Chacina contra indígenas chiquitanos no Brasil e Bolívia completa um mês sem respostas

Chacina de indígenas chiquitanos segue impune e mobiliza organizações sociais do Brasil e Bolívia

Do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Quatro chiquitanos foram assassinados no dia 11 de agosto, em território brasileiro, próximo à comunidade de San José de la Frontera, na Bolívia. Os indígenas estavam caçando quando foram surpreendidos por agentes do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) – núcleo da polícia do Mato Grosso que faz a segurança da região. Após denúncias sobre o caso, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras organizações de defesa dos direitos humanos enviaram, na semana passada, um grupo de trabalho para investigar os fatos in loco.

Os relatos indicam atuação criminosa do Gefron. Para a polícia, Paulo Pedraza Chore, Ezequiel Pedraza Tosube, Yonas Pedraza Tosube e Arcindo Sumbre García seriam suspeitos de tráfico. No entanto, a abordagem revelou que eles portavam apenas carne de animais silvestres e instrumentos de caça – ou seja, nenhuma droga ou a algo que remeta à comercialização de ilícitos. Meire Toré é viúva de uma das vítimas e exige justiça. “Eram meu marido, meu irmão e dois sobrinhos. Eles saíram cedo pro mato e quando deu cinco horas da tarde só os cachorros voltaram da caça. Nossos familiares, não”.

A análise dos corpos das vítimas mostrou sinais de tortura. “No dia seguinte, nós soubemos que os corpos estavam no hospital. Meu marido foi quebrado no queixo, levou tiro, parte do corpo dele estava em carne viva. Nestes tempos de pandemia, estamos com pouco trabalho. Eles aproveitaram um dia de folga para sair, pois dependemos da caça para colocar comida na mesa”, salienta Meire.

Com base nas informações colhidas, as organizações sociais encaminharam um ofício às autoridades brasileiras – de todas as instâncias – exigindo a apuração dos fatos. O documento pode ser lido aqui.

Mobilização internacional

De acordo com Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do Cimi Regional Mato Grosso, o próximo passo é denunciar o caso em cortes internacionais de direitos humanos. “Nossa batalha é para que haja uma investigação independente e imparcial, que levante todos os elementos desta chacina. A caça é um fator de sobrevivência para os chiquitanos. Trabalharemos para que este crime não fique impune”, salienta Gilberto, indicando que as organizações sociais não vão retroceder enquanto o caso não for devidamente solucionado.

Maria Surubi Paticu é cacique geral do povo e reivindica respeito dos governos do Brasil e Bolívia. “As caçadas e pescas fazem parte dos costumes dos povos originários e nós não dividimos esta prática por fronteiras. Pedimos às autoridades que nos resguardem e não nos amedrontem. Sabemos que há policiais bons e policiais maus. Necessitamos que nos tratem com respeito: somos indígenas, mas somos seres humanos”, sustenta.

Direitos sem fronteiras

A fronteira seca entre os dois países não é marcada por nenhuma delimitação na região. Além disso, o líder indígena Soilo Urupe Chue ressalta que os chiquitanos devem ter seus direitos garantidos nos dois países. “Esteja na Bolívia ou no Brasil, o povo chiquitano é um só, independente da nacionalidade. Nós não criamos as fronteiras – esta coisa de país pra cá e país pra lá. Pra nós, isso não existe. O que existe é a territorialidade onde a gente vive com nossos costumes, nossas crenças e nossa língua”.

Para a indígena Antonia Arteaga Tosube, moradora da comunidade, o caso ficará marcado para sempre com dor e tristeza na história dos chiquitanos. “Nós deveríamos viver como irmãos de fronteira. Mas não foi assim. Eu sinto muito, pois em todo este tempo que eu vivo aqui, nunca havia passado por estas coisas. Eles saíram de casa com destino de caçar e encontraram a morte. Voltaram para nós dentro de um caixão”, lamenta.

Soilo destaca a importância de que a situação sirva como mais um alerta para que as autoridades dos dois países garantam o direito de ir e vir dos chiquitanos. “Queremos que apurem este caso com a maior celeridade possível e não criem mais conflitos pra nós”.

 

Redação

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