Por que cortaram Trump na TV?, por Marcelo Uchôa

Ele usou sua palavra para atacar a democracia norte-americana, por consequência, a sociedade norte-americana, aproveitando-se da regra da liberdade de expressão para difundir a mentira e o ódio.

Por que cortaram Trump na TV?

por Marcelo Uchôa

Seguramente todos que leem este texto acompanharam, nos últimos dias, a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Esta reflexão, porém, não é sobre ele, mas, antes disso, sobre seu adversário, o presidente sainte Donald Trump.

Na noite de anteontem (5/11), as pessoas que acompanhavam pela TV o resultado das apurações estadunidenses assistiram a uma cena inusual, pelo menos aqui no Brasil. O pronunciamento nacional do presidente dos Estados Unidos, candidato à reeleição, foi interrompido por várias emissoras (NBC, MSBC, ABC e CBS), porque começou a difundir barbaridades contra os fatos, a atentar contra a democracia do país, mentindo sobre supostas fraudes no processo eleitoral, com o objetivo descarado de criar um clima de convulsão social via apelo direcionado aos seus embrutecidos apoiadores, acostumados ao tumulto.

Muito interessante o episódio, porque aqui pelo Brasil há os que estufam o peito para dizer que a liberdade de expressão é um direito intocável, absoluto, o direito de todos os direitos, segundo alguns, normalmente citando-se os EUA como paradigma de proteção.

Pois bem! Nos Estados Unidos, o direito à liberdade de expressão é um bem sem dúvida alguma tutelado de modo reforçado. Porém, quando ele é utilizado para trapacear a coletividade, sabotar as bases democráticas necessárias a existência da própria liberdade de expressão, ele é tolhido. Foi o que aconteceu na noite da última quinta. Cortaram sumariamente a palavra do todo poderoso presidente do país, porque ele irrompeu contra a ideia de que as liberdades fundamentais são absolutas enquanto sistema, não individualmente.  Ele usou sua palavra para atacar a democracia norte-americana, por consequência, a sociedade norte-americana, aproveitando-se da regra da liberdade de expressão para difundir a mentira e o ódio. Para isso, as emissoras de TV sequer esperaram endosso judicial, por si só, interromperam o mandatário candidato, desmoralizando-o publicamente perante seus concidadãos e o mundo inteiro.

A verdade é que em qualquer país minimamente decente o direito à liberdade de expressão jamais será interpretado como licença absoluta para proferir a estupidez, “freedom of speech is not a license to be stupid”, como é comum dizer nos Estados Unidos.

Ótima lição para os incautos brasileiros, sendo relevante recordar que, há quinze dias, o ministro das relações exteriores do país realizou discurso para turma de formandos do Itamaraty, sob olhar de aprovação do presidente, em que, no conjunto de impróprios articulados, manifestou: “Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano, por exemplo, os Presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade. Naquela organização que teria sido, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. Fundamental que o chanceler entendesse o sentido que se dá à palavra liberdade nos Estados Unidos, talvez não se orgulhasse das opções que levaram o Brasil a ser um pária internacional.

Marcelo Uchôa – Advogado. Professor de Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará. Twitter: @MarceloUchoa_ 

 

Redação

6 Comentários

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  1. No filme sobre o Larry Flint ele está para ser preso e só se entrega quando as três redes entram ao vivo com sua prisão , Trump fez o inverso , tirou as três de sua fala …
    Mas …. Trump bota a mídia como parte da conspiração , ao cortá-lo , em bloco , reforça a tese dele.
    Os editores devem ter conversado antes , durante e depois sobre esta difícil decisão.
    Acertada ao meu modesto ver.

  2. Já escreveram por aqui no GGN sobre o mesmo assunto, utilizando muito apropriadamente uma frase do falecido Boechat: “não se pode dar voz a idiotas”
    Este é um caso típico.

  3. Santa ingenuidade Batman.
    Se houvesse, de fato, alguma tutela constitucional neste sentido, de limitar a narrativa de ódio, a Fox nem estaria no ar faz uns dez anos.
    Foi justamente esta crença pueril dupla (que existe liberdade de expressão no capitalismo e que algum ente constitucional controla esta liberdade) que permitiu a ascensão de todos os déspotas, que longe de serem exceções, são o modo “saída de emergência” do capital.
    O corte de Trump foi só uma jogada de oportunismo, nem raro e nem tão difícil de entender.
    Pena que Batman ainda acredita no segredo do morcego.
    Juristas pela democracia é algo parecido como raposas pelas galinhas.
    Fiote, se capitalismo é sempre injusto, e não subsiste sem uma ordem jurídica que o conserve, nunca haverá jurista que seja democrático, porque demicracia capitalista não existe.

  4. A conclusão é que as emissoras permitiram que ele falasse barbaridades durante 4 anos e agora não pode. E que quem decide são as emissoras.

  5. Post scriptum:
    E o ilustre causídico aplaude que sejam os biliardários da comunicação que definam quem pode falar o quê?
    Auto regulação?
    Piada não?
    Só pode ser piada.

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