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Netanyahu quer anexar a Cisjordânia: o que isso significa para o futuro de Palestina/Israel?
Por Arturo Hartmann e Bruno Huberman
A poucos dias da eleição desta terça-feira (9) para decidir a próxima coalizão de governo em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que busca mais um termo no poder, declarou que “estenderá a soberania” israelense sobre o Território Ocupado Palestino da Cisjordânia, de forma a abranger todos os assentamentos judeus, caso saia vitorioso.
Não ficou claro qual exatamente seria a manobra de Netanyahu, mas ela seria o passo seguinte ao reconhecimento da soberania israelense sobre o Território Ocupado Sírio das Colinas do Golã. “Nós vamos nos mover para a próxima fase? Sim. Estenderemos a soberania, mas não distinguirei entre blocos de assentamentos (como Ariel ou Gush Etzion, próximos à Linha Verde[1]) ou aqueles isolados (como Tomer, Maale Efrayim e Roy, no vale do Jordão), pois cada assentamento é israelense e eu não irei entregá-los à soberania palestina.”
As possibilidades das implicações políticas de uma vitória de Netanyahu podem ser resumidas em uma ampla pesquisa de opinião realizada pelo jornal israelense Haaretz, publicada em 25 de março (com 900 pessoas, sendo 800 judeus e 100 não-judeus), no qual 42% dos entrevistados apoiam de alguma forma a anexação da Cisjordânia.
Do total, 15% apoiavam a anexação apenas da área C, áreas que correspondem a 60% da Cisjordânia, sob controle civil e militar israelense (incluem assentamentos e suas zonas municipais, e zonas militares), uma criação dos Acordos de Oslo, onde vivem cerca de 410 mil colonos judeus (outros 209 mil vivem nas áreas ocupadas de Jerusalém Oriental). Outros 16% eram a favor da anexação total da Cisjordânia (possivelmente tornando a Autoridade Palestina nula e enterrando as dinâmicas do processo de Oslo), sem a cessão de direitos políticos para os palestinos.
Nesse caso, a promessa de Netanyahu transformará a segregação racial-espacial imposta pelos israelenses aos palestinos de uma de facto para uma de jure. Isso ocorrerá porque caso a anexação da área C da Cisjordânia de fato ocorra, as dezenas de ilhas de território autônomo palestino sob a governança da Autoridade Palestina continuarão excluídas da soberania formal e legal israelense. Mais do que nunca, serão bantustões palestinos à moda do apartheid sul-africano — até pior, já observaram algumas lideranças da luta antiapartheid.
É importante destacar ainda apoiando a anexação, mas condicionada a cessão de total direitos políticos aos palestinos, estavam 11% do total de respondentes. Isto é, seria estabelecida uma democracia liberal em um único Estado para todos os judeus e palestinos que vivem no território. Por fim, 28% opunham-se à anexação e 30% não souberam responder.
Se considerarmos apenas os não-judeus (o Haaretz não especifica se são palestinos ou incluem outros grupos, como trabalhadores migrantes que ganharam cidadania) que responderam a pesquisa, 4% apoiam a anexação da área C, 7% apoiam a anexação sem cessão de direitos políticos, 20% apoiam a anexação com total cessão de direitos, 35% opõem-se e 34% não sabem.
O próprio Netanyahu resumiu assim “seus feitos” em entrevista à Radio 103FM: “Eles me chamam de traidor, mas eu realizei uma missão. Eles não podem se opor às tremendas conquistas que eu realizei na última década. Eu tornei o Estado de Israel em um poder global. Todos os líderes vêm aqui”. E completou: ‘Semana passada eu estive nos EUA do presidente Donald Trump e trouxe o reconhecimento dos EUA das Colinas do Golã. Eu estava com o presidente russo Vladimir Putin e eu trouxe os ossos de Baumel[2]. O presidente brasileiro esteve aqui, e o da China e do Japão, os da África e da América Latina”.
Além disso, esses eventos ocorrem na antevéspera do que o presidente dos EUA, Donald Trump, promete ser o “acordo do século” que selaria definitivamente a paz entre Israel e os palestinos. Aliás, o Haaretz destacou que a reação do governo dos EUA à declaração de Netanyahu foi um “nada a declarar”. A especulação do jornal foi que “a reticência pode ser explicada pelo desejo de não ferir as chances de Netanyahu, mas há outra possibilidade: ‘o plano de paz final’ de Trump pode ter no horizonte os próprios passos que Netanyahu agora está prometendo”.
Segundo o ativista e acadêmico israelense Miko Peled, em artigo do dia 5, quatro elementos vão dominar o acordo negociado por Trump: autodeterminação palestina, refugiados, Jerusalém e o futuro da Cisjordânia. Até a declaração de Netanyahu, três deles já tinham um destino indicado por Trump. Enquanto os EUA já entendem Jerusalém enquanto capital de Israel desde 2017, o “reconhecimento de autodeterminação dos palestinos foi revertida de-facto quando em setembro de 2018 Trump fechou os escritórios da missão da OLP em Washington”, observa Peled. Ademais, a negação dos direito dos refugiados palestinos ocorreu quando em agosto de 2018 o Departamento de Estado interrompeu a destinação de fundos para a Unrwa, agência da ONU que cuida exclusivamente dos refugiados palestinos. A declaração de anexação da Cisjordânia seria a política para eliminar o quarto elemento listado por Peled.
Importante destacar aqui que o que está ruindo não é a democracia israelense ou a possibilidade de paz a partir da solução de dois Estados — que de fato nunca existiram. O que desaba é o acordo neoliberal que sustenta a colonização israelense, num conjunto de solapamento da lei internacional, doações milionárias, planos de desenvolvimento econômico e de statebuilding subsidiados por instituições multilaterais e a atuação de centenas de ONGs transnacionais.
Isso, entretanto, não significa dizer que tudo continua igual, mas que as máscaras que tem construído uma realidade fantasiosa sobre os acontecimentos no território da Palestina não se mostram mais necessárias diante da ascensão da extrema-direita no mundo. Está em construção uma nova ordem global e Israel é considerada uma referência para as novas lideranças que partilham de uma visão de mundo racista e antiliberal. Resultado de um projeto colonial tardio, Israel se tornou a vanguarda para a direita global que aprecia seu modelo de Estado-nação majoritariamente constituído por um nacionalismo racial puro, agressivo e militarizado.
[1] Linha Verde é a denominação da fronteira de armistício definida em 1949, após a guerra árabe-israelense de 1948 silenciar, que acabou por definir um modelo de partição da Palestina ainda hegêmonica entre a comunidade internacional, entre Israel, por um lado, e Cisjordânia e Faixa de Gaza, compondo o Estado palestino por outro.
[2] Zachary Baumel foi um soldado israelense que morreu há 37 anos em uma batalha entre Israel e Síria, no Vale do Bekaa libanês. Seus restos mortais foram recuperados na semana passada, num esforço do governo russo junto ao governo sírio.
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