Parabéns, Maradona!
por Roberto Bitencourt da Silva
O recorrente debate promovido pelo jornalismo esportivo, a respeito dos melhores jogadores da história, me parece muito apegado a critérios, sensações e interesses volúveis do presente, sobretudo a parâmetros comerciais. O debate tende a superar e muito qualquer atenção reservada mais propriamente a atributos e ocorrências no campo de futebol.
Nesses últimos dias, por conta dos aniversários de dois gigantes do futebol mundial, Pelé, com 80 anos, e Maradona, que chega aos 60, o referido debate foi aquecido e a polêmica reverbera.
Na época da minha infância e adolescência os melhores eram Zico, Platini e Maradona. O último venceu uma Copa do Mundo e a prática desde então tem sido afirmar que o gênio canhoto deve ser comparado ao rei Pelé. O próprio craque argentino pautou isso e a imprensa brasileira o segue.
Não tive a satisfação de ver o rei Pelé jogar, mas os relatos e filmes dizem o suficiente sobre a sua singular excelência. Aliás, o seu nome virou sinônimo de excelência maior. Ainda hoje é usual explorar argumentos do seguinte tipo: “Fulano é o Pelé das finanças”, o “Pelé da cozinha” etc. Garrincha também não vi, mas os relatos, mas do que as imagens, que são poucas e ruins, servem para colocar o gênio das pernas tortas na prateleira do Pelé.
Do que tive a felicidade de assistir, Zico me parecia mais completo do que Maradona. Entre outros tantos recursos técnicos, tinha a capacidade rara de fazer lançamento de bicicleta. Maradona me recordo ser mais mágico, talvez. Messi é uma espécie de soma dos dois. Incrível.
Na Copa de 1986, os meus heróis eram Júnior, Zico (então no sacrifício, com séria lesão no joelho), Careca e o surpreendente Josimar. A seleção brasileira caiu nos pênaltis para a França, em um dos jogos mais injustos que já assisti.
O Brasil havia perdido uma carreta de gols. Então, acompanhando a seleção da Argentina, minha torcida foi deslocada para os vizinhos e especialmente para Maradona. Espetacular.
A grandeza de Diego Armando Maradona extrapola muito as linhas de campo. Não foi só o extraordinário título da Copa de 86 que dá brilho à sua trajetória.
O seu país havia pouco perdido uma guerra para a Inglaterra. A questão das Malvinas calava fundo. Uma tragédia que afetava a autoestima e o senso de dignidade nacional.
Na Copa de 1986, a Argentina derrotou a Inglaterra, em um jogo lendário, com dois gols marcantes do genial camisa 10. Foi uma vitória da Argentina, mas também da América Latina, que se sentia solidária. Uma desforra modesta e episódica, mas saborosa no futebol.
Desde então, o herói argentino segue a sua saga, cheia de altos e baixos, virtudes e limitações, alegrias e problemas. Mas, em boa medida, Maradona tem se mostrado muito afinado, comungando ideias com as experiências políticas latino-americanas dissonantes e soberanas, que se contrapõem ao imperialismo e aos poderosos do mundo.
No futebol, não existe símbolo latino-americano mais representativo das nossas dificuldades mundanas. Por outro lado, trata-se de um símbolo da grandeza de pessoas e povos que dizem um altissonante não à arrogância dos centros do império mundial. Pelos 60 anos, parabéns Dieguito!
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
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