Deve-se transformar os outros ou primeiro a nós mesmos?, por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Deve-se transformar os outros ou primeiro a nós mesmos?

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Essa é mais uma das muitas dualidades que a humanidade precisa superar. Parece muito claro que há uma tendência na sociedade humana de culpar sempre ou quase sempre o externo, os outros, pelos seus problemas. Assim, quando surgem ruídos nas relações, tenta-se logo fazer o outro mudar de comportamento ou de opinião, em vez de se analisar mais profundamente a situação e perguntar se eles mesmos não precisam mudar também algo. Fatalmente, numa análise de consciência que supera a dualidade, quase sempre os dois têm algo a melhorar, porém os graus de necessidade podem diferir muito. 

Os outros são muito utilizados pela espiritualidade para nos mostrar o que nós erramos. Deste modo, é muito comum que, por obra de pessoas com as quais convivemos, passemos por situações que fazemos outros passarem, para que, a partir do desconforto gerado por aquelas situações, possamos perceber que fazemos exatamente o mesmo ou algo muito parecido com uma pessoa que julgamos ser a errada no relacionamento conosco.

Essa compreensão menos egocêntrica, que deixa de ver os outros como aqueles que devem nos servir, que devem se amoldar a nossas necessidades, a nossas visões de mundo, depende também da superação de uma dualidade, que é “eu e o outro”. Esse espaço entre as pessoas existe, mas não existe, ou seja, cada ser é uma individualidade, mas uma individualidade integrada ao todo, conectada por ondas e todas pertencentes às mesmas famílias espirituais, que podem ser mais próximas ou menos próximas, mas, ainda assim, todos vêm de uma só consciência suprema. 

Um dos fatores que nubla a consciência da humanidade hoje é a noção de que essa integração ao todo não existe de fato ou que é muito frágil, sendo colocado muito mais grau na individualidade, na separação e nas falsas necessidades criadas por cada um, o que gera muitos conflitos e outros comportamentos indesejados para uma sociedade que quer se tornar amorosa, compassiva e cooperativa, mas sem perder sua força, dinamismo e eficiência.

Querer mudar o outro é, portanto, uma atitude que gera grandes riscos e que deve ser evitada. Como não se deve compreender as coisas como tudo ou nada, no entanto, às vezes é sim válido tentar mudar o outro, mas a validade desse comportamento em relação à Lei divina (ou da natureza) dependerá da intenção que está por trás desse comportamento, que se traduzirá nas vibrações empregadas na ação e na forma a ser utilizada.

Temos dito repetidamente neste blog que um mesmo comportamento pode ser “desenhado” com várias formas diferentes e que isso dependerá da intenção subjacente, responsável em grande parte pelas ondas emitidas naquele tipo de situação pelo sujeito.

Se alguém quer mudar o outro simplesmente porque se incomoda com ele, há grandes chances de ser uma atitude meramente egocêntrica, desconectada do todo, do Eu superior interligado com a  consciência suprema. Como se sabe, não é raro que alguém se incomode com o outro pelo fato de ver nele aquilo que tem dentro de si, em sua sombra, e que não quer enfrentar.

O ganancioso é o que mais critica outros gananciosos, pois ele quer o dinheiro todo para ele. É muito claro que aqueles mais raivosos contra políticos corruptos são, em regra, pessoas que se corrompem muito facilmente e lhes revolta ser a vítima da história. Se estivesse lá, fariam o mesmo ou pior. 

O vaidoso é o que mais critica outros vaidosos, pois incomoda até o fundo da alma dele ver outra pessoa se achando melhor do que ele. No íntimo dele, ele tem que ser sempre o melhor. Então, vai logo atacar alguém que se destacar, mesmo que a pessoa nem esteja querendo esbanjar vaidade. É por essa e outras razões que não se deve expor muito os próprios êxitos ou seu estado de felicidade, uma vez que surgirão logo vaidosos e orgulhosos querendo criticá-lo e derrubá-lo. Basta simplesmente ser feliz, em paz, até porque a verdadeira felicidade (eudaimonia) não é aquela sensação boa que vem dos êxitos. 

Na mesma linha, o moralista, religioso ou não, que se acha dono da verdade será aquele que mais critica moralistas que se acham donos da verdade. Isso se dá porque cada um não se contenta em simplesmente autoconhecer-se e autodesenvolver-se, em fazer o seu, em ser feliz por todo o caminho. As pessoas são carentes, vaidosas, querem chamar a atenção. Elas precisam mudar os outros e provar que sua escolha é melhor, que sua casa espiritualista é superior e assim por diante.

A consciência humana espremida ainda dificulta muito perceber que cada pessoa é um mundo em si, com suas inúmeras encarnações e com as energias que trouxe nesta encarnação específica.

Ao se estudar a astrologia, isso fica muito mais claro, pois cada casa do zodíaco com seus planetas e signos revelará uma energia, uma tendência de pensamento, sentimento, emoção ou comportamento que a pessoa traz consigo e que influenciará mais na sua relação familiar, ou na sua relação profissional, ou na sua relação consigo etc. As pessoas são muito diferentes e é um atendado ao criador, chamado de Deus por muitos, que as criou tão diferentes, querer que todas sigam um mesmo caminho.

É muito comum ver pessoas em casas espiritualistas que, por trabalharem lá há algum tempo, se julgam superiores em termos de consciência e no direito de impor suas verdades às outras. Primeiro, cada um tem uma experiência de verdade, como não cansamos de falar. Segundo, ainda que a pessoa tenha plena convicção de que é verdade que o outro está errando, ela terá menos chances de êxito se tentar mudá-lo à força, à base de críticas, de julgamentos, sem respeitar o tempo daquele indivíduo.

Um amigo me disse outro dia que a casa espiritualista onde ele trabalha não faz terapia, que, se a pessoa não aceita a verdade, ela não precisa ir lá e deveria procurar um consultório. E esse amigo se acha e se diz uma pessoa muito amorosa. É natural que a inconsciência leve as pessoas a agirem em contradição com o que julgam estar fazendo. Aquele sem a consciência apenas poderá agir de modo inconsciente, assim como o ignorante não pode fazer algo diferente de ignorar. Todos devem ser amados e respeitados, pois ninguém é consciente de tudo ou não ignora algo. Só o autoconhecimento com profunda humildade e o trabalho constante no autodesenvolvimento podem levar a graus de consciência e conhecimento cada vez mais amplos.

A evolução da consciência poderia ser retratada em círculos que começam em um pequenino e que vão aumentando de tamanho até o infinito, uns estando por fora (em volta) dos outros, representando novos níveis de consciência. Quando se está no círculo “a”, não se percebe coisas que alguém no círculo “b” percebe, porém não existe um único conjunto de círculos, pois mesmo aquele no círculo “a” pode ver coisas que aquele com a consciência no círculo “b”, já expandida para algumas situações, poderá não enxergar.

O trabalho de transformação do outro deve se dar, portanto, de modo mais amoroso, apenas apresentando ideias e caminhos que possam lhe dar mais consciência. Como se diz também repetidamente neste blog, ninguém conscientiza o outro; apenas é possível conduzir alguém a chegar a um novo nível de consciência, pois ninguém acessa o interno do outro diretamente. Só a própria pessoa pode se mudar e se conscientizar.

Como nossa tarefa é superar as dualidades, por outro lado, não aceitamos a ideia de que ninguém deveria tentar ajudar o outro a enxergar algo novo, ficando apenas quieto, contemplativo, ou melhor, omisso. A racionalidade das dualidades, que faz partir do branco para o preto, do 8 para o 80, leva muitas vezes a esse ponto de vista.

Se algo nos parece errado e está nos prejudicando ou prejudicando outros que queremos ajudar, podemos sim agir, mas, de novo, a qualidade da ação dependerá da intenção (da vibração) e da forma utilizadas. É possível comentar com alguém carinhosamente sobre algo que ele pode não estar vendo, o que é bem diferente de tentar empurrar no seu nariz isso.

Lembre-se de que é preciso contar com a possibilidade bastante frequente de aquele que se acha certo e na condição de sugerir uma mudança ao outro ser em realidade o equivocado na história. Quantas interpretações não são mal feitas? Quantas vezes não é apenas um desejo do ego da própria pessoa que o outro mude para ficar mais adequado a seus próprios interesses (bons ou ruins)?

Um amigo me contou outro dia uma história curiosa sobre seus pais. O pai dele, um homem bem pacífico e sério, de não muita beleza, começou a ser alvo de ciúmes neuróticos da mãe, que via em todas as mulheres um potencial risco ao seu casamento por estarem elas supostamente querendo tomar o seu marido já idoso.

Não existe certo ou errado. Não existe verdade ou mentira. A vida é feita de experiências. Muitos já devem ter emitido instantaneamente opiniões supostamente verdadeiras sobre o exemplo acima.

O fato é que o marido da história, pai do meu amigo, é um sujeito que não gosta de conflitos, que sempre foi muito permissivo com a esposa, e isso provavelmente a levou a ser tão intrusiva na sua vida, tão dominadora, gerando até uma patologia psíquica. Ele agora “paga” por isso, provavelmente algum carma por já ter feito algo semelhante a outrem em vida passada e que lhe ensinará a estabelecer limites aos excessos dos outros. Por outro lado, ser pacífico é algo bom, então o marido da história demonstra amor consubstanciado em paciência e compaixão ao ter tolerado os ciúmes neuróticos e tantas outras atitudes inusitadas da esposa ao longo de toda a sua vida.

A paciência, contudo, não pode ser permissiva demais, pois quem ama não deixa o outro degenerar seus comportamentos e cair em baixas vibrações. Esperamos que o leitor perceba o emaranhado de dualidades que precisam ser superadas para uma visão mais complexa e sábia acerca da realidade.

Se estivéssmos no lugar do marido da história, teríamos sim tentado transformar a esposa dele em dados momentos, mas com carinho, com uma sugestão talvez de fazer uma terapia ou, com ainda mais amor, com uma sugestão de que ambos fizessem, até porque uma terapia em busca de autoconhecimento dificilmente fará mal a alguém e, assim, ela não se veria como “a errada”, “a doente”, na história. Quem ama age e se doa. 

O amor também impõe limites, mas preferencialmente não ferindo a consciência do outro. A questão é que o outro, às vezes, se melindra facilmente. Como fazer, então? Sim, será possível, às vezes, terminar ferindo o outro, ainda que se deva evitar isso ao máximo. Aqui se entra em mais uma superação de dualidade: agir com amor, mas não procurar agradar ninguém.

Muitos não querem agir contra o que lhes parece errado, pois não conseguem assumir conflitos. É muito mais cômodo ficar no canto e não confrontar nenhuma situação, nenhuma pessoa. Aquele confrontado, se tiver uma noção espiritualista, dirá que o confrontador é um causador de problemas, pois o confrontado não quer mudar seus vícios.

Jesus, o Cristo, foi um dos maiores criadores de conflitos internos e externos que já existiram na história humana. Ele falava publicamente e fazia críticas, mas normalmente sem apontar nomes e com muita vibração de amor, aos governantes da época, aos gananciosos, aos que julgavam os pobres, as prostitutas, os leprosos etc. Jesus chocava as pessoas constantemente. São Francisco de Assis tinha como um dos principais objetivos mudar a Igreja Católica, levá-la de volta para perto do Evangelho de Jesus.

Antes deles, Moisés tinha buscado proteger o seu povo do autoritarismo egípcio e depois “criou” (mediunicamente) normas (decálogo) para que fossem mudadas as relações travadas na época. Muitos dos maiores mestres da humanidade queriam mudar as sociedades nas quais viviam, queriam que as pessoas fossem melhores. A questão é que eles sabiam escolher bem, uns mais do que outros, a intenção (vibração) e a forma.

Outros, contudo, como muitos atividades políticos, ambientalistas, feministas e vários defensores ferrenhos de bandeiras, que são muitas vezes legítimas, terminam perdendo as estribeiras por serem agressivos, ruidosos, invasivos, supostos donos da verdade. Com isso, acabam mais por afastar as pessoas e prejudicar suas próprias bandeiras do que modificar positivamente a realidade.

Em suma, conforme o princípio hermético da polaridade, todo oposto é apenas o grau de uma mesma coisa. A sabedoria está em encontrar equilíbrios em cada situação específica, o que não significa a coluna do meio, mas saber escolher posicionamentos que consigam comportar ao máximo todos os valores a serem trabalhados numa sociedade de terceiro milênio, que deverá ser, dentre outras coisas, como já dito, amorosa, compassiva e cooperativa, mas sem perder sua força, dinamismo e eficiência. Sob outro ponto de vista, a sabedoria está no balanceamento de todas as qualidades mencionadas no texto anterior sobre a lei hermética do gênero que dizem respeito tanto à energia masculina quanto à feminina, outra dualidade que deve ser superada. 

Marcos de Aguiar Villas-Bôas é terapeuta holístico, consultor jurídico e político, espiritualista universalista, reikiano usui, reikiano xamânico, estudante de psicanálise e de Programação Neurolinguística (PNL), praticante de meditação e amante do todo e de todos. Deixou a sociedade de um dos cinco maiores escritórios de advocacia do país, sediado em São Paulo/SP, para seguir seu sonho de realizar pesquisas em Harvard e em outras universidades estrangeiras, mas, após atingir muitos dos seus objetivos materiais, percebeu, por meio da Yoga, de estudos e práticas espiritualistas sem restrições religiosas, que seus sonhos e suas missões iam muito além das vaidades acadêmica e profissional. Hoje busca despertar a consciência, o mestre dentro de si, e ajudar os outros a fazerem o mesmo, unindo o material e o espiritual e superando todas as demais dualidades. 

Redação

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