Líbia, Costa do Marfim e Síria. No Caminho da Globalitarização Militar dos EUA.

As peças que faltavam e o tabuleiro (quase) completo do xadrez líbio
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A Guerra contra a Líbia e o Controle do Mediterrâneo

Por Rick Rozoff

A Líbia é um dos apenas 05 dos 54 países da África que não foram integrados,
ou seja, subordinados, ao novo Comando África dos EUA (AFRICOM).


Um ano após assumir o cargo de presidente da República Francesa em 2007 e, enquanto seu país estava na presidência rotativa da União Europeia, Nicolas Sarkozy convidou os chefes de Estado dos 27 membros da UE e dos 17 outros países mediterrâneos a participar de uma conferência em Paris para lançar uma União Mediterrânea.

Nas palavras do jornal britânico Daily Telegraph sobre a cúpula posterior com o mesmo propósito em 13 de julho de 2008, a “grande idéia de Sarkozy é usar o centro imperial do mundo em Roma como um fator unificador ligando 44 países que abrigam 800 milhões de pessoas.”

O líder líbio, Muammar Kadafi, no entanto, anunciou que seu país iria boicotar a reunião, denunciando a iniciativa como destinada a dividir tanto a África quanto o Mundo Árabe, e dizendo:

“Teremos um outro Império Romano e mais um projeto imperialista. Há mapas imperialistas e projetos que já arquivamos. Nós não queremos tê-los novamente. ” [1]

A cúpula sem precedentes foi realizada com a intenção de “direcionar o foco estratégico da Europa para o Oriente Médio, Norte da África e Balcãs”. [2]

Menos de três anos depois, os caças Mirage e Rafale de Sarkozy estão bombardeando alvos do Governo da Líbia, dando início a uma guerra, em curso, a ser travada pela França, Estados Unidos, Grã-Bretanha aos quais a mídia mundial se refere como uma “coalizão internacional” – 12 membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte e o emirado do Catar – para derrubar o governo de Kadafi e im(plantar) um substituto mais flexível.

O Mar Mediterrâneo é a a frente principal de batalha no mundo agora, superando o teatro de guerra do Afeganistão-Paquistão, e o império do novo terceiro milênio – o dos EUA, única superpotência militar do mundo, nas palavras do presidente Barack Obama em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel Paz, e dos seus parceiros da OTAN – está completando a transformação do Mediterrâneo no seu “mare nostrum”. 
 

O ataque à Líbia seguido por pouco mais de três semanas de um movimento no Parlamento de Chipre, nação-ilha do Mediterrâneo Oriental, visando arrastar o pequeno estado para o Programa de Paz da OTAN [3] que, se finalmente bem sucedido deixaria apenas três dos vinte países mediterrâneos (excluindo o microestado de Mônaco) como não membros plenos da OTAN ou atados a ela através de enredos de parceria como é o caso do Diálogo do Mediterrâneo (Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia). Dos 20 mediterrâneos, apenas 03 restariam desgarrados da OTAN: Líbia, Líbano e Síria.

A adesão à OTAN e às parcerias obrigam os governos afetados a abrir seus países para os militares dos EUA. Por exemplo, menos de um ano após se tornar independente, Montenegro já havia aderido à Parceria para a Paz e foi visitado pelo então comandante das Forças Navais dos EUA na Europa, almirante Harry Ulrich e o encarregado submarino Emory S. Land, num esforço “para fornecer treinamento e assistência para a Marinha de Montenegro e para fortalecer o relacionamento entre as duas marinhas.” [4]. No mês seguinte, quatro navios de guerra da OTAN, incluindo o destróier USS Roosevelt, com mísseis guiados, atracram no porto montenegrino de Tivat.

Se o atual modelo da Líbia for repetido na Síria como cada vez mais parece ser provável, e com o Líbano já bloqueado por navios de guerra de países da OTAN desde 2006 (protótipo que a OTAN logo estará replicando ao largo da costa da Líbia), o Mar Mediterrâneo poderá estar brevemente sob o total controle da OTAN e seu Estado-líder, os EUA.

Chipre é o único membro e também a única nação europeia (exceto microestados) que não é – por enquanto – membro ou parceiro da OTAN. E a Líbia é a única nação Africana banhada pelo Mediterrâneo que ainda não é membro do programa de parceria Diálogo do Mediterrâneo da OTAN.

A Líbia é também um dos apenas 05 dos 54 países da África que não se integraram, ou seja, subordinaram ao novo Comando Militar África dos EUA (AFRICOM).

Os outros são:

O Sudão, que está sendo balcanizado como a Líbia também poderá ser em breve.

A Costa do Marfim, agora envolvida no que é para todos os efeitos uma guerra civil, com o Ocidente apoiando os grupos armados de Alassane Ouattara em levante permanente contra o presidente Laurent Gbagbo, e sob a ameaça de intervenção militar estrangeira, provavelmente pelo AFRICOM e apoiada pela ‘Força de Espera do Oeste Africano’ – apoiada pela OTAN -, e possivelmente com o envolvimento direto do Ocidente. [5]

A Eritreia, que faz fronteira com Djibuti, onde cerca de 5.000 militares de tropas da França e dos EUA se baseiam e que estava envolvido em um conflito armado nas fronteiras com o país vizinho há três anos quando forças militares francesas intervieram em nome de Djibuti.

O Zimbabwe, que há muito já está entre os prováveis ​​candidatos para a próxima operação de intervenção militar tipo “Odisséia Alvorada” dos EUA-OTAN.

O Mar Mediterrâneo tem sido estrategicamente o mais importante da história e é o único cujas ondas quebram às costas de três continentes.

O controle do Mediterrâneo já foi guerreado pelos impérios Persa, Alexandrino, Cartaginês, Romano, Bizantino, Otomano, Espanhol, Britânico e Napoleão e, em parte ou no todo, pela Itália de Mussolini e pela Alemanha de Hitler.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o maior poder militar no Mar tem sido os EUA. Em 1946, Washington estabeleceu Forças Navais do Mediterrâneo, que em 1950 se tornaram a Sexta Frota e têm sua sede na cidade portuária italiana de Nápoles.

Na verdade, a gênese da Marinha dos EUA foi a Lei Naval de 1794, aprovada em resposta à captura de navios mercantes estadunidenses na costa do Norte da África. O Esquadrão do Mediterrâneo (também chamado Station) foi criado em resposta à primeira Guerra da Barbária 1801-1805, também conhecida como a Guerra Tripolitana em referência ao que é hoje o noroeste da Líbia. Os EUA lutaram sua primeira batalha naval fora do hemisfério ocidental contra a Tripolitânia em 1801.

As Forças Navais Europa-África dos EUA, também baseadas em Nápoles, respondem à Sexta Frota e suprem forças tanto para o Comando Europeu dos EUA quanto para o Comando África dos EUA. Seu comandante é o almirante Samuel Locklear III, que é também comandante do Comando Nápoles da Força Conjunta Aliada da OTAN.

Ele vem coordenando os ataques aéreos e com mísseis EUA e OTAN contra a Líbia a partir do USS Mount Whitney, nau capitânia da Sexta Frota, como comandante da Força Tarefa Conjunta “Odisséia Alvorada”, a operação do Comando África dos EUA responsável pelos destróieres com mísseis guiados, submarinos e bombistas furtivos realizando ataques dentro da Líbia.

O almirante Gary Roughead, Chefe de Operações Navais (o oficial de maior patente na Marinha dos EUA), declarou recentemente que a presença militar permanente dos EUA no Mediterrâneo permitiu ao Pentágono, que “já estava posicionado para operações sobre a Líbia,” lançar a “Odisseia Alvorada” em 19 de março. “À necessidade, por exemplo, nas rodadas de abertura, para os assaltos Tomahawk, os lançadores já estavam à mão. Eles já estavam carregados, e tudo saiu como esperávamos.”

“Isso é o que você conquista quando você tem uma marinha global que está avançada todo o tempo ….Nós estamos lá, e quando as armas saem, estamos prontos para conduzir as operações de combate ….” [6]

Em 22 de março, o general Carter Ham, novo chefe do Comando África dos EUA, visitou a base aérea dos EUA em Ramstein na Alemanha e se reuniu com líderes das forças aéreas inglesas, francesas e italianas para avaliar a campanha de bombardeio na Líbia. Ele elogiou a cooperação com os parceiros da OTAN antes do início da guerra, afirmando: “Você não pode trazer 14 nações diferentes ao mesmo tempo, sem nunca ter preparado para isto antes.” [7].

Enquanto o comandante do AFRICOM estava na Alemanha, o Secretário de Defesa, Robert Gates, esteve no Egito para se reunir com o Marechal de Campo Mohamed Hussein Tantawi, comandante em chefe das forças armadas egípcias e presidente do Conselho Supremo das Forças Armadas, para coordenar a campanha contra a Líbia.

O sítio do Pentágono, informou em 23 de março que as forças engajadas na Força Tarefa Odisseia Alvorada do AFRICOM já havia voado 336 missões aéreas, 108 delas lançando ataques e 212 conduzidas pelos EUA. As operações incluíram 162 ataques com mísseis de cruzeiro Tomahawk.

O Almirante Roughead afirmou que imagina que “não há problema em manter as operações”, já que os Tomahawks serão substituídos a partir do estoque existente de 3.200. O suficiente para nivelar a Líbia e ainda manter reservas de sobra para a próxima guerra. [8].

A derrota  da Líbia e sua conquista, diretamente ou por procuração, poderia assegurar uma posição-chave para o Pentágono e a OTAN no Mar Mediterrâneo.

A consolidação do controle dos EUA sobre a África do Norte terá repercussões mais do que regionais, por mais importantes que estas últimas sejam.

Logo após a inauguração do Comando África dos EUA, Zhiyuan Lin, vice-diretor da Academia de Ciências Militares do Exército de Libertação do Povo Chinês, escreveu o seguinte:

“Ao construir uma dezena de bases avançadas ou complexos militares na Tunísia, Marrocos, Argélia e outros países da África, os EUA vão gradualmente estabelecer uma rede de bases militares para cobrir todo o continente e fazer os preparativos essenciais para o encaixe de uma frota de porta-aviões na região.”

“A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) com os EUA ao comando realizou [em 2006] exercícios militares em larga escala em Cabo Verde, uma nação insular do oeste africano, com o único objetivo de controlar os corredores marítimos e aéreos das zonas de extração de petróleo cru e o monitoramento da situação dos oleodutos que lá operam.”

“O AFRICOM representa uma ligação vital e crucial para o ajustamento dos EUA de seu desdobramento militar mundial. Atualmente, os EUA estão movendo o campo gravitacional de suas forças na Europa a leste e abrindo novas bases no Leste Europeu. “

“Os presentes centros globais de remobilização militar dos EUA, principalmente em um “arco de instabilidade” que vai do Cáucaso, Ásia Central e do Sul até a Península Coreana, e daí para o continente Africano, são encarados como um ponto forte para alavancar a estratégia global dos EUA.

“Portanto, o AFRICOM facilita o avanço dos Estados Unidos no continente Africano, assumindo o controle do continente eurasiano e seguindo para assumir o comando de todo o globo.” [9]

Muito mais está em jogo na guerra com a Líbia do que o controle das maiores reservas comprovadas de petróleo da África e subjugar a última nação do Norte Africano que ainda não está sob as mãos dos EUA e da OTAN. E mais ainda que a dominação da região do Mar Mediterrâneo.

Notas

1) Daily Telegraph, July 10, 2008
2) Daily Telegraph, July 14, 2008
3) Cyprus: U.S. To Dominate All Europe, Mediterranean Through NATO
   Stop NATO, March 3, 2011
   
http://rickrozoff.wordpress.com/2011/03/03/cyprus-u-s-to-dominate-all-europe-mediterranean-through-nato
4) United States European Command, May 24, 2007
5) Ivory Coast: Testing Ground For U.S.-Backed African Standby Force
   Stop NATO, January 23, 2011
   
http://rickrozoff.wordpress.com/2011/01/23/ivory-coast-testing-ground-for-u-s-backed-african-standby-force
6) U.S. Department of Defense, March 23, 2011
7) U.S. Air Forces in Europe, March 23, 2011
8) U.S. Department of Defense, March 23, 2011
9) People’s Daily, February 26, 2007
   
http://english.peopledaily.com.cn/200702/26/eng20070226_352530.html

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Axé
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