Quando a felicidade de um professor-pesquisador dura pouco!, por Rogério Maestri

Vou contar uma longa história de quarenta anos de trabalho!

Quando a felicidade de um professor-pesquisador dura pouco!

por Rogério Maestri

Milhares de vezes a academia foi acusada de ficar fechada na sua torre de cristal não dando bola para o resto do mundo.

A Universidade é acusada de ficar aparentemente numa torre de cristal longe do povo não sendo “celebridades” acadêmicas, porém vou contar uma longa história de quarenta anos de trabalho!

Como entrei como estudante na Universidade em 1972 e desde 1973 fui eleito sem saber por um conchavo de um colega para representante estudantil no Conselho Universitário da UFRGS tenho há quase meio século alguma experiência no meio, o que para o Brasil acadêmico é uma verdadeira vida.

Primeiro vamos deixar claro, antes da década de 70 praticamente todas as universidades eram meras reprodutoras de livros e trabalhos importados do exterior, e tanto a formação de pós-graduação era feita por alguns professores que por risco e financiamento próprio ou da família iam até o exterior fazer um curso qualquer após o curso de graduação.

Nas décadas anteriores a 70 a formação dos alunos de graduação era tão deficiente que quando estes corajosos docentes se afastavam por conta própria, muitas vezes eram obrigados a fazer parte da graduação nas universidades pois seus títulos não eram reconhecidos.

Também haviam os professores livre docentes, que faziam um trabalho científico, geralmente subfinanciados nas mais diversas áreas. Alguém nesta época que com um curso de graduação escrevia algum livro técnico que era utilizados pelas maiores universidades brasileiras eram reconhecidos como notório saber e tinham as mesmas prerrogativas dos doutores e livre docentes. Mas na realidade titulação acima dos cursos de graduação era um verdadeiro deserto.

Os governos militares começaram uma política oficial de formação de cursos de mestrado no país. Os egressos destes cursos de mestrado eram enviados para as universidades de segunda linha que aceitava os como alunos de doutorado ou os obrigavam a cursar os cursos equivalente ao mestrado de novo.

Com o passar do tempo, os brasileiros passaram a ser aceitos pelas universidades de primeira linha e entrando diretamente nos cursos pretendidos, ou seja, a academia começou a atingir a maturidade em termos de reconhecimento internacional.

Chegando de volta ao Brasil, os egressos dos cursos de mestrado e doutorado no exterior passavam a segunda etapa, “O que fazer?”. Parece brincadeira, mas já nas décadas de 70 e 80, um contingente razoável de pesquisadores no Brasil existiam prontos para realizar estudos que servissem a alguma coisa, porém todos aqueles que precisavam algum equipamento ou mesmo um local para desenvolver algum ensaio ou qualquer coisa física que não pudesse ser resolvida a sua pesquisa com um mera máquina de escrever tinha que brigar a tapa com seus colegas do Brasil inteiro para conseguir alguma verba para, num processo de interminável burocracia, importar equipamentos de medida depois de provar o evidente, que não havia similares nacionais.

Para dar um exemplo, lá por estas épocas, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH (coloquei o nome do instituto para mostrar o absurdo) para medir qualquer coisa possuía equipamentos de medição com tecnologia do INÍCIO DO SÉCULO XX, não estou brincando, nem estou utilizando figuras de linguagem.

Num projeto que a UNESCO fazia parceria com IPH, depois do Instituto gastar a maior parte das verbas em aluguel de viaturas para campanhas de campo, de diárias para técnicos fazerem medidas hidrológicas numa região longe do Instituto (atenção hidrologia não é hidráulica) sobrou um restinho de dinheiro, e por sugestão de um consultor internacional foi comprado para todo o setor de hidráulica do Instituto de pesquisas HIDRÁULICAS (não hidrológicas) três micromolinetes de laboratório. Estes precisos equipamentos quando os vi, cheguei quase a chorar de alegria, porém como o dinheiro era pouco, um analisador de sinais não havia sido comprado e desta forma os fantásticos micromolinetes começaram a aguardar uma milagrosa caixinha que transformaria os sinais em um dado utilizado.

A fantástica caixinha após mais ou menos uns seis meses ficou pronta, e na sua primeira utilização ela fez plim-plim e ploft, queimando seus circuitos internos e o terceirizado que havia feito a caixinha desaparecido para nunca mais voltar.

Com a liberação das importações no governo Collor parecia que seria um passeio, e depois de uma disputa infernal por novos recursos, já no governo FHC, recebemos uma polpuda verba para a compra de um sistema de anemometria a laser, ou seja, top de linha para estudos de turbulência. Nesta época já havia um fabricante nacional que propunha a construção de um equipamento do gênero, mas como depois da caixinha que fez plim-plim e ploft, a pessoa encarregada para a compra do sistema laser, caiu no conto do equipamento feito no exterior por uma incubadora associada a uma das maiores universidades inglesas. Depois de muito vai e vem, um ano após isto tudo veio o fantástico equipamento, que possuía um laser de alta potência que necessitava de um transformador especial, dentro das famosas normas inglesas em que o parafuso se torce ao contrário e a direção dos carros é do outro lado e não tínhamos nem o transformador nem o dinheiro

Mais uns seis meses de espera para comprar e instalar o computador, estávamos de novo no meio do século XX, porém, depois descobrimos que o responsável pela aquisição do equipamento, para chegar ao valor que tínhamos para pagar aceitou a compra de um laser de segunda mão, e para variar, a caixinha que receberia o feixe luminoso, simplesmente não funcionou e a microempresa inglesa faliu.

Depois de três décadas de desespero, no governo FHC foi criado os fundos setoriais, em que empresas de petróleo, energia elétrica e outros ramos tinham que investir em pesquisa em Universidades, como uma compensação de trinta anos de infelicidade começamos a trabalhar com a Petrobras e com outras petroleiras.

Aproveitando a disposição que tínhamos nos lançamos ao trabalho, e tivemos uma década de ouro. Para o que acontecer? A lava jato desmontando a Petrobras.

Porém nesta janela de oportunidade que durou uns quinze anos, a imensa maioria de tudo que obtivemos foi empregado em infraestrutura (prédios e equipamentos para a pesquisa) e não em bolsas ou passeios para os professores, nos dias atuais, que já estou aposentado, a equipe de professores que continuou no setor continua trabalhando até que nos privatizem.

Agora me desculpem, mas tenho direito de dizer que aqueles palhaços que assumiram o ministério da educação mereceriam (não estou dizendo que devam) ser enforcados, pois assim como a minha equipe sofreu anos para atingir algo, vem estes cretinos a tratar a Universidade como lixo.

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador