Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Ao vencedor as batatas, por Rui Daher

Batatas

Ao vencedor as batatas

por Rui Daher

em CartaCapital

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881, Machado de Assis apresenta o filósofo Quincas Borba. Dez anos mais tarde, escreve novo livro com o mesmo personagem. Dele sai a expressão “ao vencedor, as batatas!”

São muitos os admiradores e intérpretes da obra machadiana. O grande Raymundo Faoro (1925-2003) dizia estarem ali concebidas “as estruturas sociais como se movidas por sentimentos e paixões individuais”.

Roberto Schwarz (1938-), nascido em Viena, professor aposentado da USP e crítico literário, em 1977, publicou pela Editora Duas Cidades, Ao vencedor as batatas. As mais recentes edições saíram em conjunto com a Editora 34. Em análise mais profunda, o autor discute as formas literárias e os processos sociais no Brasil.

Todas as obras literárias aqui citadas merecem ser lidas ou relidas, mesmo que a sua finitude esteja perto. Entenderão de forma fácil o Brasil desajeitado de antes e o canalha de hoje. Não se baseiem nas redes sociais para isso. Grandes livros foram escritos, novos são editados a cada dia, leiam e considerem-se aptos às reflexões.

Mas quem sou eu para estar aqui a discutir gênios do pensamento nacional, um mero colunista de agronegócios? Meus personagens são caboclos, campesinos, lavradores, sertanejos, tiradores de leite, pastores de pequenos rebanhos e, claro, ruralistas com banca, bancada, e “Lobão e seus Caiados”.

Assim, levo a coluna ao que vocês mais desejam: batatas como tubérculos da espécie Solanum tuberosum. Contentes agora? É o que devem esperar de mim.

As batatas são ricas em amido, um carboidrato. Começaram a ser plantadas pelas civilizações andinas há cerca de oito mil anos. Quem já visitou a região sabe do amor que sentem por elas, logo apropriadas pelos norte-americanos que as transformaram em chips e truques mercadológicos mais.

Também, os espanhóis, depois de carnificinas indígenas nos Andes, as levaram para a Europa. São muito apreciadas e, humildemente, servem de coadjuvantes à melhor culinária. Nas Guerras Mundiais, fizeram o papel principal.

Boto reparo. O Brasil, das classes pobres às elites, as adotou. Dos botequins aonde se joga dominó aos prostíbulos do escravocrata Oscar Maroni, aqui e em minhas andanças pelo Brasil, encontro-as meladas com ketchup, mostarda, maionese e fusões de queijos. Miscigenados que somos, temos direito à diversidade de gostos.

As batatas ficaram estigmatizadas pela necessidade de agroquímicos para vicejarem. Bobagem. Propaganda das multinacionais para vender venenos. No Brasil, o tratamento pode ser menos agressivo e com a mesma produtividade. Técnicos agrícolas e agrônomos de boa orientação sabem disso, mas têm poucas oportunidades para se expressarem.

Hoje em dia é o vegetal mais popular do mundo e o mais consumido. Chamo o amigo Márcio Alemão, perene nesta CartaCapital, para comprovar. Fritem-nas, as cozinhem, amassem ou esmurrem e vejam.

No Brasil, poderemos plantar, com maior ou menor dificuldades, batatas aonde quisermos chegar com nossos arados. Tubercularização, como fizemos com macaxeiras.

No momento, as notícias que chegam lá do interior são dos milhares de toneladas de batatas sendo jogadas fora por falta de consumo e, consequentemente, de preços que equilibrem os custos dos bataticultores. Ou vocês acham que as multinacionais que vendem os agroquímicos para os produtores estão sensibilizadas ou renegociando dívidas?

Em dois anos (fevereiro de 2016 a 2018), os preços da batata, no atacado, caíram pela metade (de 3,00 a 4,00 reais ao quilo para no máximo 2 reais por quilo.

Ao produtor compensa despejar nas estradas e não gastar com colheita e mão de obra. É o que se faz atualmente nas principais regiões produtoras do país.

Segundo as estatísticas de Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, em 2016 (dados mais recentes), o Brasil plantou 130 mil hectares de batatas, produziu perto de quatro milhões de toneladas do produto, com rendimento médio de 30 toneladas/hectare.

Somos bons em plantar batatas. O fato leva à elite econômica sempre nos mandando a elas ou às favas.

Essa a política econômica praticada pelo ilegítimo governo de Michel Temer e seu executor de cadafalso, Henrique Meirelles. Controlar a inflação esgoelando as atividades econômicas produtivas nacionais, inclusive a rural.

Pior, vocês os coonestam não vendo o desastre assim que a redução do mercado interno e o protecionismo internacional os inviabilizarem como a nós.

“Ao vencedor as batatas”, os tomates, os cereais, as frutas, a madeira, as fibras, os biocombustíveis. Para o hemisfério Norte, bobões!

A composição aqui é de Batatinha. Sua única pretensão foi ser um gênio da música popular brasileira.

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

8 Comentários

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  1. ao…

    Caro sr., me parece que quem realmente tem o que escrever, ganha seu espaço merecido. Se for isto mesmo, parabéns. Assim como o estendo à foto de Machado, este mulato, pobre, já escritor e figura reconhecida da Nação Brasileira, ainda em tempos de escravidão. E dizem que fomos os maiores escravocratas. Existe algo semelhante pelo Mundo? Existe algo semelhante na nossa República Progressistas destas últimas décadas? Algum Machado, algum Cruz e Souza, algum Lima Barreto? Sobre o Projeto da Esquerdopatia e sua ascenção a partir de Terras paulistas, realmente o ‘Menino da UNE’ não é esquerda. O neto de Covas também não. Guerrilheiro Marxista também deve ser de direita. Todas semetes germinadas dentro de Fefelet’s e USP. Conhecido reduto malufista. Quanto à foto da batata, faltou (se posso mais este palpite) o Agricultor Brasileiro que a produziu. Na cidade pensam que nascem sozinhas e surgem por ‘magia’ nas prateleiras dos supermercados. E ainda crêem que sai da terra, assim limpa e lavada como na ‘montagem’ da foto. abs.     

    1. ao….

      Caro sr., ainda me estendendo, que grata constatação ao ler matéria em CC, cobrando Nacionalismo Tupiniquim. Revelando a importância da Industrialização, Nacionalismo, Meritocracia, Capitalismo que “Academicismos e Ilusões” muitas vezes sabotam. E sabotam, porque muitos imbecis que chegaram ao Poder, o conseguiram por Ideologização arcaica e retrógrada, que de tão morta nem cheirando a podre está mais. Dá como exemplo um dos símbolos do Agronegócio, de tão competente e brilhante sucesso e importância: A Empresa Eldorado. Uma das gigantes brasileiras na comercialização e produção madeira  e produtos derivados desta AgroIndústria. Mas Medíocres do NeoLiberalismo, das Privataras, do Entreguismo, do Crime de Lesa-Pátria, doaram, fantasiando uma venda, esta gigantesca possibilidade de desenvolvimento, produtos, empregos genuinamente nacionais a Interesses Internacionais. Não existe mais espaço para risivel Bipolaridade Tupiniquim. É preciso deixar totalmente claro os verdadeiros intereseses nacionais, como a tal matéria mostrou. E este interesse nacional passa pela absoluto apoio intransigente e sem protelações da Agropecuária Brasileira. Fonte de Dese4nvolvimento, Proteção Social, Proteção Ambiental e Segurança e Soberania Nacionais. abs.     

      1. Bonito texto, contudo,deveras

        Bonito texto, contudo,deveras prolixo e poético, na minha humilde opinião. Serei sucinto:

        Hoje temos “especialistas” surgindo a cada canto, basta dar um “google” (muitas vezes com fontes duvidosas) e logo e encontra uma vastidão de informações, cuspidas ao léo, mas de fato palpáveis como a composição organoléptica do tuberculo, nome cientifico etc…

        Indo direto aos fatos, como relatou Ze Sergio, faltou o protagonista da história, o produtor rural. Este quem sofre com as intempéries do clima e mercado. Ao cidadão comum, da cidade, que mal saberia diferenciar um batata de cosnsumo/ fritura, escoavada/ lavada, resta divagar sobre política e problemática da produção no tuberculo no país. Nada mais natural, em uma sociedade que adora julgar, e indicar algum culpado, no caso as multinacionais, obevio, muito mais facil atribuir a culpa a um terceiro,  quando não fazemos a nossa parte. Como prometido serei breve, encerro com uma frase do Dr. Dirceu Neri Gassen : “A rentabilidade é proporcional ao conhecimento aplicado por hectare.”

        1. Zé Carlos,

          contudo, deveras, nem prolixo nem poético. Há 43 anos, trabalho com agricultura. De vendedor a vice-presidente de empresa fabricante de insumos agrícolas. É possível que nesse período tenha conhecido algum produtor rural, saiba retratá-los e conheça seus desafios.

          Sendo sucinto, também: a frase de Gassen é de uma pretensão absurda, ela sim poética. Como evitar que a lei de oferta e procura não faça cair os preços das batatas? Sei como as multinacionais atuam no mercado. Umas de forma indecente, outras de forma vergonhosa. Não é questão de encontrar culpados e o meu Google é a minha vida. Não me tome por impostor.

          Ontem estive em Munhoz e conversei com bataticultores. Deveria tê-lo convidado para ver o conhecimento deles aplicado por hectare. 

    2. É isso mesmo, Zé Sérgio

      Quanto às fotos, na CartaCapital, são eles que escolhem. Como aqui sou eu, vou seguir sua sugestão, inclusive, com material de meu arquivo de andanças.

      Obrigado pelos comentários e um abraço.

  2. Condenado a sofrer

    Pois é, Rui, ao vencedor nossas riquezas e enquanto isso produtores jogam parte de suas colheitas para que o preço pare de cair no mercado. E tudo isso é aceito como algo normal neste mundo de gente de bem. Eu, hein…

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