Anotações sobre o Pavão Misterioso, clássico da poesia brasileira

O Romance do Pavão Misterioso, a despeito de todos os desencontros de sua história e, talvez, por ela mesma, consolidou-se como o clássico mais conhecido do cordel brasileiro em todos os tempos. O incrível rapto de Creusa pelo intrépido Evangelista é uma obra da literatura brasileira com mais de 50 reedições e novas edições, com pouco trânsito nas escolas e menos ainda entre os estudiosos e críticos literários e veículos especializados. Como a arte na qual se inscreve (o cordel brasileiro), o Pavão, apesar do longo voo pelos céus universais, não é alcançado pelas lentes privilegiadas da elite acadêmica do país. Na realidade, todos já ouviram falar e conhecem seu argumento, mas poucos, desse seleto grupo de estudiosos da literatura brasileira, o leram de verdade como uma obra fundamental de nossa formação literária.
Obra imortal do poeta José Camelo de Melo Rezende, lá das terras de Pilõezinhos, nas plagas da Paraíba do Norte, desde sua escrita em 1923 que atrai sobre sua cauda algumas controvérsias. A primeira delas é a de que o texto a que hoje temos acesso, e que muitos de nós o traz de memória, não é o texto original de José Camelo, mas a versão da história escrita por João Melchíades Ferreira, o Cantor da Borborema, que a ouviu de um outro cantador. A segunda diz respeito aos direitos autorais da obra reivindicados pela Editora Luzeiro, mas questionados pelo poeta Vidal Santos, do Ceará. A terceira é que ninguém inibe a sua reedição em vários lugares e por cordelarias as mais diversas. Uma outra é sobre um possível texto original de José Camelo que, segundo alguns, existe, mas que não temos acesso, nem notícia de alguém que possua um exemplar. 

O que nos interessa, todavia, são algumas curiosidades sobre a natureza desse pavão tratado na história. Ao contrário do que muita gente que não o leu possa imaginar, a narrativa não conta de uma ave, mas de uma máquina desenhada e desenvolvida na oficina de um engenheiro conhecido como Edmundo. O trabalho de criação e construção dessa máquina foi pago à vista por Evangelista que desembolsou 200 contos de réis. Mas o preço valeu à pena pois o aeroplano, como tal, não existia em todo o mundo, nem na ficção. E é assim descrito:

O grande artista Edmundo
Desenhou nova invenção
Fazendo um aeroplano
De pequena dimensão
Fabricado de alumínio
Com importante armação

Movido a motor elétrico
Depósito de gasolina
Com locomoção macia
Que não fazia buzina
A obra mais importante
Que fez em sua oficina.

Tinha cauda como leque
As asas como pavão
Pescoço, cabeça e bico
Chave, alavanca e botão
E voava igual ao vento
Para qualquer direção.

Essa máquina, que levantava voo na horizontal, é invenção do gênio do poeta. Considerando que a invenção do helicóptero, completamente controlável, só se deu em 1937, na Alemanha, embora estudos viessem sendo feito antes, a “ave” de José Camelo é o protótipo do que viria ser a aeronave inovadora. É precioso se notar que o engenho criado por Edmundo, além das características descritas, possuía mais uma qualidade: a partir de um botão era possível armá-lo e desarmá-lo. Quem o diz é o próprio engenheiro Edmundo:

Eu fiz um aeroplano
Da forma de um pavão
Que se arma e se desarma
Comprimindo um botão
E carrega doze arrobas
Três léguas acima do chão.

Pelo menos duas vezes, o herói Evangelista arma e desarma sua máquina voadora:

Evangelista também
Desarmou o seu pavão
A cauda, a capota, o bico
Diminuiu a armação
Escondeu o seu motor
Em um pequeno caixão.

Quando os soldados o prendem para prestar contas pela invasão da mansão do velho Duque, o pavão está guardado no alto de uma palmeira. Evangelista aponta para o alto e, com o argumento de que precisa trocar de roupa, pede para pegá-las numa caixa que os soldados vêem lá no alto palmeiral. Ao subir, sua fuga é iminente:

Evangelista subiu, 
Pôs o dedo no botão
Seu monstro de alumínio
Ergueu logo a armação
Dali foi se levantando
Seguiu voando o pavão.

O ano de 2013 marcou o aniversário de 90 anos do clássico do cordel. A cidade de Guarabira, na Paraíba do Norte, sediou as celebrações graças a um grande esforço coletivo, quando o pesquisador José Paulo Ribeiro conseguiu mobilizar a sociedade organizada para a justa homenagem. Na ocasião, artistas plásticos, Adriano Dias,Alighieri Damião, Clóvis Junior, Célia Gondim, Célia Romeiro, Cibele Dantas, Carlos Damião, Dadá Venceslau, Lidiane Dias, Fátima Queiroga, Gilvan Domingos, Guga Rodrigues, JOP, João Silva, Paulo Gracino, Rodrigues Lima, Silvio Lima, Marcio Bizerril e Wilson Figueiredo, inauguraram uma mostra chamada Um Olhar Contemporâneo do Pavão Misterioso. Na ocasião, foi lançado o cordel 90 Anos de Encantos de um Pavão Misterioso, de Paulo Gracino.

Antes, em 2010, a Editora Luzeiro em parceria com a Tupynanquim Editora, de Klévisson Viana, relançara o clássico em sua versão quadrinizada por Sérgio Lima, cuja imagem ilustra nossa matéria.

Para nós fica a grandeza do poeta José Camelo de Melo Rezende e reproduzimos uma espécie de introdução ao texto original dele para uma das edições de sua obra. Deixamos bem claro que essa pequena introdução pode não ser também de José Camelo pois não tivemos acesso aos originais. Fica a deixa para que, nos comentários, algum pesquisador nos indique o caminho.

Quem quiser ficar ciente
Da história do pavão
Leia agora este romance
E preste bem atenção.
Que verá que esta história 
é minha e de outro não.

Há muitos anos versei
Esta história, e muitos dias,
Fiz uso dela sozinho
Em diversas cantorias,
Depois dei a cópia dela
Ao Cantor Romano Elias.

O cantor Romano Elias
Mostrou-a a um camarada,
— A João Melquíades Ferreira,
E ele fez-me a cilada
De publicá-la, porém,
Está toda adulterada.

E como muitas pessoas
Enganadas tem comprado
A diversos vendelhões
O romance plagiado
Resolvi levá-la ao prelo
Para causar mais agrado.

Portanto eu vou começar
A história verdadeira
Na estrofe imediata
E no fim ninguém não queira
Dizer que ela é produção
De João Melquíades Ferreira.

Na Turquia, a muitos anos,
Um viúvo capitalista
morreu, deixando dois filhos:
Batista e Evangelista
Todos os dois eram João,
Sendo o mais velho o Batista

Redação

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  1. Reminiscências

    Quando criança, meu pai me colocava deitado de bruços sobre seus joelhos e balançando-os cantarolava  essa música pra me fazer dormir. Na minha imaginação eu via dois coqueiros, um ao lado do outro e um pavão mostrando o esplendor  das suas penas, sobrevoando os dois. Num  vídeo que fiz para homenagear os velhos muitos anos depois, a voz do Ednardo entoando  Pavão Misterioso, fez muita gente chorar. Letra e canção tem um  lugar muito especial no coração desse matuto aqui.

     

  2. Cabra da Peste da Paraiba Voava Sem Mistérios

    Ele voou quase 300 anos antes de Santos Dumont e muito antes de Otto Lilienthal, o ‘Pai dos Planadores’.

    Capa   Marcelo Soares Cardoso | Revista Aeromagazine

    MAMANGUAPE – PARAIBA

    Entre 1690 e 1710, um paraibano fez os primeiros voos com um aparelho mais pesado que o ar no Brasil. Seu nome era Marcos Barbosa, natural da cidade paraibana de Mamanguape. Ele voou quase 300 anos antes de Santos Dumont e muito antes de Otto Lilienthal, considerado o pai dos planadores. Ele conseguia voar a distancias impensáveis para a época.

    Marcos Barbosa, que nasceu e morreu em Mamanguape, era filho de Luiz Pereira Barbosa, comerciante, e Cecília Gomes, provavelmente professora. Com uma mente inquieta e brilhante, procurava aprender tudo o que podia, lutando contra a falta de estrutura do lugar onde nasceu para seu aprendizado, pois não havia escolas nem professores que o ensinassem o que sua sede de saber exigia. Por isso, tornou-se autodidata, chegando a ser gramático, músico e inventor. Construía objetos que já haviam sido criados por outros e os aperfeiçoava. Chegou a criar um instrumento de cordas, do qual tirava sons suaves e agradáveis aos ouvidos da plateia que o assistia.

    Não parava de ter ideias e começou a pesquisar asas, com a intenção de construí-las para ele mesmo voar. E assim o fez, quando construiu um planador rudimentar mais parecido com uma borboleta ou uma asa delta, com o qual realizou inúmeros voos com multidões como testemunha.

    Chegou até mesmo a protagonizar o que seria o primeiro acidente aéreo do Brasil, quando decolou de uma elevação em um de seus voos e, não podendo mais sustentar o voo, ficou sobrevoando o mar até cair nele.

    Tudo isso está registrado no livro Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, do clérigo Dom Domingos de Loreto Couto, editado em 1757. O pequeno texto que lembra as passagens acima está registrado no parágrafo 64 da pág. 389 daquela obra. Infelizmente, é isso o pouco que se sabe desse paraibano que foi um pioneiro em numa época em que o sonho do homem de voar era realizado em outras paragens e foi muito bem documentada.

    Portanto, Marcos Barbosa é mais um injustiçado da história brasileira e paraibana, salvo apenas por uma pequena lembrança em uma ou duas páginas de um livro de que poucos ouviram falar. Ele, como outros tantos, parecem condenados ao esquecimento pelo descaso dos brasileiros e autoridades com a sua História.

    ***

    ‘Não vi o Homem chegar na Lua, mas freqüentei muito a boate Apolo, em Irecê, na Bahia’, dizia um morador de Carrapateira na Paraíba

  3. O Desafio do Cego Aderaldo a Zé Pretinho

    ‘Quem a paca cara compra, paca cara pagará!’
    (Peleja com Zé Pretinho dos Tucuns)

    Railavor, usuário do Youtube, gravou o seu pai declamando um cordel sobre o histórico desafio do lendário Cego Aderaldo ao Zé Pretinho.

     

    (…)

    Em casa do tal Pretinho,
    Foi chegando o portador
    E dizendo: — Lá em casa
    Tem um cego cantador
    E meu pai mandou dizer-lhe
    Que vá tirar-lhe o calor!
    Zé Pretinho respondeu:
    — Bom amigo é quem avisa!
    Menino, dizei ao cego
    Que vá tirando a camisa,
    Mande benzer logo o lombo,
    Porque vou dar-lhe uma pisa!

    (…)

    [video:http://youtu.be/iWk1CvPc4ms%5D

    ***

       CEGO ADERALDO

    Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, nasceu no dia 24 de junho de 1878 na cidade do Crato — CE. Logo após seu nascimento mudou-se para Quixadá, no mesmo estado. Aos cinco anos começou a trabalhar, pois seu pai adoeceu e não conseguia sustentar a família. Tomou conta dos pais sozinho. Quinze dias depois que seu pai morreu (25 de março de 1896), quando tinha 18 anos e trabalhava como maquinista na Estrada de Ferro de Baturité, sua visão se foi depois de uma forte dor nos olhos. Pobre, cego e com poucos a quem recorrer, teve um sonho em verso certa vez, ocasião em que descobriu seu dom para cantar e improvisar. Ganhou uma viola a qual aprendeu a tocar. Mais tarde começou a tocar rabeca. Algum tempo depois, quando tudo parecia estar voltando à estabilidade, sua mãe morre. Sozinho começou a andar pelo sertão cantando e recebendo por isso. Percorreu todo o Ceará, partes do Piauí e Pernambuco. Com o tempo sua fama foi aumentando. Em 1914 se deu a famosa peleja com Zé Pretinho (maior cantador do Piauí). Depois disso voltou para Quixadá mas, com a seca de 1915, resolveu tentar a vida no Pará. Voltou para Quixadá por volta de 1920 e só saiu dali em 1923, quando resolveu conhecer o Padre Cícero. Rumou para Juazeiro onde o próprio Padre Cícero veio receber o trovador que já tinha fama. Algum tempo depois foi a vez de cantar para Lampião, que satisfez seu pedido — feito em versos — de ter um revólver do cangaceiro.

    Tentando mudar o estilo de vida de cantador, em 1931, comprou um gramofone e alguns discos que usava para divertir o povo do sertão apresentando aquilo que ainda era novidade mesmo na capital. Conseguiu o que queria, mas o povo ainda o queria escutar. Logo depois, em 1933, teve a idéia de apresentar vídeos. Que também deu certo, mas não o realizava tanto. Resolveu se estabelecer em Fortaleza em 1942, onde veio a abrir uma bodega na Rua da Bomba, No. 2. Infelizmente o seu traquejo de trovador não servia para o comércio e depois de algum tempo fechou a bodega com um prejuízo considerável.

    Desde 1945, então com 67 anos, Cego Aderaldo parou de aceitar desafios. Mas também, já tinha rodado o sertão inúmeras vezes, conseguira ser reconhecido em todo lugar, cantara pra muitas pessoas, inclusive muitas importantes, tivera pelejas com os maiores cantadores. E, na medida em que a serenidade, que só o tempo trás ao homem, começou a dificultar as disputas de peleja, ele resolveu passar a cantar apenas para entreter a alma. Cego Aderaldo nunca se casou e diz nunca ter tido vontade, mas costumava ter uma vida de chefe de família pois criou 24 meninos.

    Texto extraído do livro “Eu sou o Cego Aderaldo”, prefácio de Rachel de Queiroz, Maltese Editora — São Paulo, 1994.

  4. Vaqueiros e Cantadores

    OS IMORTAIS DA POESIA

    Cego Aderaldo, Zé Pretinho, José Franco e Câmara Cascudo

       CEGO ADERALDO

    A sua estátua está, tristemente, escondida no términal rodoviário de Quixadá, no sertão central cearense.

    Aderaldo Ferreira de Araújo, mas conhecido como Cego Aderaldo, nasceu no Crato-CE no dia 24 de junho de 1878, foi um dos mais importantes poetas populares do Ceará e de todo o Brasil, seus versos e motes ainda são entoados e lidos até hoje. Conhecido por ser um poeta de respostas rápidas e raciocínio lógico, Cego Aderaldo tinha muita papidez em suas rimas e repentes.

    Leonardo Mota com Jacó Passarinho e Cego Aderaldo

    A peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho

    Em 1914, disputou um desafio com Zé Pretinho, foi um marco na poesia, em uma disputa épica que foi registrada por Firmino Teixeira do Amaral.

    A peleja do Cego Aderaldo com José Franco

    Esta é a luta do cego Aderaldo com José Franco, também chamado Francalino, que travou-se na fazenda Trombador e foi registrada por Luís da Câmara Cascudo, em ‘Vaqueiros e cantadores’.

    De folhas de oiticica
    Estava um barracão bem feito
    José Francalino disse:
    Cantar aqui não aceito
    Homem que canta em barraca
    Não pode cantar direito

    Com muito rogo o cantor
    Aceitou sempre o assento
    Mandou que eu me sentasse
    Do outro lado do vento
    Colocou o povo em roda
    E nós ficamos no centro

    Ele afinou a viola
    E começou o baião
    Eu afinei a rabeca
    Dei a mesma entoação
    Agitou-se o pessoal
    Para ouvir a discussão

    Senhores, dêem-me licença
    Funcionar a garganta
    Mostrar ao cego Aderaldo
    A minha palavra santa
    Meu eco treme a colina
    Parece que o bosque canta

    Dê-me licença, senhores
    Ó riquíssima personagem
    Cantar com esse cantor
    Quem vem com tanta vontade
    Dizendo que sua voz
    Para o vento é a miragem.

    Postagem:
    ROBÉRIO VASCONCELOS
    Diretor e editor do CLUBE DO REPENTE

  5. pavão misterioso

     A história do pavão misterioso ele é de romace essa história quem começa a ler não vai ser cassa de ler mais.

  6. O Pavão Misterioso

    Caro Professor Aderaldo. O motivo deste seria sobre um exemplar que possuo do Pavão Misterioso. Cor verde claro.Nota-se que é muito antigo. Não vi nehuma capa igual até hoje. Pelas marcas do tempo acredito ser dos anos 20. As páginas estão presas somente por um grampo central na lombada,e pouco puídas mas não interfere na leitura. São 32 páginas contendo 141 estrofes . Não contém o ano do lançamento. Não contém o nome do autor da obra.Não contém editora.Simplesmente na 1ª página está escrito: O Pavão Misterioso dentro de um retângulo em negrito. Agradeço pela atenção.

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