Sobrevivendo a Bolsonaro, capítulo 1: a luta contra a normalização, por Renato Bazan

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sobrevivendo a Bolsonaro, capítulo 1: a luta contra a normalização

por Renato Bazan

Parece um livro de ficção mal escrito, mas é verdade – 24 horas atrás, o Brasil elegeu Jair Messias Bolsonaro como Presidente da República. Sinta o peso dessas palavras. O tsunami da virada foi quebrado pela muralha do antipetismo fanático, colocando o equivalente humano de um trem de carga sem freios no Palácio do Planalto.

Não há final feliz possível para o que está adiante. E é em meio a esses desespero inicial que você deve pensar qualquer análise da distopia adiante. Bolsonaro terá o controle das Forças Armadas e das Medidas Provisórias, e respeitar a democracia é respeitar esse poder. Mas não podemos ceder, em momento algum, à tentação da normalização de seus pensamentos preconceituosos.

As duas entrevistas iniciais do presidente-eleito, para a Record e para o Jornal Nacional, foram tão mortificantes quanto seu script de campanha. Na primeira, Bolsonaro prometeu incendiar o ambiente rural brasileiro com armas de fogo e licença para matar (o cheiroso e bem penteado “excludente de ilicitude”, em suas próprias palavras). Na segunda, voltou a falar do inexistente “kit gay” e do jamais realizado “congresso GLBT infantil”.

É exatamente o roteiro mentiroso que o premiou com a faixa presidencial.

Você, que quer lutar para impedir o triunfo do fascismo no Brasil, precisa primeiro aceitar que este será o nosso presidente agora: um homem que cria monstros de papelão para se engrandecer, e que muitas vezes tentará te vestir com esses recortes. “Dar a chance de Bolsonaro fazer a coisa certa”, como tem dito parte da imprensa, não significa aceitar essa técnica de manipulação barata.

Mesmo na mais generosa das expectativas, não podemos permitir que um presidente vá ao ar disseminar fake news já desbaratadas, e que branda a palavra VERDADE enquanto metralha a lógica mais básica para receber aplausos. Temos que chamar um fato desses pelo que ele é: ANORMAL. Nosso próximo presidente é uma caricatura política que ganhou vida no WhatsApp e saltou da tela do celular.

O primeiro dever da resistência democrática será apontar as mentiras do presidente Bolsonaro assim que elas deixarem os seus tortos lábios, fazendo um fact-check implacável, minuto-a-minuto. Será a preservação da sanidade. Do outro lado, seus seguidores ainda em transe insistirão em dizer que suas falas estão fora de contexto, ou que é “da boca pra fora”, ou que ele não é responsável pelo que diz.

Isso vai durar alguns meses. Tenha paciência e continue apontando as mentiras.

Com o tempo, o seguinte dilema será colocado para a população: ou o presidente do Brasil é um monstro que pretende levar todos os opositores para a cadeia ou o exílio, ou ele é um frouxo mentiroso, cuja palavra não tem valor, e que não terá a liderança necessária para tirar o país da crise. As duas possibilidades são igualmente ruins, mas abrem a porta para a retomada do diálogo com quem tem projeto para o Brasil.

Essa retomada jamais acontecerá se alimentarmos com complacência o disse-não-disse de Bolsonaro. Como não existe uma linha visível entre provocações e ameaças reais do presidente-eleito, o refúgio da sanidade é acreditarmos em cada coisa que ele diz pela sua literalidade. Pelas primeiras falas de Paulo Guedes à imprensa, o itinerário aponta para uma eletrocução neoliberal sem precedentes na história brasileira, que fará o governo Temer parecer um choque numa tomada de 110 volts.

Bolsonaro se tornou presidente em cima de uma campanha de mentira sistemática, apoiada em preconceitos e ressentimentos sociais, aproveitando o vácuo de um golpe jurídico-parlamentar mal calculado. Agora que está no poder, não há qualquer motivo para acreditar que não continuará usando suas estratégias de escândalo.

Quanto mais ele xingar, quanto mais divisiva for sua imagem, menos a população vai perceber a máquina federal moendo seus direitos. Cada nova declaração abrirá um precedente para uma violência um pouco maior, deixando seus oponentes mais atordoados.

O fascínio mórbido causado por Bolsonaro traz uma tentação específica: a de acharmos que qualquer violência é normal, que política se faz na base do grito. Questionar coisas óbvias e negar descaradamente a realidade não são erros de Bolsonaro, são ferramentas de trabalho.

O primeiro passo no combate ao seu governo será entender que a mentira é parte central de sua comunicação com o povo, a um nível tão endêmico que o banimento em massa de fake news causou uma queda de quase 4% em suas intenções de voto na última semana.

Qual é a solução, portanto? Em primeiro lugar, permaneça escandalizado. Não se isole do mundo. Estude ainda mais, para ser capaz de detectar a mentira quando ela aparecer. Busque o olhar da imprensa internacional, livre de interesses comerciais imediatos.

A imprensa brasileira não será capaz de fazer a crítica necessária – nunca foi, e não será agora, corajosa ou hábil o suficiente para enfrentar a estupidez galopante de Bolsonaro. Quem duvida disso, que assista William Bonner se desdobrar em três para corrigir a mentira óbvia contra a Folha de S.Paulo na última entrevista.

Mais importante de tudo: transforme sua militância de Facebook em atos reais de engajamento. Procure qualquer movimento social cuja mensagem te represente e participe, pois este é o pior momento para se calar. Fique perto da realidade, para que Bolsonaro não consiga te convencer que o mundo está como sempre foi, e foi você quem virou de ponta-cabeça.

 
 
 
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Anormal…

    ANORMAL. Nosso próximo presidente é uma caricatura política que ganhou vida no WhatsApp e saltou da tela do celular.

     

    E então verás que um meme não resiste a luta

     

     

  2. Dois passos atrás

    Em verdade, articulistas pequenos burgueses, em nome da “democracia” burguesa, já começam aprioristicamente normalizando o que está realmente acontecendo no Brasil.

    Esquecem que estamos no desdobramento de um golpe de estado e que essas eleições nada têm de legítimas, que não passam de uma enorme fraude armada para engalanar brasileiro desinformado, com STF, com tudo. Vejamos apenas um resumo da fraude:

    A) Afastaram uma presidenta eleita com base em mentiras; 

    B) Prenderam o preferido do eleitorado sem provas e ao arrepio da constituição. Pior, o mantiveram e o vêm mantendo em uma masmorra, impedido de falar ao eleitorado, sempre ao arrepio de todas as garantias constitucionais, infraconstitucionais, processuais e do direito internacional;

    C) Permitiram a ampla difusão de desinformação mentirosa contra a candidatura anti-golpe;

    Portanto, o porco eleito presidente está eivado de ilegitimidade por todos os ângulos em que a questão seja encarada, pouco importando se o Partido dos Trabalhadores e outros aceitaram participar dessa fraude armada para inglês ver.

    ELEIÇÕES SEM LULA É FRAUDE!

     

     

  3. Ok, só que o dito cujo não é

    Ok, só que o dito cujo não é meu presidente. Sei que oficialmente é, e que eu conceder ou não legitimidade não faz a menor diferença. 

    Mas não há legitimidade num processo que começa com um golpe de estado, a exclusão criminosa do candidato favorito e o esquema criminoso que fraudou a livre escolha dos eleitores. Isso é fato e a rigor a ONU teria que se negar a reconhecer esse governo, já que segundo seu comitê de direitos humanos a eleição foi anti-democrática.

    A viabilidade prática da desobediência cívil? Da minha parte quase nenhuma. Mas isso não importa, matenho essa posição que confesso é confortável, dado que sou um classe média profissional autônomo.

    Quem de fato começa a se preocupar com sua sobrevivência literal, não figurada! serão os militantes do MST e MTST. Esses não terão tempo de desmentir nada. Os tiros contra eles não serão fakenews

    1. me enquadro aí também

      A extrema direita nunca governou para os pobres, 80% da população brasileira.

      Da  minha parte o jeito é me indignar e ficar a mercê do sistema, torcer para que o liberalismo não se tranforme em nacionalismo, porque aí o trem vai explodir…

      O maior problema é que o Haddad não representa os trabalhadores, nunca terá força para mobilizar esta classe. 

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