É possível uma sociedade sem religião?, por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

Destarte, de uma forma ou de outra, relegere forma o religare porque quando lemos algo de alguém, estamos nos ligando a partir da transmissão de conhecimento, daí a fidelidade e, consequentemente, a comunhão das crenças.

É possível uma sociedade sem religião?

por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

            Há pessoas que vivem muito bem sem religião, isso não significa dizer que uma população inteira pode, até onde se sabe inexiste literatura de uma sociedade ateia, malgrado países que tende a isso, na China, por exemplo, menos de 7% da população possui alguma crença, todavia não responde à questão sobre a possibilidade de existir uma sociedade sem religião, afinal, é possível ter religião sem deus, mas ter um deus sem religião, não.

            Entender a religiosidade de uma sociedade dependerá do sentido que ela dá ao termo “religião”. Se “religião” for compreendia a partir da perspectiva teísta, onde há necessidade de um criador, um Deus, um primeiro motor, não há muitas dificuldades para responder tal questão. Sim, é possível uma sociedade sem religião, só bastar vermos alguns povos orientais que não reconhecem divindades, apesar de serem religiosos, como o confucionismo, taoismo e o budismo. Do ponto de vista antropológico e etnológico, respectivamente, não há como separar ou saber de alguma comunidade separada da religião, é difícil pensarmos em corpos sociais livres dos mitos, do sagrado, das crenças, etc. Resta então a etimologia para vislumbrar alguma possibilidade para tal.

            À origem da palavra “religião” identifica-se dois significados: religare e relegere. Religare vem do latim e se traduz como algo que se liga, um liame por assim dizer. Neste contexto, pessoas que sentem a presença de Deus podem se manter ligada à fé e fortalecer laços com outros que sentem o mesmo, mas isso não diz muita coisa, ateus, por exemplo, podem se sentir ligado a qualquer pessoa, não necessariamente a partir da religião. Moralmente e eticamente falando, há algo que um cristão pode fazer que um ateu não possa? Portanto, se “religião” for visto como um liame, ateus, agnósticos ou pessoas de religiões diversas podem viver pacificamente entre aqueles que possuam fés diferentes (ou ausência dela), desde que nesta sociedade haja tolerância (nos limites do paradoxo de Karl Popper) e que o fanatismo seja só uma exceção.

            O segundo significado para “religião” é relegere, do latim “recolher” ou “reler”, não é mais um “ligar”. Aqui há um apego à palavra e à tradição,  distanciando-se daquilo que liga e se aproximando da fidelidade aos antepassados, já que recolhe e lê os escritos, regras, princípios, leis, mandamentos. Destarte, de uma forma ou de outra, relegere forma o religare porque quando lemos algo de alguém, estamos nos ligando a partir da  transmissão de conhecimento, daí a fidelidade e, consequentemente, a  comunhão das crenças. Um apóstata não perde suas virtudes, se ele aprendeu na religião que matar ou mentir é errado, não se tornará um assassino ou mentiroso com a apostasia, assim, quando se perde a fé, permanece a fidelidade e os valores porque isso independe da religião.

            Podemos concluir que é possível pessoas se unirem ou viver entre si e se manterem ligadas sem a necessidade de divindades ou religiões. As virtudes advindas de todo um contexto histórico, mesmo que dentro dela a religião tenha sido uma parte importante, podem ser compartilhadas e transmitidas a partir da fidelidade sem a necessidade da fé toda a ética e moral construída no curso da história humana se manterá.

Redação

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