Os legítimos atos de rua contra Bolsonaro e o racismo, por Roberto Bitencourt da Silva

Uma política que arrebentou de vez com a ampla maioria da população – trabalhadores humildes, subempregados, desempregados e faixas da pequena burguesia, dos pequenos negócios. O governo deu dinheiro público aos bancos e deixou o povo no desespero.

Os legítimos atos de rua contra Bolsonaro e o racismo

Por Roberto Bitencourt da Silva

Nesse domingo foram promovidos importantes atos contra o governo Bolsonaro, bem como protestos de repulsa ao racismo e ao descaso com a saúde pública. Todos protestos movidos por uma verdadeira pulsão de vida. Eles são absolutamente legítimos.

O nauseante governo Bolsonaro, desinibidamente, despreza a segurança e o bem-estar do Povo Brasileiro. Um governo vende pátria, genocida, declarado inimigo dos trabalhadores e abjeto serviçal do grande capital internacional e doméstico.

Esse governo não dá um segundo de sossego para a maioria esmagadora da população. O chefe de Estado e os seus nefastos auxiliares e apoiadores têm sempre que “causar”, gerar desconforto e repúdio à Nação, com alguma ação desumana, algum gesto desprezível.

Todavia, durante a semana passada, foi submetida a uma grande controvérsia a intenção de setores da sociedade civil em realizar atos públicos contra o bolsonarismo e pela democracia. Suponho que a polêmica ainda perdure, ao menos, nos próximos dias.

Diga-se, essa é uma preocupação natural e razoável, sobretudo do ponto de vista sanitário. Mas, convenhamos, a legitimidade dos protestos é incontestável. Infelizmente, mesmo em meio aos riscos óbvios oriundos da pandemia, os atos talvez sejam necessários. E incontornáveis. Explico.

A dimensão sanitária é a mais importante no argumento lançado contra a promoção de atos nas ruas. Ainda que seja justa, honesta e legítima, essa preocupação tem naufragado. A política criminosa, neoliberal e neocolonial do ministro Paulo Guedes está asfixiando os estados e municípios.

Uma política que arrebentou de vez com a ampla maioria da população – trabalhadores humildes, subempregados, desempregados e faixas da pequena burguesia, dos pequenos negócios. O governo deu dinheiro público aos bancos e deixou o povo no desespero.

Ele ainda se manifestou contra uma reforma tributária progressiva, que pudesse ampliar a arrecadação com maior taxação sobre os megarricos. Um fôlego arrecadatório que permitisse viabilizar a complementação salarial, preservação de empregos e os rendimentos.

Nada disso foi feito. O país está afrouxando mais ainda a quarentena. A maioria está diária e sistematicamente em perigo. O vírus se espalha, sem controle, motivado por uma deliberada e criminosa escolha do governo federal.

Outro tipo de argumento, desfraldado contra a realização dos protestos, é de que Bolsonaro irá responder com perfídia, introduzindo infiltrados nos atos, de modo a tentar justificar a repressão. De sorte também a prover na pauta do noticiário o uso do enquadramento dos atos como grupos violentos de vândalos, demonizando os manifestantes. A preocupação é válida. Mas não tem força. Isso tudo é prática sobejamente conhecida, há muito tempo.

Por outro lado, há a alegação de que os protestos antifascistas em resposta aos apelos autoritários, antinacionais e policialescos da patota que segue o presidente, são atos perigosos. Isso por pretensamente darem munição ao nauseante governo, que poderia concebê-los como motivo para adotar medidas repressivas, senão mesmo ditatoriais.

Notem que se trata de uma perspectiva que, inconscientemente, naturaliza o que a cada dia mais chama atenção: já vivemos em uma ditadura. Se atos públicos, ou seja, o gozo das liberdades de reunião e expressão, hoje geram aquele tipo de receio, é claro que não mais se está tratando de um regime minimamente democrático.

Uma ditadura singular, do grande capital, principalmente do capital estrangeiro, forjada na esteira do golpe de 2016. Agora delineando-se sob o formato e a gestão militar. Os protestos são legítimos para também deixar evidente esse estado autoritário de coisas, a arbitrariedade e a monstruosidade que nos dominam. A questão não é se haverá “autogolpe”, com vista à perpetração de uma ditadura. A questão é outra: se a ditadura de fato vai se fechar mais ou se será combatida.

A opinião pública é constituída de diferentes maneiras: por sondagens dos institutos de opinião; pela pauta do noticiário; pela veiculação de temas/hashtags em redes sociais; pelas eleições e o voto; como também pela posição e as ações dos partidos, governos e demais instituições.

Nesse sentido, não há qualquer possibilidade de alterar a situação predominante por meio dessas dimensões da construção da agenda política e da opinião pública. Mas, a dimensão participativa da opinião, fomentada pelos protestos populares é muito importante. Ela representa o principal recurso político para tentar mudanças e orientar o debate público. Isso muito antes da pandemia.

Atos nas ruas, vale frisar, que foram iniciados, dias atrás, por grupos alternativos às entidades populares convencionais e que demonstra(ra)m um inusitado engenho criativo da nossa gente. Torcidas organizadas e coletivos temáticos de jovens, incluído aí também frações do movimento negro. Ontem, já ganhando musculatura com a presença de partidos de esquerda, setores estudantis e sindicais. Alvíssaras.

Me referindo exclusivamente a segmentos das forças progressistas organizadas nos partidos políticos, importa destacar que o desenvolvimentismo norteia a visão de Brasil da maioria esmagadora desses partidos. Só que ele é um cadáver insepulto.

Um dos traços mais marcantes do desenvolvimentismo brasileiro, desde Juscelino Kubitschek, é a configuração de políticas que visam compatibilizar de maneira desigual aos interesses de diferentes classes sociais. Essa estratégia e visão política está superada por razões várias. O neocolonialismo privatizante e cavalar está retirando o seu chão. Como um aspecto que lhe é inerente, o desenvolvimentismo sempre se opôs à participação política dilatada.

Não é à toa, o apassivamento que vigora há anos no grosso dos partidos progressistas e dos movimentos sindicais, estudantis, sociais, especialmente em suas cúpulas associadas àquela visão de Brasil, nos legou a lamentável e extrema facilidade no desmonte de direitos trabalhistas históricos e de outros tantos direitos.

Na contramão, organizar-se e participar politicamente significa dotar a nossa gente de autoestima. Corresponde a uma pedagogia de luta e ação, que tende a empoderar os sujeitos individuais e coletivos e que dá sentido e força de convicção às pessoas envolvidas. Dá moral.

Qualquer trabalhador que já tenha participado de uma greve, que já pôs em risco a tranquilidade, a paz de espírito, o seu salário no final do mês, senão mesmo as condições de trabalho e o próprio emprego, sabe muito bem o que estou falando. Convicção, experiência e moral fazem as pessoas agir e andar de cabeça erguida. É isso o que o poder detesta e mais teme.

Mas, resta sempre um argumento: a direita vai distorcer, vai capitalizar, vai satanizar! A Globo ontem até revelou uma abordagem algo simpática dos atos. Mas, é verdade. A preocupação é legítima. Amanhã, ela, como demais conglomerados de comunicação, podem descer o pau.

Porém, minha amiga, meu amigo, lembro que grandes varejistas comercializam camisas estampadas com a imagem do Che Guevara. Em outras palavras, o capitalismo é plástico. É um monstro sinuoso e com muitos tentáculos. Em que pese isso, as coisas somente mudam agindo. Responde-se a problemas e desafios do momento e dez outros surgem. É a vida. A roda gira. E antes que me esqueça, fora Bolsonaro!

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

Redação

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