Tentar imitar messias pode ser a porta para o inferno, por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

 

Tentar imitar messias pode ser a porta para o inferno

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

“Tente entender este ponto. Se suas ações forem contra sua vontade, você estará no inferno mesmo estando no paraíso. Mas, seguindo o curso natural do seu ser, você estará no paraíso mesmo estando no inferno.

O paraíso é onde o seu verdadeiro ser floresce.

O inferno é onde você é subjugado e alguma outra coisa lhe é imposta” (Osho, Autobiografia de um místico espiritualmente incorreto, p. 33/50 da versão eletrônica).

Os atavismos religiosos ainda marcam as religiões, filosofias e doutrinas espiritualistas nos dias atuais. Acreditar em bem e mal, em perfeição e pecado, em céu e inferno é resultado de séculos de visões simplistas acerca dos fatos e da tentativa de controle, ainda que inconsciente, de muitos por aqueles que “comandam” as religiões. 

Um dos equívocos mais clássicos é tentar uniformizar os seres humanos, aconselhando-os todos a seguir um único caminho, como tentar imitar os passos de um determinado messias. Para muitos, todos deveriam ser como Gautama Buda; para outros, devemos tentar imitar os passos de Jesus; para outros, devemos comer, dormir, agir como Chico Xavier.

Há diversos riscos aí, dentre eles o fato de que os detalhes da vida dos messias são pouco conhecidos e os livros que falam sobre eles podem ter distorcido a história. Se os próprios adoradores de alguém retratam sua vida, qual a chance de falarem algo negativo sobre aquela pessoa? Por exemplo, os relatos de que a Bíblia sofreu diversas alterações por conta de interesses da Igreja são muitíssimos.

Muitos nomes da humanidade tidos por messias ou santos foram retratados de modo distorcido, tendo sido contado apenas aquilo que se julga positivo e até exagerando um pouco, levando as pessoas a acreditarem falsamente que existe perfeição neste momento – e, pior ainda, séculos atrás – na Terra. Aliás, a falta de auto-estima, a necessidade de heróis, de santos, é uma característica muito comum em sociedades de seres ainda pouco desenvolvidos. 

Os sábios espíritos explicam com frequência que até mesmo o mais elevado deles, como Jesus, Buda e outros grandes mestres, estão em eterna aprendizagem. Quando da encarnação, a carne, que é fraca, produz diversas provas em face das quais é muito difícil, até para o mais ascensionado dos espíritos, agir sempre com perfeição.

Como se vende, apesar do mencionado acima, uma imagem santificada dos expoentes religiosos, pensa-se que eram perfeitos e que todos podem se tornar perfeitos em uma encarnação se conseguirem imitá-los.

Sem conseguir sequer chegar perto dos seus ídolos venerados, que foram pintados a eles às vezes de forma distorcida, muitos ficam deprimidos, achando-se menores, incapazes. Outros conduzem suas vidas por caminhos que nada têm a ver consigo para que possam se sentir mais próximos daqueles tidos por santos. Alguns acham que somente assim irão se salvar. 

É uma grande maldade com o ser humano fazê-lo ser quem ele não é. Cada qual tem uma história espiritual, está numa fase, vem com determinadas energias, assumiu compromissos específicos. Por que eles deveriam ser como outro indivíduo? Todos estamos ligados e unidos com a consciência suprema, mas, ainda assim, somos todos indivíduos únicos, especiais.

Essa atitude de tentar sem sucesso imitar fielmente um santo é simplista, uma forma de reducionismo. Pega-se alguém e eleva-se ao pedestal de modelo máximo a ser copiado, mas não se percebe o quão isso é prejudicial para que cada um descubra o seu próprio Eu superior, que é um dos objetivos centrais dos espíritos, seja na encarnação, seja quando estão no plano espiritual. O mais importante é se autoconhecer. Ao tentar imitar outro, o sujeito deixa de olhar profundamente para si mesmo. 

Quanto mais nos afastamos de quem somos, mais ilusões e limitações são criadas, havendo tendência ao distanciamento em relação àquilo que foi previsto no programa encarnatório. Nosso livre-arbítrio é limitado, ao contrário do que se pensa. Uma das etapas de autoconhecimento mais importantes para todo ser humano é compreender aquilo que é o seu melhor em cada encarnação, aquilo a que ele se propõe, mas, ao contrário de fazer isso, muitos ficam venerando terceiros e tentando ser igual a eles, ao invés de simplesmente utilizá-los como modelos para burilar suas próprias características.

Conheci e conheço diversas pessoas que, buscando imitar um arquétipo criado em torno de Chico Xavier, não tomam nenhuma bebida alcoólica, pois diz-se que ele não tomava, comem e dormem pouco, pois diz-se que ele trabalhava muito e não tinha tempo para comer e dormir bem, julgando-se que isso é o único e verdadeiro trabalho abnegado. Eu diria que esse é certamente o caminho para ficar doente.

Não se trata de ser contra o trabalho árduo em benefício do próximo, mas os exageros quase sempre tenderão a gerar desequilíbrios, e comportamentos mais balanceados tendem a gerar não somente mais efetividade no próprio trabalho pelo fato de a pessoa estar melhor energeticamente, como tendem a manter a longevidade do trabalho.

Já vi vídeos em que pessoas próximas a Chico Xavier diziam que, em boa parte da vida, ele comia consideravelmente e que nem sempre foi magro como quando já estava mais idoso e com algumas doenças. Não sabemos a verdade, até porque ela não existe. Comer muito ou pouco é algo subjetivo. Ao longo da vida, é possível fazer os dois e em diferentes graus. Então, comer pouco porque Chico ou porque qualquer outro ídolo comia pouco é algo que merece autoanálise. A ciência tem dito que, frente às necessidades dos corpos dos seres humanos atuais, não se deve comer pouco, nem muito, mas ter uma dieta rica e equilibrada, com refeições variadas ao longo do dia, talvez de 3 em 3 horas. Não fazendo isso, tende-se a gerar doenças, mas é claro que cada indivíduo é único.

Acontece o mesmo do ponto de vista moral. Jesus, o Cristo, Allan Kardec, Chico Xavier foram pessoas encarnadas específicas com suas necessidades de aprendizado e suas missões. Outro equívoco muito comum entre os religiosos e espiritualistas é dividir os indivíduos em missionários e não missionários. Estes últimos seriam os pecadores cheios de dívidas a se pagar nas encarnações e aqueles seriam os heróis a serem imitados.  

Se as dualidades precisam ser transgredidas, tendo em vista que causam visões segmentadas, simplistas, como defendemos tanto neste blog, uma divisão desse tipo serve mais para confundir do que para informar. O próprio Livro dos Espíritos afirma que o objetivo da encarnação é aprender e gerar aprendizado, ou seja, todos somos aprendizes e missionários tanto na encarnação quanto no plano espiritual, nem que a missão seja causar provas a outros.

O maior peso na necessidade de aprender e/ou no caráter missionário dependerá muito de cada espírito específico e da missão que assume. Chico Xavier, por sinal, apesar de ter realizado uma missão importantíssima, que lhe deu fama internacional e repercutiu muito no Brasil, passou por provas duríssimas ao longo de toda a vida.

Ao mesmo tempo em que realizava a grande missão de sedimentar e difundir o espiritismo no Brasil e no mundo, após sua descoberta por Allan Kardec no século XIX, Chico Xavier ia pagando carmas e aprendendo com as dificuldades, como ser torturado pela madrasta, ser alvo de preconceitos por conta da sua mediunidade, ser criticado pelo seu trabalho, inclusive por familiares, ser expulso de casa pela irmã, ser alvo de uma armadilha de jornalistas etc. A vida daquele homem, para muitos, seria insuportável.

Nos Diálogos com os Espíritos, já chamamos a atenção para isso aqui tantas vezes, os sábios desencarnados falam frequentemente que não existe apenas um mestre, que mesmo Jesus continua aprendendo e continuará eternamente, pois o próprio universo está sempre em constante mutação e, além de ser infinito, existem multiversos, uma infinidade de mundos, serem e fenômenos a serem conhecidos.

Outro equívoco do meio espiritualista é crer que, se alguém passa por situações difíceis, tem necessariamente muitos carmas a pagar, é alguém que não foi boa pessoa em encarnações passadas. O que dizer de Jesus ter carregado a cruz, ter sido crucificado e terem depois enfiado uma lança nele? Jesus teria ainda carmas densos para pagar? Quem sabe, apesar da sua lucidez, não ficou algo de lá detrás para acertar e aprender? Há muitos “chutes” e confusões, mas não há como ser assertivo com relação a vários assuntos da espiritualidade.    

Uma coisa é escolher, conforme nossas afinidades, um grupo de pessoas que sirvam como modelos para, juntamente com um processo constante e profundo de autoconhecimento, burilarmos as nossas mais diferentes características, principalmente aquelas que parecem não revelar ainda lucidez. Assim, com amplitude de consciência, sem nos prendermos a religiões, filosofias e doutrinas supostamente salvadoras, nem a mestres únicos ou salvadores, valemo-nos de exemplos para, a partir de nossas próprias características, nos trabalharmos.

Outra coisa é a pessoa não se conhecer, ter estudado pouco, escolher uma religião para chamar de sua e defender como a melhor, e ainda ficar tentando parecer com algum mestre. Isso é infantilidade espiritual. Nada pode ser mais falta de lucidez do que querer ser algo diferente do que se é, a menos que o objetivo seja automelhorar-se aos poucos num processo de individuação, ou seja, de aproximar o ego do Eu superior e, cada vez mais, ampliar a consciência. 

Buscar deixar de cometer equívocos, buscar agir com mais amor, buscar ser uma pessoa melhor em todos os momentos e com todos, tudo isso é positivo. Outra história é se prender a práticas circunstanciais de modo superficial, é querer imitar aquele que se julga santo para também se tornar pretensamente um santo.

Os grandes mestres da humanidade vieram em momentos muito distintos, cada um num grau de ascensão, com tarefas de aprendizagem e de missão distintas, e assim somos todos nós. Não devemos procurar ser iguais a ninguém, mas desenvolver ao máximo os nossos próprios talentos e trabalhar ao máximo as nossas próprias perfeições. Os outros são apenas exemplos a serem estudados e seguidos com muitíssimo cuidado.

Se houvesse mesmo inferno, termo que podemos utilizar para denominar regiões densas onde se afinizam seres com vibrações baixas, certamente grandes candidatos para se amoldarem vibratoriamente a esses lugares seriam aqueles com consciências repletas de ilusões e limitações, que vivem tentando ser outras pessoas, completamente desconectados do seu Eu superior, ficando confusos, impondo verdades aos outros e barganhando com a espiritualidade por meio de esmolas bons lugares num suposto céu. 

Como dizia Ralph Waldo Emerson, precursor do Pragmatismo Americano e um dos maiores pensadores da história humana: “Imitação é suicídio.”

Redação

2 Comentários

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  1. Imitação e porta do inferno
     

    Não se deve imitar o messias mesmo, principalmente se esse Messias for o Jair Messias Bolsonaro, que não é reencarnado e nem reencarnável (ele não acredita nisso ).

    (Desculpe o chiste, não resisti)

  2. …”Muitos nomes da

    …”Muitos nomes da humanidade tidos por messias ou santos foram retratados de modo distorcido, tendo sido contado apenas aquilo que se julga positivo e até exagerando um pouco,”…

     

    Imagine-se o que seriam capazes de fazer, na exaustiva tarefa de satanizar o lider soviético Stalin. Enquanto pintam em tons pastel, a foto do alcoolatra  e criminoso Winston Churchill. Calhorda, e, tão fanático fanfarrão quanto o seu aparente antípoda e parceiro de crimes de guerra, Adolf Hitler.

    Todavia, do mesmo jeito que operam os moralistas combatentes da imoralidade alheia, recomenda-se ficar de olho quando eles sentam-se sobre as suas rabudas e peludas caudas, para melhor apontar a mira no rabo dos outros. Querem observar a quanto de calhordas e cínicos os homens podem chegar? Assistam o que dizem, os mercadores e negociantes da fé, nas emissoras de rádios e TVs, mundo a fora.

    Por falar em sucessivas reencarnações, ou seja, quando são utilizados espíritos já rodados, digamos assim. Minha dúvida se dá, como suprir novas criaturas com espíritos novos, 0 km? É factível o caso de espírito de primeira viajem? Caso positivo. Como se daria isso, por sorteio?…

      Orlando

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