Rondônia: erro de projeto limita o uso da energia do madeira

Via Telma Monteiro:
“O projeto das usinas do Madeira é amaldiçoado desde que começou. Foram tantos os erros e tantos os problemas técnicos durante todo o processo, desde 2001, que dá até para imaginar uma “Maldição do rio Madeira”, rio maravilhoso que tenta se desvencilhar da tortura de ser barrado. Os custos de construir essas usinas já dobraram. Quem vai pagar a conta? “

http://www.rondoniadinamica.com/arquivo/rondonia-erro-de-projeto-limita-o-uso-da-energia-do-madeira,55433.shtml


Publicada em 12/08/2013 – 09:15   /  Autor:  Valor Econômico

Rondônia: erro de projeto limita o uso da energia do madeira

Os sistemas de proteção e controle dos equipamentos – na geração e na transmissão – não conversam adequadamente entre si.

 

 
A hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, já tem 14 turbinas em operação. Jirau, usina cujas obras começaram um pouco mais tarde e sofreram com atrasos, deverá ligar sua primeira máquina no dia 21. Um dos dois circuitos que formam o sistema de transmissão, conectando Porto Velho (RO) a Araraquara (SP), tem previsão de iniciar sua operação comercial em outubro.

Esses projetos de porte gigantesco, que foram licitados entre 2007 e 2008, estão recebendo investimentos totais de R$ 36 bilhões e representam um esforço sem precedentes para transformar o potencial hidrelétrico da Amazonia em energia. Para tirá-los do papel, as concessionárias responsáveis precisaram driblar a oposição de ambientalistas e enfrentar uma revolta de trabalhadores, em Jirau. Só não imaginavam ser surpreendidas com um erro grave deplanejamento: os sistemas de proteção e controle dos equipamentos – na geração e na transmissão – não conversam adequadamente entre si.

O erro provoca um risco de prejuízo incalculável: em situações de estresse do sistema, as turbinas de Santo Antônio e de Jirau podem entrar em um processo conhecido tecnicamente como “autoexcitação” das máquinas, caso não sejam respeitados limites para o escoamento da energia produzida. Em português claro: as máquinas das duas megausinas do rio Madeira correm simplesmente o risco de queimar.

Para evitar que isso ocorra, o primeiro dos dois circuitos da rede de transmissão deverá seguir rigidamente uma restrição. Mesmo tendo capacidade para escoar 3.150 megawatts (MW) de energia das duas usinas para o sistema interligado nacional, terá que limitar a transferência de eletricidade para o sistema interligado nacional a 700 MW. Outros 400 MW das hidrelétricas poderão ser escoados, por meio de um mecanismo alternativo, para o subsistema Acre-Rondônia. Ao todo, são 1.100 MW. Ou seja, até a solução do problema, a geração de energia em Santo Antônio e de Jirau deverá ficar comprometida.

Ninguém tem certeza do volume de energia que as hidrelétricas estarão produzindo em dezembro, quando está prevista uma solução para o problema, porque o cronograma de obras planejado pelas empresas acabou atrasando. Mas esse volume certamente estará acima do limite da rede de transmissão. Em nota enviada ao Valor, o Ministério de Minas e Energia prevê a operação de 26 turbinas em Santo Antônio, totalizando 1.905 MW de potência instalada. Jirau, pelas projeções do ministério, terá 15 máquinas operando e 1.125 MW de potência no fim do ano. Juntas, terão 3.030 MW, em dezembro.

Mesmo considerando que não será o período de pico das chuvas, com as turbinas sem trabalhar a pleno vapor, tudo indica que uma parte da capacidade de geração das usinas vai ficar sem uso porque a energia não poderá ser escoada para o restante do país.

Para entender a origem do problema, é preciso recorrer a um almanaque de vocábulos da engenharia, que dão nome a operações importantíssimas dentro do funcionamento de um complexo como o do Madeira. 
O complexo de transmissão do Madeira foi licitado em novembro de 2008, depois das duas usinas. Ele é composto por duas estruturas semelhantes e paralelas, que percorrem um trajeto de 2.375 quilômetros, conhecidas como circuito (ou bipolo) 1 e circuito 2. Cada estrutura, além da linha de transmissão, tem uma estação conversora de energia em ambas as pontas – uma em Porto Velho e outra em Araraquara.

As linhas de transmissão podem usar duas tecnologias diferentes: corrente contínua e corrente alternada. No caso do complexo do Madeira, o leilão não especificava nenhum dos dois e coube ao vencedor escolher. Foi escolhida a corrente contínua, mais barata e apta para grandes distâncias, que não era usada em uma conexão importante no Brasil desde a hidrelétrica de Itaipu. 
Na elaboração do projeto, em 2010, detectou-se que havia a necessidade de instalar um equipamento chamado “master control” nas estações conversoras. Só que o “controle mestre”, fornecido pela multinacional sueca ABB, não dialoga corretamente com os sistemas de proteção das duas usinas – fornecidos pela alemã Siemens. A coordenação do sistema de transmissão com as unidades geradoras envolve respostas de milésimos de segundo. Com os equipamentos atuais, há falta de coordenação entre as duas pontas, na velocidade necessária.

É isso o que provoca o risco de “autoexcitação” das turbinas. Esse problema será corrigido apenas em dezembro, na melhor das hipóteses, com a instalação de outro equipamento caro e moderno, que foi encomendado pelas concessionárias de Santo Antônio e Jirau à sueca ABB, no fim de 2012. Trata-se do GSC (sigla em inglês para controle das estações geradoras). Ele custa aproximadamente R$ 14 milhões e estão sendo compradas duas unidades – uma para cada usina.

Agora, há uma corrida contra o relógio, que preocupa as autoridades do setor. Em ofício encaminhado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ao Ministério de Minas e Energia, datado de 1º de julho e ao qual o Valor teve acesso, faz-se um apelo para que a Receita Federal dê tratamento prioritário ao desembaraço aduaneiro do equipamento sueco. Ele deverá chegar, até novembro, no aeroporto internacional de Viracopos (SP). O ONS alerta que normalmente a liberação alfandegária é feita em seis dias, mas relata casos em que houve demora de até um mês para o desembaraço, manifestando o temor de mais atraso ainda na solução do problema.

O erro no planejamento foi verificado no fim de 2010, mas só em junho deste ano apareceu em um documento público: a ata do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que se reúne mensalmente, em Brasília. Na reunião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) registra “preocupação” com carta recebida do ONS na qual o problema é relatado. Até então, a falha vinha sendo tratada por meio de ofícios, sem divulgação pública, provocando constrangimento entre as empresas envolvidas e órgãos do governo em torno da dimensão do problema.

O erro é atribuído ao ministério, que nunca fez nenhuma exigência sobre os sistemas de proteção e controle, nos editais de licitação dos empreendimentos.

Questionado, o ministério enviou à reportagem uma explicação detalhada sobre a falha, sem apontar responsabilidades. A Aneel, que exerce as funções de fiscalização, recusou todos os pedidos de entrevista. Só o ONS aceitou se pronunciar.

 

“Identificou-se tardiamente a necessidade de instalação do GSC na geração”, reconheceu o diretor-geral do órgão, Hermes Chipp. Segundo ele, há um grupo dedicado a monitorar cronogramas e conciliar os processos necessários para resolver a questão. Ele aposta em uma solução até dezembro e lembra que, devido ao atraso também na entrada em funcionamento das usinas e da própria linha de transmissão, o prejuízo não será tão grande. “Um atraso acabou ajudando o outro.”

 
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador