Enviado por lucascosta
Do Le Monde Diplomatique
Quem está com a verdade, quem está com a mentira?
por Belisário dos Santos Jr. , Inês Virginia Prado Soares
O golpe civil-militar de 1964 tem lacunas que começam a ser preenchidas por acervos guardados com particulares − por exemplo, na casa do recém-falecido coronel Malhães − ou mesmo em órgãos públicos, como a Escola Superior de Guerra. Os noticiários divulgaram nos últimos meses informações sobre papéis que comprovam os crimes (inclusive o assassinato de Rubens Paiva) e a cooperação de empresários com o regime autoritário.
O exercício da memória, com novas revelações de testemunhas presenciais, a divulgação de documentos mantidos sob sigilo, aqui e no exterior, e iniciativas como o Brasil Nunca Mais, o Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos e os acervos reunidos no Memórias Reveladas ajudam nessa recomposição da verdade.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) e as Comissões de Verdade (CVs) locais surgiram no cenário brasileiro em 2012 com a vantagem de contar com esse vasto conjunto documental e com as narrativas das vítimas como ponto de partida para investigações mais detalhadas sobre os acontecimentos mais marcantes e nefastos da ditadura. Entre as tarefas investigativas da CNV, está prevista a identificação das estruturas, dos locais, das instituições e das circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos (art. 3o, III, da Lei n. 12.528/2011).
A atenção da CNV aos locais de repressão, clandestinos ou oficiais, faz todo sentido, já que eles guardam as relações entre memória (inclusive a documental), espaço e narrativa. E esse tipo de investigação passa pela colaboração dos órgãos gestores do lugar, com a apuração de seu uso para torturas e assassinatos, e a apresentação dos documentos relacionados aos fatos investigados. Por isso, a tarefa de explorar a violência praticada nesses estabelecimentos não se limita à CNV, ao contrário: deve ser da comunidade e das instituições públicas.
As Forças Armadas, por seus sucessivos ministros da Defesa, vêm sustentando que inexistem documentos relevantes sobre o período 1964-1985 a serem tornados públicos, já que teriam sido queimados com base em decreto de 1967. Independentemente da consideração de que um decreto não podia contrariar a Constituição vigente, que reconhecia a importância de documentos de valor cultural e histórico, “perderam-se” dados relevantes para o entendimento da estrutura da repressão e de seus responsáveis, bem como para a localização de despojos de vítimas de execuções extrajudiciais e de desaparições forçadas.
Persistiram as narrativas e o espaço físico das práticas violentas, apesar dos dados (supostamente) destruídos. E, em abril, a CNV anunciou que funcionavam pelo menos dezessete centros clandestinos de detenção (CCDs) durante o regime militar, especialmente entre 1970 e 1975, os quais eram ligados às Forças Armadas. Destes, sete já foram mapeados pela comissão, com revelação dos detalhes de sua localização, cadeia de comando etc. Dois meses antes, em fevereiro, a CNV, em ofício dirigido ao ministro da Defesa, pediu a colaboração para apuração administrativa, pelas Forças Armadas, das violações no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1980, de sete instalações militares, entre as quais os DOI/Codi de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Recife.
O Ministério da Defesa parecia ter atendido ao pedido da CNV quando noticiou a instauração de sindicâncias para levantar informações sobre o desvirtuamento do uso das instalações oficiais, com práticas de atrocidades contra presos políticos ali detidos. No entanto, a conclusão da investigação foi de que os dados disponíveis não permitem corroborar a tese de que tenha ocorrido desvio formal de finalidade do fim público estabelecido nessas instalações. Essa apuração teria sido bem útil e o resultado absolutamente diverso se tivessem sido localizados e utilizados os documentos “desaparecidos/queimados”, e colhidos depoimentos dos que, à época, conheciam a rotina das atividades ilegais, por trabalharem no local ou por serem frequentadores que apoiavam as atividades de repressão.
A expectativa era de que as Forças Armadas realizassem um trabalho criterioso e competente, oferecendo a possibilidade de conhecimento de outros aspectos da verdade sobre o que aconteceu tanto nos locais oficiais de repressão como nos centros clandestinos. E essa postura seria respeitosa para com a sociedade brasileira e valorosa para a cidadania.
Mas, novamente, a instituição militar perdeu uma oportunidade ímpar para romper definitivamente com o passado de violações cometidas por alguns de seus integrantes, para a tomada e manutenção do poder, que agora legitima pela omissão, não substituindo, como se esperava, o elogio do crime pela afirmação de uma força militar nova, moderna, conectada com os valores democráticos.
Belisário dos Santos Jr. é advogado; secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, de 1995 a 2000; membro da Comissão Internacional de Juristas e integrante da Comissão Especial do Estado Brasileiro para Mortos e Desaparecidos Políticos.
Inês Virginia Prado Soares
* Inês Virginia Prado Soares é procuradora regional da República e mestre e doutora em Direito.
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Já a Ditdura de Vargas não
Já a Ditdura de Vargas não interessa pesquisar, tambem teve repressão violenta, prisões, mortes e torturas mas como Getulio depois se esquerdizou virou santo e não merece que sua longa ditadura de um homem só tenha sua documentação completada não é mesmo?
O interesse inesgotavel sobre os regime militar de 1964 não é porque foi uma ditadura e sim porque foi de DIREITA.
acho que a comissão nacional
acho que a comissão nacional da verdade nestas alturas do campeonato é a única instituição que restou para resgatar a triste memória da ditadura de 64, já que hisitoricmente o país sofre este estigma de não punir suas mazelas autoritárias - ao contrário do que fizeram outros países como a argentina onde vários comandantes militares foram presos..
aqui os atuiais chefes militares acabam admitindo por tabela que são protagonistas dessas mazelas ao dizerem que não há provas porque queimadas-sumidas leglmente.
ora, se sumiram é porque continham denúncias?
por estas e por outras é que é preciso dar força a essa comissão da verdade..
.pra que a memória seja reposta sem aumentar ainda mais as cicatrizes que já carregamos historicamente, como so crimes da escravatura.
Era esperar demais...
Achar que os próprios militares revelariam algo sobre seus malfeitos pretéritos era ter muita fé!
Exército Brasileiro = traidor e assassino de seu povo
Pensar que o exército brasileiro vá algum colaborar com a comissão da verdade é uma ilusão. E também este papo de " a instituição militar perdeu uma oportunidade ímpar para romper definitivamente com o passado de violações cometidas por alguns de seus integrantes" é furadíssmo!! Em toda história do Brasil todas as vezes que o exército pegou em armas foi para matar cidadãos brasileiros! O exército brasileiro como instituição é um traidor da nação e assassino de seu povo. Esta é a verdade sobre o exército, um monte de assassinos a serviço do poderosos de sempre e de seus financiadores dos EUA. O exército brasileiro não tem moral nenhuma, é um covil de criminosos e assassinos!