Duas ou três coisas sobre o cordel brasileiro e seus protagonistas

1. O poeta paraibano Assis José de Andrade, conhecido no mundo cordeliano como Andraci, é um desbravador. Nascido em 1937 em Alagoa Nova, município do brejo paraibano, Andraci radicou-se em São Paulo onde conseguiu certo prestígio com seus folhetos e com suas músicas. Um pouco cansado pela idade, nos encontramos no final de 2012 meio às comemorações do aniversário da Caravana do Cordel. Esquecido pela nova geração, e até desconhecido dela, Andraci é o autor de Os Sinais do Fim da Era Com os Horrores no Mundo:

Ó Deus Pai Celestial
Com o teu poder profundo
Eu vou descrever em versos
Em menos de um segundo
Os sinais do fim da era
Com os horrores no mundo

Como falava o famoso
Padrinho Cícero Romão:
“Aonde mora a inveja
Não pode haver união
Na casa da falsidade
Mora a infeliz traição!”…

2. Há poetas que acham que Leandro Gomes de Barros está vencido em matéria de poesia. Acham que Leandro está superado e que algum contemporâneo já o colocou no saco. Equívoco fundo. Além de ser o pioneiro na produção do cordel como hoje o conhecemos, sistematizado e linear, a pena é imbatível e seu marco ainda não foi derribado. De volta à leitura atenta, para aprender e me admirar cada vez mais como poeta de Pombal, encontrei essa estrofe grifada de um de seus folhetos chamado As Aflições da Guerra na Europa. Neste momento de tensão no velho mundo, vale ler o que escreveu o bardo em julho de 1915, no auge de sua maturidade poética. É bom que os poetas atuais o tenham como modelo. Aliás, queria alertar os ativistas culturais paraibanos: A PARAÍBA ESTÁ DEVENDO ALGUMA COISA OFICIAL A LEANDRO.

3. Encontrar um poeta do cordel brasileiro, para mim é sempre motivo de grande alegria e curiosidade. Quero saber os detalhes de sua criação, seus contatos com outros poetas, sua filiação poética, sua prática e seu labor. Milton Moisés, encontrei-o na Rocinha. Em sua tenda vendendo doces, cordéis, quadros pintados por ele e muita simpatia. Ex-cantador, veio morar no Rio de Janeiro em 1981. Estabeleceu seu comércio na Via Ápia, rua que vai dar na Estrada da Gávea. Os quatro títulos que adquiri revelam um poeta sintonizado com o cordel e com os temas atuais da humanidade: Um Baralho Enfeitiçado e Dois Jogadores Vivos e Espertos; O Noivo Que Passou 27 Anos Esperando Ganhar Um Chifre Para Poder Se Casar Com a Mulher Que Mais Amava; A Natureza Humana, Ciência, Desobediência do Homem; e Político e Corrupção Ativa e Um Desabafo do Poeta formam, por enquanto, as cartadas do poeta para a gênese cordeliana. Li-os num passe de mágica e como um mágico guardei-os em minha cartola. O poeta nunca está sozinho, embora desacompanhado!

4. Altino Alagoano foi o pseudônimo utilizado por Maria das Neves Batista Pimentel para publicar seus cordéis a partir de 1938. Poucos pesquisadores falarão dela e de sua importância. Se hoje há uma lista de mulheres escrevendo cordel, essas deveriam louvar a memória da desbravadora. Utilizando-se do nome do marido, publicou primeiramente O Violino do Diabo ou O Preço da Honestidade. Maria das Neves era filha de Franscisco das Chagas Batista, um dos pais do cordel brasileiro, acompanhou-o em sua escalada na instalação da Popular Editora em João Pessoa-PB, foi testemunha da construção do cordel no Nordeste. Publicou ainda O Amor Nunca Morre e O Corcunda de Notre Dame. Os três folhetos todos transposições de clássicos da literatura universal, o que coloca por terra a tese elitista de que quem fazia cordel era analfabeto ou semi-analfabeto. Ora, o processo histórico do cordel brasileiro seguiu os mesmos passos da literatura oficial: as mulheres foram sufocadas. Reconhece Maria da Neves: “Todos os folhetos que foram vendidos na Livraria do meu pai ou que foram impressos, tinham nome de homem, eram homens que faziam…”

 

Redação

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