‘Dilma tem grande insensibilidade social’, diz guru da esquerda

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/10/1362319-dilma-tem-grande-insensibilidade-social-diz-guru-da-esquerda.shtml

Referência de militantes de esquerda em todo o mundo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos diz que há retrocessos em segmentos dos direitos humanos no Brasil e critica a presidente Dilma por demonstrar “insensibilidade social”.

Segundo ele, isso fica “ainda mais evidente por conta […] do estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais”.

Para Boaventura, no entanto, Marina Silva (PSB) não representa uma alternativa para a esquerda. Ele diz que sua eleição fortaleceria correntes religiosas conservadoras. Além disso, entende que, na economia, Marina seria um retorno ao que havia antes de de Lula. “Ela é uma cara nova para a direita”, afirma.

Boaventura veio ao Brasil para o lançamento de dois livros: “Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos” e “Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento”, o segundo em coautoria com a filósofa Marilena Chaui.

  Fabio Braga/Folhapress  
Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Folha
Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Folha

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Folha – “Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos” é um título provocador. Sugere que o senhor acredita em Deus. E sugere que Deus poderia dar mais importância para os direitos humanos. É isso?
Boaventura de Sousa Santos – De fato, não. O título é provocador. Eu não me comprometo com a existência de Deus. Sou como Pascal [filósofo francês, 1623-1662]: diria que não temos meios racionais para poder afirmar com segurança se Deus existe ou não. O que podemos é fazer uma aposta: apostar se existe ou se não existe. Como sociólogo, o que penso é que há muita gente que aposta na existência de Deus e que organiza sua vida ao redor disso.
Estamos num momento de fortes movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação, muita revolta. Alguns desses movimentos trazem no seu interior pessoas e grupos que seguem diferentes religiões. Ou que transformam a religião e a existência de Deus no motivo da ação ou num impulso para a ação. Portanto, eu tive curiosidade de analisar. Esse fenômeno é extremamente ambíguo.

Quando surgiu a curiosidade?
Eu já tinha notado desde o Fórum Social Mundial de 2001, onde vi que havia movimentos sociais e organizações de diferentes partes do mundo com vivências religiosas, como a Teologia da Libertação e outros. Tinham uma dinâmica de grupo onde o elemento religioso, espiritual, era forte. Havia movimentos indígenas, para quem o elemento da religiosidade é sempre forte. Essa dimensão do transcendente é que me fascinou, pois eu venho de uma cultura eurocêntrica, que há muito tempo tenho criticado, mas sou filho dela, por assim dizer. Essa cultura tinha resolvido o problema através do que chamamos de secularismo, que é expulsar a religião do espaço público.

A presença da religião na política está crescendo?
A religião nunca saiu verdadeiramente da política. Temos sociedades que são laicas, mas cujos estados não são. É o caso da Inglaterra, por exemplo. E temos sociedades onde a convivência é mais laica do que outras. Tanto assim que hoje a gente faz distinção entre o secularismo e a secularidade. Secularismo é uma atitude mais radical, de deixar que a religião fique exclusivamente no espaço privado, na família, na vida. Secularidade é aquela que permite que haja expressões [religiosas] no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos.
Mas é evidente, a gente sabe, a maneira com que a Europa resolveu a questão da separação da igreja e do Estado no século 17, depois de uma guerra enorme, nunca foi uma separação total. A igreja continuou a ter uma grande influência. Foi assim no esforço da colonização. Continuou com grande influência, ainda tem, nas agendas que o papa Francisco disse recentemente que são as agendas da cintura para baixo (risos), acerca das orientações sexuais, aborto, divórcio. Obviamente são questões de interesse público.
O que parece é que a crise do Estado secular trouxe uma maior presença da religião no espaço público. No mundo árabe, no mundo indiano e também no mundo ocidental. Começou a emergir nas televisões religiosas, cada vez mais e sobretudo com as correntes evangélicas e pentecostais. É uma presença pública muito mais forte, mas também um interesse em influenciar a vida pública, a vida dos Congressos, dos parlamentos. É o que acontece hoje no Brasil.

No Brasil isso parece mais evidente a partir da eleição de 2010, quando o assunto chegou a dominar o debate eleitoral. Como tem sido no resto do mundo?
Na Europa não é tão forte quanto aqui ou nos Estados Unidos. Mas encontramos no próprio mundo islâmico, por outro lado, diferentes formas de afirmação religiosa que não são todas fundamentalistas. Algumas são bastante moderadas. Mas que também se recusam a pensar que sua dimensão espiritual e religiosa não têm nada a ver com suas lutas.
Então o mundo hoje é mais diverso, e dessa diversidade, no meu entender, faz parte uma maneira muito diversa de ver a religião na vida pública. Isso está surgindo por todo lado, com formações bem distintas.
Algumas continuam na base da sociedade, como acontecia com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Mas temos nos últimos anos, no Brasil muito claramente, a influência [religiosa] na própria cúpula do Estado, na estrutura política do Estado. Isso é novo.
Era uma corrente que já vinha dos anos 80 dos Estados Unidos. Uma corrente muito conservadora. Um dos grandes líderes dessa corrente nos Estados Unidos fez uma previsão que praticamente se confirmou. Ele disse assim: “quando um dia não houver uma grande diferença entre democratas e republicanos, e se forem todos mais ou menos conservadores, podemos começar a jogar golfe tranquilamente, pois significa que cumprimos a nossa missão”.

E a esquerda com isso? Seu livro é uma espécie de ajuste?
O pensamento crítico da esquerda, de uma sociologia crítica, sempre foi muito renitente em analisar o fenômeno religioso. Pois qualquer análise que não seja simplesmente dizer que religião é o ópio do povo fica como suspeita.
Minha experiência no Fórum Social Mundial fez-me crer que, se eu mantivesse essa atitude pouco complexa, eu deixaria fora da minha análise muita gente que genuinamente luta contra a desigualdade, a injustiça, a discriminação, a opressão. Não é gente alienada. É gente que realmente luta por um mundo melhor e que, no entanto, tem uma referência religiosa. Eu não posso considerar que isso é alienante. Então escrevi esse livro também para fazer as contas comigo mesmo.

Qual é a sua conclusão?
Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.

O outro livro é sobre direitos humanos, que parece refluir na medida em que aumenta a influência religiosa. Alguns políticos têm como principal plataforma o ataque aos direitos humanos. Quais são as relações entre as duas coisas?
É obviamente uma estratégia religiosa. É uma dimensão de todas as correntes conservadoras, de direita, que existiram ao longo do tempo. Houve, de fato, uma igreja progressista, de esquerda, que achou que sua missão era a missão evangélica do sermão da montanha, de estar com os pobres. Os pobres não estão no parlamento, estão nos bairros, nas favelas. E é para aí que os missionários devem ir. Mas há toda uma outra corrente que nunca aceitou que igreja ficasse fora do governo. Alguns deles entendem que a Bíblia, literalmente, dita o direito para os Estados e que, portanto, os direitos humanos não pertencem a esse direito bíblico. É como no mundo islâmico, onde há conceitos muito hostis aos direitos humanos.
Então, de vários lados, estamos a assistir a um ataque aos direitos humanos. Esse é o tema do meu outro livro, escrito por um sociólogo que se considera um cidadão ativista dos direitos humanos.
Eu também faço uma crítica aos direitos humanos. Mas uma crítica progressista: os direitos humanos são pouco. Então eles são criticados por mim por serem poucos. E a direita critica por serem muito. Eu digo pouco porque acho que a grande maioria dos cidadãos do mundo não são sujeitos de direitos humanos, são objeto de discurso de direitos humanos. São violados constantemente.
Agora, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em que as narrativas socialistas caíram em desuso, pelo menos até agora, o que ficou de luta por uma sociedade melhor foram os direitos humanos. Se o socialismo estivesse na agenda política, eu tenho certeza que essa direita religiosa incidiria completamente contra o socialismo.

Nessa questão dos direitos humanos, em que posição o senhor situa o Brasil hoje?
É uma leitura muito complexa. Há áreas e domínios dos direitos humanos em que tivemos conquistas extraordinárias desde o governo Lula. Eu considero [positiva] toda política de ações afirmativas, do reconhecimento de que há racismo na sociedade brasileira e de que é preciso tomar medidas para que afrodescendentes e indígenas possam ter acesso à educação, numa tradição que vinha desde há muito tempo com Abadias do Nascimento, mas que nunca teve êxito. Também o fato de criar um Brasil mais inclusivo, mais diverso, mais colorido, com mais consciência de sua diversidade étnico cultural. Penso que tudo isso foi um grande avanço.
Onde eu vejo que há retrocesso é em toda a área dos direitos humanos que trouxeram também no seu bojo aquilo que, para um desenvolvimentista, pode ser considerado um obstáculo.
Os direitos humanos trouxeram consigo o reconhecimento dos direitos coletivos. E os direitos coletivos do povos indígenas estão protegidos, internacionalmente, por convenções, aliás, que o Brasil assinou, sobretudo o convênio 169 [da Organização Internacional do Trabalho], que obriga consulta prévia, livre, informada e de boa fé. E de boa fé! E que, hoje em dia, depois da declaração das Nações Unidas de 2007 sobre os direitos dos povos indígenas, firma-se na jurisprudência da Corte Internacional de Direitos Humanos que sempre que estejam em causa a própria sobrevivência de um povo, seja uma barragem, seja um projeto de mineração, a consulta deve ser vinculante. Bem, nesse caso, eu tenho que dizer que tem havido retrocesso.
Não é só na demarcação de terras. Tem ainda a questão de saber se a concessão de novas terras são atribuição do parlamento e não do Executivo, o que seria a mesma coisa que dizer que nunca mais haverá qualquer concessão.
Então eu acho que a presidente Dilma está a perder uma batalha, está realmente com uma grande insensibilidade ao movimento indígena camponês, que foi uma grande forma de transformação em toda América Latina.

O senhor considera o governo Dilma de direita?
Eu venho da Bolívia, estive no Equador, conheço os outros países [da região]. Alguns deles são muito mais à direita no governo, é o caso do México. E lá estamos assistindo a uma grande vitória de um povo indígena que lutou contra uma barragem, La Parota, e conseguiu efetivamente parar essa barragem.
Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. Não os considero de direita. Eles, de alguma maneira, fazem muito do que sempre fez a direita: têm o mesmo modelo de acumulação, o mesmo modelo capitalista, o mesmo neoliberalismo, aproveitaram a mesma onda de extrativismo, com a reprimarização da economia.
Mas o que esses governos fazem e que a direita nunca fez na América Latina foi redistribuir esses rendimentos de alguma maneira. Distribuem muito mais que os outros governos. Para muitos grupos sociais, isso não é suficiente. Até porque essa forma de redistribuição é relativamente precária, não é com direitos universais, é algo que pode parar de um momento para outro. Mas há problemas. Os ambientais são extraordinários.

Qual o senhor citaria?
É certo que o Congresso é outra coisa. Mas eu fico espantado como é que é possível, estando a frente do país alguém como Dilma Rousseff, como é possível abrir uma discussão sobre a semente Terminator no Congresso. É a semente que fica estéril, a suicida. Isso está suspenso. É ilegal para o mundo inteiro. É um escândalo, se aprovar. Ela foi suspensa no âmbito da convenção de biodiversidade exatamente porque coloca os camponeses nas mãos da Monsanto e das outras três ou quatro empresas que têm a patente. Isso é o fim da agricultura camponesa.
Em muitos países é a agricultura camponesa que alimenta as populações, pois a grande indústria produz soja e outros produtos de exportação. A diversidade da produção agrícola é feita por pequenas propriedades, a agricultura familiar, a camponesa. Portanto isso significa arrogância dessas empresas transnacionais que têm acesso ao parlamento para ditar sua lei. E se você olhar bem, há uma aliança entre os religiosos evangélicos e os ruralistas. Então aqui há uma convergência de forças, uns que vêm da tradição ruralista, outros que vêm de uma tradição religiosa de direita, que se armou contra o comunismo e contra a revolução na América Latina.
Então não considero a presidente Dilma um governo de direita por sua capacidade de distribuição, agora há uma grande insensibilidade, que não vem de agora.

Onde mais há problemas?
Basta ver quantas vezes foram recebidas a CUT e outras entidades antes desses protestos: zero. Portanto significa que a presidente Dilma tem uma grande insensibilidade social, que se tornou ainda mais evidente por conta da posição do Lula, ao estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais. Isso perdeu-se. Eu considero uma perda muito grave.

A ex-ministra Marina Silva tem um discurso mais próximo desses segmentos que o senhor mencionou, meio ambiente, indígenas. Ela serve para a esquerda?
Eu penso que não. Sou amigo da Marina Silva, estive em vários painéis com ela e comungo com ela muitas causas ambientalistas. Mas acho que não porque a influência religiosa no país iria nitidamente continuar a desequilibrar. A dimensão religiosa que está por trás dela é uma dimensão que, no meu entender, tem mais um potencial conservador do que um potencial da Teologia da Libertação. Portanto é um potencializador de uma interferência conservadora na sociedade.
Isso pode ter outras dimensões para os direitos das mulheres, dos homossexuais, para as diversidades sexuais.
Por outro lado, sua política econômica, por aquilo que tenho visto e pelos apoios que ela recorre, é realmente uma tentativa de, com uma cara nova, uma mulher, repor o sistema que estava antes. Seria desacelerar ainda mais as políticas de redistribuição social que foram aquelas que, no meu entender, mais caracterizaram o período Lula.
Não penso que a Marina Silva esteja muito sensível a isso tudo. Então eu penso que ela é uma cara nova para a direita. Não é uma cara para a esquerda, no meu entender.

Milhares de pessoas foram às ruas no Brasil para protestar por diversas causas. Tudo muito rápido e inédito. O senhor tem alguma reflexão sobre o que ocorreu no país?
Analiso os diversos movimentos que surgiram no mundo desde 2011: a primavera árabe, o ocuppy [Wall Street, nos EUA], o dos indignados no sul da Europa e na Grécia, o movimento “Yo soy 132”, que é contra a fraude eleitoral no México, o movimento estudantil do Chile em 2012 e também os protestos no Brasil.
Considero que 2011-2013 é um daqueles momentos no mundo como nós tivemos em 1968, 1917, 1848. São momentos de movimentos revolucionários.
O que os caracterizam fundamentalmente hoje? São sinais de que, em muitos países, estamos a entrar num processo de guerra civil de baixa intensidade: uma grande agitação social porque as instituições não funcionam propriamente. Na Europa, a rua é o único espaço público que não está colonizado pelo capital financeiro. Nos EUA, a mesma coisa. Há uma deterioração das instituições, uma ideia de que a democracia foi derrotada pelo capitalismo. No sul da Europa isso parece muito claro, e as ruas e as praças são os únicos espaços onde o cidadão pode se manifestar.

Quem é esse cidadão?
É um cidadão diferente dos [cidadãos dos] processos anteriores. Um erro do pensamento político foi pensar em cidadãos organizados que fazem essas revoltas. De fato, não é assim. Essas revoltas são feitas, normalmente, por jovens que nunca participaram de movimento social, de partidos, que nunca votaram, nunca estiveram em nenhuma ONG. E de repente estão na rua. Isso não foi só aqui. Foi no Egito, na Europa, nos EUA. São movimentos que surgem a partir de momentos em que as instituições parecem não dar respostas às aspirações populares. Obviamente são diferentes. Não se pode pôr a primavera árabe ao lado do Brasil ou do occupy. São coisas distintas.
O movimento do Brasil tem uma genealogia, uma história, semelhante ao movimento dos indignados de Portugal, da Espanha e da Grécia. São jovens democracias onde houve uma expectativa de uma social-democracia, uma democracia com fortes direitos sociais, de educação, saúde, transporte. Havia uma expectativa de uma sociedade mais inclusiva. Essa era a promessa. A democracia não é simplesmente mero voto e a representação política, mas se traduz em direitos sociais e econômicos. Portanto nesses casos [Brasil e indignados], os movimentos surgem da ruína dessas aspirações. Democracias suficientemente jovens para ainda acreditar que eles têm esses direitos.
Os occupy já nem têm sequer essa ilusão, pois a democracia americana é cada vez mais restringida e eu nem acho mais que é uma democracia a sério nos EUA; eu vivo lá metade do ano, como você sabe, e conheço o país.

Uma crise da democracia?
Aqui [no Brasil], a juventude se dá conta que aquela democracia que ela acreditou não funciona, está sendo derrotada pelo capitalismo. Os países dão mais atenção aos mercados internacionais, aos grandes grupos transnacionais, do que dão aos seus cidadãos. Na Europa isso é muito claro. O meu governo [Portugal] está mais atento à agência de classificação Standard & Poor’s, sobre o que ela dirá amanhã sobre a taxa de rating do crédito português, do que as demandas dos portugueses, as reivindicações. E quanto mais as pessoas vão para as ruas, mais abaixa a nota do crédito internacional. Ou seja: a democracia está sendo usada contra os cidadãos. A democracia é exercida hoje contra o bem estar. Tinha-se a ideia que caminhávamos para um estado de bem estar. De alguma maneira, hoje, o Estado é um Estado de mal estar. O que aconteceu no Brasil, no meu entender, é essa frustração.
Compartilha com os outros movimentos essa espontaneidade. E o fato de não ser ideologicamente unitária, é o mais diverso possível. E com demandas contraditórias. E com uma característica também comum em todos eles: prevalece o negativo sobre o positivo. Esses grupos, que eu nem chamo de movimentos sociais, chamo de presenças coletivas, sabem o que não querer, mas não sabem bem o que querem. Podem ter uma demanda, como foi o caso do Movimento Passe Livre, mas essa é uma demanda que rapidamente pode ser superada por grandes demandas de superação do Estado. Como aconteceu na Tunísia. O moço que se imolou na Tunísia queria apenas que legalizassem o seu comércio de rua, e de repente aquilo era uma luta contra a ditadura.
O que todos estão a dizer? Estão a dizer que o mundo está escandalosamente desigual. Essa não é uma questão da pobreza. É que nos países, internamente, a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande. Em meio aos maiores sacrifícios da sociedade portuguesa, com cerca de 50% dos jovens até 25 anos sem emprego, o número de ricos aumentou em Portugal nos últimos anos. E os ricos ficaram ainda mais ricos.

Essa descrição não coincide exatamente com o que ocorreu no Brasil. A distribuição de renda brasileira medida pelo índice Gini ainda é uma das piores do mundo, mas melhorou.
Sim, está reduzindo [a desigualdade de renda], nunca tinha acontecido antes, isso é preciso reconhecer. O que nós temos que ver, isso é minha leitura, é que as políticas que foram criadas para essa redução ocorrer –e por isso que eu digo que [Dilma] não é um governo de direita– são as que eu chamo de políticas de primeira geração. A segunda geração é que essa gente que agora come bem, agora que tem algum apoio, quer evoluir, quer ir para a universidade, quer outra qualidade dos serviços públicos. E aí estancou.

O senhor disse que esses grupos sabem dizer o que não querem, mas não sabem dizer bem o que querem. No Brasil, entre as coisas que eles diziam não querer estavam os partidos políticos. Teve até hostilidade, violência. O senhor vê isso com preocupação?
Sim, evidentemente. Mas ao mesmo tempo compreendo o que está ocorrendo. É aquilo que eu disse, que a democracia representativa liberal foi dominada e vencida pelo capitalismo, pela corrupção, pela presença do dinheiro nas eleições, nas campanhas eleitorais. Isso faz com que os representantes estejam cada vez mais distantes dos representados. É aquilo que a gente chama de patologia da representação: os representados não se sentem representados por seus representantes.
É um processo conhecido, pois há anos discute-se no Brasil a necessidade de se fazer uma reforma política, uma reforma do sistema eleitoral, do financiamento dos partidos. E todas essas reformas têm sido bloqueadas. Então essa negação não é propriamente a negação da democracia representativa. São duas ligações importantes: esta democracia participativa não serve, o dinheiro não pode ter o poder que tem hoje nas eleições; e a democracia representativa nas sociedades complexas não chega, ela precisa ser complementada pela democracia participativa.
Eu acho extraordinário que, no caso da primavera árabe –jovens de vários países que não tiveram democracia propriamente– a grande bandeira é a democracia real. Portanto quando dizem que há luta contra os partidos, não é que eles estejam dizendo que, em princípio, eles não têm nenhuma validade. É esta forma de democracia, a do poder do dinheiro, que está derrotada. E se ela não se alterar, temos altos riscos para a sociedade. É por isso que eu digo, escrevi dois artigos sobre isso, que há uma grande oportunidade: a oportunidade de uma reforma política. Esse é grande tema com o qual o PT chegou ao poder, não podemos esquecer.

Mas nos protestos ninguém levantou uma plaquinha sequer pedindo reforma política.
(risos) É por isso que eu digo: as pessoas não sabem o que querem, sabem o que não querem. Como é que se faz formulação política? Para sair daquilo que elas não querem, é preciso uma reforma política. Obviamente. E é por isso que temos partidos.

Eu acho que cabe à classe política encontrar as soluções. Os jovens não têm que saber [como fazer]. Nem dá para exigir que eles saibam. Como é que vai fazer um serviço unificado de saúde suficientemente robusto? Não têm que saber. Há técnicos e há políticos que vão fazer isso. A reforma política é a mesma coisa. E a presidente Dilma deu uma certa esperança quando falou nas cinco medidas que seriam tomadas e incluiu a reforma política, mas, infelizmente, os poderes conservadores do Congresso…

Foi nesse contexto que surgiram os grupos “black blocs”, com a tática de causar danos materiais para fazer suas denúncias. Eles aparecem em tudo, da greve de professores à ação para libertar cachorros de um laboratório de pesquisa médica. Qual é a opinião do senhor sobre esses grupos?
Esses grupos nasceram nos anos 70 na Alemanha, na luta contra a energia nuclear. Na década de 80, adquiriram uma ideologia autonomista. A ideia de que “temos que criar na sociedade espaços de autonomia que não dependem do capitalismo e que, portanto, podem oferecer outra maneira de viver”. Tiveram muita repercussão.
No momento em que começam os protestos contra a globalização, Seatle (EUA) é o marco, eles começaram a assumir duas características de sua tática: de um lado a ideia de violência contra propriedades símbolos do capitalismo, que pode ser um McDonald’s, um banco; de outro lado, a defesa dos manifestantes. Eles assumiram isso. Em muitas mobilizações, foram eles que, diante da violência policial, defenderam mais eficazmente os manifestantes pacíficos. Então a violência policial, no meu entender, é uma das grandes responsáveis pelo protagonismo “black bloc”. Eles enfrentavam. E a notícia muitas vezes passava a ser o enfrentamento entre os “black blocs” e da polícia.
Um terceiro fator que complica, principalmente a partir do ano 2000, isso está documentado, é que a polícia infiltra o “black bloc” para depois justificar sua violência. Isso está demonstrado em vários países. E este é o contexto em que nós estamos.

Mas como entender o “black bloc”?
Não são grupos de extrema-direita. Eu penso que, acima de tudo, temos que entender por que surgem esses movimentos. E encontrarmos, através do diálogo, formas de ver se estas são as melhores formas de luta. No meu entendimento, como já disse, estamos num momento político daquilo que chamo de guerra civil de baixa intensidade. Numa guerra assim, queremos que cada vez mais gente venha para a rua. No meu entender, para fazer pressão pacífica sobre os Estados.
Quando o capital financeiro será cada vez mais influentes, quando as Monsantos conseguem pôr no Congresso a [semente] Terminator, quando os evangélicos dominam a agenda política, quando os ruralistas dominam a agenda política, os governos, mesmo que tenham uma orientação de esquerda, precisam ser pressionados de baixo. A partir de baixo. E essa pressão tem de ser pacífica. E tem de ser inclusiva. E para ser inclusiva tem de trazer para a rua as pessoas que nunca foram para a rua, os chamados despolitizados, as avós, os netos.
Ora bem, se é esse o objetivo, o “black bloc” é uma força contraproducente. As pessoas querem ir para a manifestação, mas com medo que haja violência, com medo da brutalidade e violência policial, dizem ao final “não vamos”. Penso, portanto, que o “black bloc” deve analisar em que contexto nós estamos.

O ex-presidente Lula fez uma crítica direta ao uso das máscaras. Disse que participou de muita manifestação de rua, mas que nunca usou máscara porque não tinha vergonha do que fazia.
Eu acho que é uma posição legítima, mas não sei se é a única resposta que se pode dar. As pessoas têm suas formas de representação. Exemplo disso é o governo do Peña Nieto, o [partido] PRI, no México, que eu considero de direita. Nas últimas manifestações, o protesto de professores no México, teve a presença dos “black blocs” com as máscaras negras. E chegou ao ponto também em que o governo está para promulgar uma lei que proíbe as máscaras. Sabe qual foi a reação? Os homossexuais começaram a usar máscaras pink. Foram para os protestos com máscaras cor-de-rosa, máscara homossexual. Então a polícia vai prender? Eles não praticam nenhuma violência, usam máscara agora para afirmar a diversidade sexual.
Isso é para ver como a coisa é complicada. Criou-se uma solidariedade entre os homossexuais e o “black bloc”. Então, por vezes, as autoridades se excedem na forma. Eu penso que essa não é a forma. Penso que a forma é de dialogar, de trazer para uma mesa de conversa. Obviamente é uma discussão muito difícil, mas é uma discussão que é preciso ter.

Redação

13 Comentários

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  1. Mais um “petista desde 1973”,

    Mais um “petista desde 1973”, porem agora arrependido, dando entrevista pra falha de Sao Paulo?

    Ja qualifica pra comentarista deles…

    Oh clichee ambulante:  vai sumindo AGORA.

  2.  
    Tenho uma curiosidade, será

     

    Tenho uma curiosidade, será que a Marina acredita que há só um Deus?

    Conforme o Boaventura:

    Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.

  3. Cabeça de bacalhau…

    Guru da esquerda? De qual esquerda? É a esquerda mundial um bloco homogêneo e coeso, e que segue “gurus”?

    Santo zeus…mais um…titia também não teve paciência de ler tudo…

    Ao começar a dizer que Lula tem mais sensibilidade que Dilma pelos movimentos sociais, titia desistiu…O …ólogo português confunde os trejeitos simbólicos (como Lula colocar boné do MST, por exemplo), com a efetividade das políticas públicas que consagrem as lutas dos movimentos sociais…

    Se formos avaliar as coisas por aí, titia acha muito mais honesto…impressões nada mais são que impressões, mas temos que ver os dados…

    O trecho dos bat-coxinhas mascarados nem merece réplica…é mais da lenga-lenga dos pseudo intelectuais de esquerda flertando com as serpentes do fascismo…Depois vão reclamar das picadas…

    Como se vê, o bom senso do portuga deve ser igual a cabaçe de bacalhau…deve até existir, mas é difícil de ver….

  4. hoje é dia mesmooooo!!  

    hoje é dia mesmooooo!!   Acorda meu filho!!  Era só o que faltava…….um sociologo, dito de esquerda, legitimar, referendar,  os movimentos: Anonymous, Blac Blocs, White Windows, Change Brasil……..!!!  

  5. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o leilão de Libra.

    Lamentável, com leilão de Libra, o Brasil ficou mais pobre

    É lamentável a total falta de diálogo do governo brasileiro com as organizações populares e sindicais que fazem críticas ao processo de leilão e privatização do petróleo

     

    21/10/2013

     

    Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

     

    Com a realização do leilão do campo de Libra, onde a Petrobras terá 40%, e as empresas estrangeiras e privadas – Shell, Total, CNOOC e CNPC – terão 60% do petróleo do pré-sal e pagarão para o Brasil o preço mínimo exigido, o Brasil que era dono de 100% do petróleo agora só tem 40%.

    É lamentável, o Brasil ficou mais pobre.

    Além disso, é lamentável a total falta de diálogo do governo brasileiro com as organizações populares e sindicais que fazem críticas ao processo de leilão e privatização do petróleo. Se as vozes do povo brasileiro fossem escutadas, poderia ter sido diferente e melhor.

    É lamentável o uso do exército brasileiro e forte aparato policial para proteger a entrega de 60% do campo petrolífero de Libra. É lamentável que o Brasil abriu mão de sua soberania para entregar a maior parte do campo de Libra – reserva estratégica – nas mãos dos europeus e chineses.

    Cabe a todos os lutadores e lutadoras do povo brasileiro seguirmos firmes contra as privatizações, pela participação popular nas decisões estratégicas do país, pela soberania nacional e neste momento especial com total apoio a greve e reivindicações dos petroleiros que estão mobilizados em todo o Brasil.

     

    Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

     

    Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26404

  6. Bem, primeiro que, “esquerda”

    Bem, primeiro que, “esquerda” que precisa de guru, só se for essa “esquerda” do PT mesmo.

    Segundo que, a insensibilidade social de burguesinha Dilma Roussef  não é novidade alguma, Lamarca já falou disso há mais de quarenta anos.

     

  7. Carta Pública da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB

    “Jamais admitiremos esse ultraje protagonizado por um governo que traiu as nossas esperanças”.

     

    Apib denuncia modificações no procedimento de demarcação de terras indígenas

      

    Mobilização nacional em defesa da Constituição Federal dos direitos territoriais indígenas, quilombolas e de outras populações do campo e dos direitos da mãe natureza

    17/10/2013

    Carta Pública da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

    Ao Excelentíssimo,

    Senhor José Eduardo Martins Cardozo

    Ministro de Estado da Justiça

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, diante das repetidas informações atribuídas a vossa excelência nos últimos dois anos, sendo as últimas divulgadas pela imprensa no último dia 10 de outubro, segundo as quais o governo pretende modificar os procedimentos de demarcação das terras indígenas, vem de público manifestar a sua indignação e repúdio contra esses propósitos que constituem uma afronta aos direitos originários dos nossos povos, consagrados na Constituição Federal de 1988.

    É lamentável, senhor Martins Cardozo, que o governo do qual vossa excelência faz parte tenha optado por se submeter aos interesses do capital, do agronegócio, representado principalmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, rifando, contrariamente ao seu discurso demagógico, o Estado de Direito. É vergonhoso para um país, com uma das constituições mais avançadas na América Latina, ter um ministro que desconhece totalmente na questão indígena o sentido profundo do texto constitucional, que garante direitos aos nossos povos, mesmo o senhor sendo um jurista. Daí a sua atitude subserviente aos interesses dos ruralistas. Um governo que alega ter origem democrática e popular, não poderia se preocupar com supostos direitos adquiridos por invasores de terras tradicionais em detrimento do direito originário dos povos indígenas. Deveria, ao contrário, agir contra os atropelos cometidos sucessivamente por esses invasores contra os nossos povos e territórios, há mais de 500 anos. Não estamos mais no século 19, mas é para lá que desejam recuar a questão do direito a terra.

    A “radicalização exacerbada”, senhor ministro, marcadas no momento “por questões eleitorais”, como o senhor mesmo reconhece, certamente não é por parte dos nossos povos, pois a nós cabe defender apenas o que é nosso. A radicalização vem daqueles a qual o governo se submete: os ruralistas, súbditos, subservientes do agronegócio, do capital nacional e internacional. Guiados pelo capital especulativo, tais setores visam apenas lucro para uns poucos, à custa da soberania nacional do nosso país.

    Ministro José Eduardo Martins Cardozo, o seu propósito de editar novas regras para a demarcação das terras indígenas implica na sua ignorância a respeito das questões indígenas, bem como na sua submissão aos interesses dos ruralistas e comparsas, além de seu absurdo desrespeito à Constituição Federal e instrumentos internacionais que garantem os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam. O pior, as suas manifestações, em favor dos ruralistas, acontecem no momento em que uma mesa de diálogo, entre governo e os povos indígenas, está estabelecida, no âmbito da Comissão Nacional de Política Indígena (CNPI), e cujos trabalhos, focando exatamente a questão das terras, não foram concluídos. Que incoerência – mais uma vez – senhor ministro!

    As concessões da sua parte aos inimigos históricos dos povos indígenas demonstram a falta de compromisso do governo federal com a defesa da Constituição Cidadã e o seu total atrelamento aos poderes econômicos que lhe dão sustentação, inclusive por interesses eleitoreiros. Por favor, não sacrifique os direitos dos nossos povos pela simples vontade de se perpetuar no poder. Nisso consiste o radicalismo efetivo, posto que em troca de votos o senhor suspendeu demarcações para instalar mesas de diálogo. Direito não se negocia, ministro.

    Os povos indígenas estão cansados de serem utilizados como moedas de troca – prática rotineira de governos declaradamente conservadores. Jamais admitiremos esse ultraje protagonizado por um governo que traiu as nossas esperanças. Ou o governo Dilma se declara aliado nosso, demarcando todas as terras indígenas, cujo passivo ultrapassa os 6O%, e não 3% como o senhor divulga enganosamente; ou talvez reflexo do posicionado declarado do senhor para o lado de nossos inimigos.

    Diante de tudo isso, reiteramos a declaração do acampamento da Mobilização Nacional Indígena, realizada entre 30 de setembro e 05 de outubro deste ano, segundo a qual:

    “Declaramos que se os ruralistas conseguirem mudar a Constituição ou se o Poder Executivo modificar os procedimentos de demarcação das nossas terras e continuar com a paralisia na demarcação dos nossos territórios, para nós, essas medidas serão nulas, porque seguiremos resistindo e pautando as nossas vidas somente pelo que reza a Carta magna de 1988 e os tratados internacionais assinados pelo Brasil referentes aos nossos direitos”.

    Brasília, 15 de outubro de 2013.

    Foto: Reprodução

    Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26339

  8. A “imensa sensibilidade”

    A “imensa sensibilidade” demonstrada no leilão de Libra. Veja a diversidade de movimentos sociais “atendidos” no  episódio:

     

    Organizações entregam carta a Dilma pedindo suspensão do leilão do pré-sal

    20 de setembro de 2013

     

    Da Página do MST Na tarde desta sexta-feira (20) foi protocolada no Palácio do Planalto, uma carta a presidenta Dilma assinada por mais de 80 organizações nacionais. Na carta, elas pedem a suspensão do leilão das reservas do pré-sal, previsto para o próximo dia 21 de outubro. As organizações que subscrevem a carta tem consciência da intenção das empresas transnacionais de se apoderarem das reservas do pré-sal. “A entrega para essas empresas fere o princípio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo”, afirmam. Para elas, o leilão representará um erro estratégico e significará a privatização de parte importante do petróleo brasileiro. Com estimativa de 12 bilhões de barris de óleo de qualidade comprovada em uma das áreas mais estratégicas já descobertas pela Petrobrás, o campo de Libra está situado na Bacia de Santos. Ainda na carta, as organizações denunciam a espionagem dos Estados Unidos, com o claro interesse de posicionar as empresas estadunidenses em melhores condições para abocanhar as reservas do pré-sal. A decisão pelo envio da carta à presidenta Dilma foi tomada durante a Plenária Nacional sobre o Petróleo, realizada na semana passada (13/9), em São Paulo. Além da carta, o conjunto das organizações definiu uma agenda de mobilizações para barrar a entrega do campo de Libra às transnacionais e solicita uma audiência para serem ouvidos pela Presidenta da República. Leia a carta abaixo.  Brasil, 20 de setembro de 2013 Excelentíssima Senhora Dilma Vana Rousseff Presidenta da República Federativa do Brasil Palácio do Planalto- Brasília, DF.  Senhora Presidenta, 1. Nós, entidades representativas, centrais sindicais, associações, movimentos sociais, militantes partidários e cidadãos, imbuído da vontade de defender os interesses da soberania da nação brasileira e de nosso povo, sobre os nossos recursos naturais, em especial o petróleo, nos dirigimos a V. Exa., para pedir que SUSPENDA o leilão das reservas do PRÉ-SAL, previsto para o próximo dia 21 de outubro de 2013. 2. Louvamos a iniciativa do então Presidente Lula, que no momento da confirmação da existência das reservas do Pré-sal, retirou 41 blocos do nono leilão, que iria ocorrer naquela ocasião. Ao fazê-lo, sabemos, o presidente contrariou fortes interesses, pois as empresas petrolíferas transnacionais, já prevendo a existência de grandes reservas na região, tinham a intenção de fechar contratos de 30 anos de duração. Seriam atos jurídicos perfeitos, em condições benéficas para elas e prejudiciais para a sociedade brasileira. A decisão do presidente Lula preservou os interesses nacionais, naquele momento. 3. Posteriormente, foi elaborado um novo marco regulatório para o setor do petróleo, no qual Vossa Excelência jogou importante papel ainda como Ministra. Consideramos que o novo modelo é muito melhor sob a ótica do benefício social que o modelo das concessões adotado e praticado no governo FHC. 4. Estamos convencidos, por outro lado, que o caso do campo de Libra é particular e que o mesmo não pode ser leiloado mesmo através desse modelo de partilha adotado para as áreas do Pré-Sal. A área de exploração de Libra não é um bloco, no qual a empresa petrolífera irá procurar petróleo. Libra é um reservatório totalmente conhecido, delimitado e estimado em seu potencial de reservas em barris, faltando apenas cubar o petróleo existente com maior precisão. Como já foi dado a público, o campo de Libra possui no mínimo, dez bilhões de barris, uma das maiores descobertas mundiais dos últimos 20 anos. 5. O desafio colocado diante de um volume tão grande de petróleo conhecido é o de como maximizar esse benefício para toda  sociedade brasileira. Os legisladores que, junto com membros do Executivo federal, produziram a lei 12.351 de 2010, deram uma brilhante demonstração de lucidez ao redigirem o artigo 12 desta lei. Através deste artigo, a União pode entregar um campo, sem passar por licitação, diretamente para a Petrobras, a qual assinaria um contrato de partilha com a União, com o percentual do “óleo-lucro” a ser remetido para o Fundo Social obtido por definição do governo. 6. Pleiteamos que, no caso das reservas de Libra, o percentual seja bem alto, para beneficiar ao máximo a sociedade. Mas, lembramos isso só pode ser feito se a Petrobras for a empresa contratada pela União. 7. Não basta definir parâmetros no edital e no contrato para maximizar as remessas das empresas “ganhadoras” para o Tesouro e o Fundo Social. Não houve qualquer explicação da ANP, nem de argumentação nem no Edital, que justifique esse leilão do ponto de vista dos interesses do povo. Ao contrário, a Resolução n. 5 do CNPE que decide sobre o leilão de Libra é um libelo de prepotência e autoritarismo.  Qual a razão para que nem o MME, o CNPE, a ANP ou a EPE, nenhum destes órgãos ter dado acesso ao público de documentos explicando a perspectiva de descobertas, quanto será destinado para o abastecimento brasileiro e quanto deverá ser exportado? 8. Essas dúvidas não foram esclarecidas em audiências públicas que competia à ANP proporcionar para que a sociedade se manifestasse. Assim, mesmo entre técnicos e especialistas, ninguém pode ter noção de qual a base de calculo para chegar-se a um preço mínimo previsto de arrecadação de R$ 15 bilhões e qual o percentual de óleo lucro a ser remetido para o Fundo Social. A ANP evitou receber opiniões mesmo dos setores sociais como sindicatos, associações e universidades, vinculados ao tema da energia e do petróleo. De nossa parte propomos que o Ministério das Minas e Energia organize uma consulta aos técnicos e entidades brasileiras que permita a confrontação de informações no tocante à legislação e ao destino do petróleo do Pré-sal. 9. Todos nós temos consciência da intenção das empresas transnacionais de apoderarem-se das reservas do Pré-sal. A entrega para essas empresas fere o principio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo.  10. Os recentes episódios de espionagem patrocinada pelo governo dos Estados Unidos da América no Brasil, que receberam uma posição altaneira e de exigência de explicações por parte de vosso governo, Presidente Dilma, se deram não apenas sobre a vossa pessoa e governo, mas inclusive, como é público e notório, sobre a Petrobras, com o claro interesse de posicionar as empresas estadunidenses em melhores condições para abocanhar as reservas do Pré -sal,  numa clara afronta já soberania da nação e num total desrespeito às prerrogativas exclusivas do Estado e governo brasileiros neste terreno. 11. Presidente Dilma, a senhora mesmo afirmou sua disposição de “ouvir as vozes das ruas”. O povo brasileiro, que há 60 anos protagonizou a campanha “o petróleo é nosso”, que resultou na construção da Petrobras, não pediu e não aceita a entrega de nosso petróleo para as transnacionais que querem pilhar esse recurso vital para o desenvolvimento socioeconômico em benefício da grande maioria do nosso povo. Afirmamos, de nossa parte, que não descansaremos na luta em defesa do petróleo brasileiro e do Pré-sal nas mãos e em benefício de nosso povo. Se qualquer dúvida houver sobre a opinião popular, a senhora, com presidente da República Federativa do Brasil, tem o poder de convocar um plebiscito para que o povo decida quem deve explorar as riquezas do Pré-sal e qual deve ser o seu destino. São essas as razões que nos levaram a redigir esta carta à Vossa Exa. reivindicando fortemente que a senhora SUSPENDA A REALIZAÇÃO DO LEILÃO DO PETRÓLEO DO CAMPO DE LIBRA, previsto para o próximo dia 21 de outubro. Presidenta ouça as mensagens das organizações.  Nossa proposta é que a exploração do campo de Libra seja entregue unicamente à PETROBRAS, como permite o artigo 12 da lei 12.351. Estamos prontos para contribuir com nossas reflexões, experiências, criatividade e capacidade. Queremos ser ouvidos, para evitar que o poder econômico seja ouvido em primeiro lugar. Ficaríamos honrados de ser recebido em audiência pela Vossa pessoa, presidenta Dilma Rousseff, para discutirmos diretamente as razões que nos levam a esse posicionamento, certos de que é uma solução conforme com os interesses da soberania nacional e do povo brasileiro.  Atenciosamente, 1)       Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) 2)       Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE) 3)       Assembleia Popular 4)       Assembleia Popular – Osasco 5)       Assembleia Popular – Paraíba 6)       Associação Brasileira de ONG’s (ABONG) 7)       Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF) 8)       Associação Comunitária de Construção das Mulheres de Itaquera IV 9)       Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) 10)   Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG) 11)   Central de Movimentos Populares (CMP) 12)   Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) 13)   Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) 14)   Central Única dos Trabalhadores (CUT) 15)   Clube de Engenharia do Brasil 16)   Coletivo Nacional de Juventude Negra – ENEGRECER 17)   Coletivo Quilombo 18)   Comissão Pastoral da Terra (CPT) 19)   Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) 20)   Confederação Nacional das Associações de Moradores  (CONAM) 21)   Conselho Indigenista Missionário (CIMI ) 22)   Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB) 23)   Consulta Popular 24)   Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS– PR) 25)   Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) 26)   Coordenação Nacional de Articulação das Entidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) 27)   Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) 28)   Entidade Nacional de Estudantes de Biologia (ENEBIO) 29)   Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) 30)   Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo (FTIUESP) 31)   Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE) 32)   Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) 33)   Federação Única dos Petroleiros (FUP) 34)   Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) 35)   Frente de Lutas de Juiz de Fora 36)   Grito dos Excluídos 37)   Jubileu Sul 38)   Juventude Revolução 39)   Levante Popular da Juventude 40)   Marcha Mundial das Mulheres 41)   Movimento Camponês Popular (MCP) 42)   Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) 43)   Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) 44)   Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) 45)   Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) 46)   Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) 47)   Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) 48)   Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC) 49)   Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) 50)   Movimento Nacional pela Soberania Popular frente a Mineração(MAM) 51)   Movimento Reforma Já 52)   Pastoral da Juventude Rural (PJR) 53)   Pastoral Da Moradia 54)   Pastoral Do Migrante 55)   Pastoral Fé e Política de Jundiaí 56)   Pastoral Fé e Política de Salto – SP 57)   Pastoral Fé e Política de Várzea Paulista – SP 58)   Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política 59)   Plataforma Operária e Camponesa para Energia 60)   Rede Ecumênica da Juventude (REJU) 61)   Rede Fale 62)   Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP -CE) 63)   Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP – SP) 64)   Sindicato dos Energéticos do Estado de São Paulo (SINERGIA –SP) 65)   Sindicato dos Engenheiros (SENGE – PR) 66)   Sindicato dos Petroleiros da Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba. 67)   Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias (Sindipetro Caxias) 68)   Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro MG) 69)   Sindicato dos Petroleiros do Ceará e Piauí 70)   Sindicato dos Petroleiros do Espirito Santo (Sindipetro ES) 71)   Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (SINDIPETRO RJ) 72)   Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro NF) 73)   Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande (Sindipetro/RG) 74)   Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte (SINDIPETRO RN) 75)   Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (SINDIPETRO RS) 76)   Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte  (SINDIBEL – MG) 77)   Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (SISMUC – PR) 78)   Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente ( SINTAEMA – SP) 79)   Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná. 80)   Sindicato Unificado dos Petroleiros da Bahia (SINDIPETRO BA) 81)   Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (SINDIPETRO – SP) 82)   Sindicato Unificado dos Petroleiros do Paraná  e Santa Catarina (SINDIPETRO PRSC) 83)   Sindicatos dos Eletricitários de Minas Gerais (SINDIELETRO/MG) 84)   Sindicatos dos Eletricitários de Santa Catarina (SINERGIA/SC) 85)   Sindicatos dos Eletricitários do Distrito Federal (STIU/DF) 86)   União de Negros pela Igualdade (UNEGRO) 87)   União Nacional dos Estudantes (UNE) 88)   Via Campesina – Brasil Fonte: http://www.mst.org.br/node/15236

     

  9. Sociólogos príncipes e plebeus e Madres Therezas

    Se ele dissesse que ela tem menos sensibilidade social que (a grande) Madre Thereza, eu poderia concordar. Daí a “grande insensibilidade social”, é dose.

    Ainda bem que as pessoas podem ter níveis diferentes de sensibilidade a diferentes coisas.

    E podem ser sensíveis a mais do que uma delas…

     

    PS: comento só o título, desanimei de ler o texto. Sou um pecador insensível.

     

  10. Entrevista enviesada

    É preciso, antes de mais nada, ver que o que vem antes da transcrição do que Boaventura disse é um certo filtro, ou melhor um pacote. É uma escolha política a informação que foi ao título, com destaque, e o resumo da entrevista à guisa de introdução. A ênfase na “sensibilidade” ou sua falta da parte da presidente foi o jornal quem deu, e não o entrevistado.

    Segundo, que é preciso ver que o entrevistado responde quando provocado. Quando o questionário sai dos temas mais abstratos de seu livro e vai para o caso mais concreto no Brasil, o enviesamento e direcionamento da entrevista é flagrante. Mas foi bem respondido.

    Destaco duas questões. A primeira é bastante clara, do tipo sim ou não, típico das tentativas de induzir o entrevistado:
     

    O senhor considera o governo Dilma de direita? A resposta porém foi inequívoca: Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. 

    Depois da fracassada tentativa de colar o rótulo de direitista no governo dilma, a segunda questão tenta pelo menos colocar Marina Silva no campo progressista (neste país, ninguém tem coragem de se assumir como de direita):
     

    A ex-ministra Marina Silva tem um discurso mais próximo desses segmentos [movimentos sociais] que o senhor mencionou, meio ambiente, indígenas. Ela serve para a esquerda?
     Eu penso que não. Sou amigo da Marina Silva, estive em vários painéis com ela e comungo com ela muitas causas ambientalistas. Mas acho que não porque a influência religiosa no país iria nitidamente continuar a desequilibrar. A dimensão religiosa que está por trás dela é uma dimensão que, no meu entender, tem mais um potencial conservador do que um potencial da Teologia da Libertação. Portanto é um potencializador de uma interferência conservadora na sociedade.

    ****

    O tratamento da entrevista (ênfase na manchete, mais próximo do que o jornalista colocou na abertura) podería ser, justamente, a visão de que Marina é uma condidata conservadora, tanto do ponto de vista religioso, quanto de costumes e de política econômica. Esse ponto de vista, embora bastante conhecido nos blogs de esquerda e governistas, não encontra muito respaldo nos grandes veículos de midia.

    A “insensibilidade social” de Dilma foi algo que ficou meio jogado na entrevista, sem um embasamento mais consistente. Não que ele não tenha razão. Mas não foi a opinião ou argumento mais forte da entrevista.

    A frase mais forte, na minha modesta opinião foi esta: ” Então eu penso que ela [Marina] é uma cara nova para a direita”. Mas claramente vai de encontro da orientação do entevistador e do jornal (que, espero, assuma partido neste ano).

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