busca de seus objetivos. Essa é uma característica de Bolsonaro que representa a forma mais acabada de racket. Como átomo isolado, determinado pela totalidade reificada, ele reflete a imagem do mercado como rapinagem e exploração. Como sujeito agressivo, que se adapta ao ambiente opressivo de seu meio, ele personifica o princípio opressor da sociedade. Com isso, aquilo que parece representar o mais individual, na verdade representa o mais geral. (ADORNO, 2001).

A serviço do capitalismo financeiro, como um verdadeiro Racket, o papel de Bolsonaro é o desmonte do Estado-Nação, que liquida o pacto-social da constituição cidadã de 1988 e subjuga o Brasil as forças imperialistas. Com isso, coloca o Estado a serviço das políticas neoliberais, que buscam desregulamentar o mercado de trabalho, desnacionalizar os serviços públicos, enfraquecer os sindicatos, entregar a previdência social aos bancos, privatizar a educação e a saúde públicas, e reduzir o papel do Estado na economia. Como avalia a psicanalista Rolnik (2018), o capitalismo financeirizado precisa destas subjetividades rudes temporariamente no poder. São como seus capangas que se incumbirão do trabalho sujo imprescindível para a instalação de um Estado neoliberal: destruir todas as conquistas democráticas e republicanas, dissolver seu imaginário e erradicar da cena seus protagonistas – entre os quais, prioritariamente, as esquerdas em todos os seus matizes.

Referências

ADORNO, Theodor Wiesengrund. Minima moralia. Lisboa: Edições 70, 2001.

ADORNO, Theodor Wiesengrund e HORKHEIMER, Max. A massa. In: ADORNO, Theodor Wiesengrund e HORKHEIMER, Max. Temas básicos de sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978, p.78-92.

MATOS, Olgária Chain Feres. Transparência. In: AVRITZER, Leonardo et al. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.

REGATIERE, Ricardo Pagliuso. Capitalismo sem peias: a crítica da dominação nos debates no Instituto de Pesquisa Social no início da década de 1940 e na elaboração da Dialética do esclarecimento. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2019.

ROLNIK, Suely. A nova modalidade de golpe: um seriado em três temporadas. In: Esferas da insurreição. São Paulo: n-1, 2018. P.146-193.

Michel Aires de Souza Dias – Doutorando em educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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