Nem os conservadores suportam os neocons

Re: “Fernando Montenegro e Niemeyer e o macartismo tupiniquim

Eu não diria últimos anos, talvez até com maior visibilidade nestes últimos, mas eu diria últimas três décadas, desde quando o consenso libertário dos anos 1970 foi substituído pelo neoliberalismo e yuppies. Foi necessário dar-se um “estofo” cultural impossível, já que não se pode conservar sociedades. E aí foi surgindo o “neocon” (neoconservadorismo) cuja característica principal é o uso de sofismas e malícias, não de conhecimento. Divulga-se um “desejo”, não uma “realidade”.

Isso cobre a maioria das sociedades desenvolvidas economicamente ou os segmentos mais afluentes das sociedades em desenvolvimento (os apelos teocráticos em países como Rússia ou Irã podem mais bem ser exceção que regra.)

Muitos intelectuais e artistas adotaram esse estilo, por uma razão ou outra. Que calhou com vontades da mídia. Mas é falso dizer que as sociedades (seus jovens e tudo o mais) ficaram mais conservadoras. O que aconteceu é que a mídia “puxava” as sociedades para a evolução, e mais recentemente passou a “puxar” para o retrocesso. Mas longe de crer que esse processo tenha credibilidade, ao contrário, retirou-a da mídia, que segue como referencial para entretenimento, não para opinião.

Quando alguém como Jabor, Gullar, M A Villa, Pondé, J P Coutinho, Mainardi, etc se sai com alguma pérola neocon, vira objeto não de admiração e reprodução de pensamento, mas de gozação por parte de uns e constrangimento por parte dos mais conservadores. (Um exemplo recente foi o artigo bisonho de J R Guzzo sobre gays, cabras e espinafres, que recebeu cerca de 30 matérias de “desconstrução” em blogs e nenhum elogio ou defesa, até onde seja de meu conhecimento.) Nota-se que o que foi dito não combina com a pessoa (ou o passado desta), não combina com a sociedade corrente e real.

O mesmo vale para políticos (como J Serra), que constrange seus apoiadores (que continuam/riam votando nele, mas torcendo para que não falasse bobagens.)

Isto é, mesmo quem tem amigos um pouco mais conservadores em questões econômicas, percebe que estes se abstêm, talvez quase completamente, de citar esses autores e textos. Seria “pagar mico”. Pode até haver torcida para que outros acreditem, mas no fundo se sabe que não é assim.

Não somente o ridículo se torna visível, o desespero também. Daí surgiu a frase “vergonha alheia” (ou “shame on you”.) Internet e o empréstimo de espaços na mídia serve para expressar pensamentos ridículos pelo distanciamento virtual ou mesmo falta de interação (no caso da mídia), mas quem reproduz essa linha ao vivo e em reuniões presenciais?

Que vitória esse neoconservadorismo obteve? Programas sociais são adotados por toda a América Latina, muitos países estudam descriminalização de drogas, leis de casamento igualitário pululam por todos os lados (exceto África, Oriente Médio e Europa Oriental, por razões políticas diversas, desde ser anti-americano até aliar-se à extrema direita norte-americana.) Algum LGBT, hoje em dia, ficando no Brasil, pensaria em casamento arranjado, como era comum até os anos 1970?

Mesmo o sucesso midiático e acadêmico do neoliberalismo econômico é questionado agora, com crescente preferência das populações (e elites pensantes) pelo retorno a ações de Estado.

E quem mesmo defende o humor “neocon” e preconceituoso? Está com os dias contados. E a multiculturalidade? É irrefreável quando na maior potência não-brancos são quase 40% dos votos. Sem falar do declínio relativo, entre brancos, do poder econômico e profissional dos homens vis-a-vis o de mulheres (Quem captou com maestria esse momento todo é a autora/atriz/diretora Tina Fey.)

Anote-se : o ápice neocon já foi. Quando um Papa, que renega o criacionismo, diz que papéis diferentes de gênero são algo natural e não culturalmente construído é uma apelação. E apelação é último recurso numa batalha de comunicação. Nas próximas décadas veremos o retorno a maior franqueza de pensamento, maior racionalidade, maior expressão dos sentimentos de mudança. Academia e Artes se manifestarão cada vez mais. Como nos anos 1920, como nos 1970. É um tanto cíclico.

(Mas o que seria o tema do post… Quais meus impatrulháveis? Concordando mas sem repetir os nomes já citados. Não que devessem ser intocáveis, com certeza que não. Mas o exagero em criticar ou perseguir revela a dedicação que as pessoas dão a um exercício mesquinho.

Vou dar um foco maior à indústria do entretenimento.

Roberto Carlos faz falta nessa lista. O que eu vi recentemente no facebook, um “cartaz” associando a música “Esse Cara sou Eu” à apologia do militarismo, foi de bizarrice atroz. Caetano Veloso é criticado muito além da conta também.

Fernanda Young. Preta Gil.

Eu vejo um exagero em relação a apresentadores de Televisão. Huck, Bial e Fátima Bernardes, p.ex. O Bial até derrapa de vez em quando, mas os programas dos outros dois não ofendem ninguém. O mesmo para atores, diretores, autores da Globo em geral, como de outras emissoras. Só estão fazendo seu trabalho de teledramaturgia no espaço que existe. Quando alguns tomam posição – que é direito deles – contra Belo Monte ou a favor do veto do Código Florestal, só estão expressando um sentimento que existe. E que, concordemos ou não, é substantivo.

Música sertaneja urbana em geral. O excesso de críticas só pode ser inveja por esse segmento ser metade das vendas e ingressos em shows no Brasil.

Popstars estrangeiros. Especialmente norte-americanos ou de Hollywood. Ou latinoamericanos da linha romântica. A maioria das pessoas gosta de consumir fluidez e diversão, um mundo só de “raízes culturais” ou “alta-cultura” é de um elitismo utópico.

E mesmo os “reality shows” em geral. Podem ser tolos mas no fundo não fazem mal a ninguém. Eu vejo pouquíssimo esses programas, mas não estão tentando contrabandear valores conservadores ou reacionários. É só banalidade mesmo. Quem fica repetindo dezenas de vezes no facebook “eu não assisto ao BBB” não está fazendo um exercício cultural ou aproveitando o tempo pra ver filmes ou peças teatrais.

Por outro lado, há sim o que “patrulhar” e que faço com muito gosto: todo e qualquer discurso que busque desqualificar grupos, majoritários ou minoritários. Só vou parar de falar mal de programas como Zorra Total, Casseta & Planeta, CQC ou humoristas como Danilo Gentili ou Rafinha Bastos quando abrirem mão de se sentirem “incriticáveis”. Ou fizerem um humor com um mínimo de criatividade.)

Luis Nassif

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