Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Feminismo de Esquerda, por Angelita Matos Souza

O feminismo de esquerda é, necessariamente, antirracista e anti-imperialista, contra toda opressão de base racista e colonial.

Feminismo de Esquerda

por Angelita Matos Souza

“Feminismo, capitalismo e a astúcia da história” deve ser o texto mais conhecido de Nancy Fraser, no qual a autora discorre sobre como o movimento feminista foi capturado pelo neoliberalismo. E em uma entrevista recente (Folha de São Paulo, 16-06-2024), ela reafirmou a diferença entre feminismo neoliberal e feminismo de esquerda. Mas o que seria o feminismo antineoliberal, de esquerda?

Um indicativo de resposta pode ser extraído de Feminismo para os 99%. Um Manifesto. Escrito por Fraser, Tithi Bhattacharya e Cinzia Arruzza, o Manifesto é composto de 11 teses, que resumirei mudando ligeiramente a ordem, para acrescentar algo sem exceder as onze teses.

Tese 1: Como entendo, a primeira tese está explícita no título, o feminismo de esquerda não é contra os homens, e sim para os 99%. Esta tese pode ser fundida à primeira no Manifesto, em torno da reinvenção das greves, que sublinha o poder da mobilização das mulheres (como vimos agora no Brasil, contra a PL do Estupro) e defende que o movimento feminista deve ser global.

Tese 2: As autoras advogam que o feminismo neoliberal está falido e que é hora de superá-lo. Apesar das dúvidas com relação à falência, a segunda parte da sentença, sem dúvida, é acertada e urgente.

Tese 3: O feminismo de esquerda é e só pode ser anticapitalista. Bom, aqui daria um passo atrás, para quem sabe dar dois passos em frente. Pois está difícil acabar com o capitalismo, todavia, deve ser possível romper com o neoliberalismo. Sim, acredito na possibilidade de um Green New Deal (ou preciso acreditar).

Tese 4: A crise é generalizada, “da sociedade como um todo”, e a causa é o capitalismo. Na dianteira do levante necessário ou “parada de emergência” devem estar, obviamente, as feministas.

Tese 5: Vincula opressão de gênero ao capitalismo, que embora não tenha inventado esse tipo de opressão, o reinventou ao seu modo, e o seu término dependeria do próprio fim do capitalismo. Neste ponto, diferentemente das autoras, considero plausível eliminar ou enfraquecer decisivamente a opressão de gênero nas formações sociais capitalistas nas quais elementos da social-democracia/socialismo estejam fortemente presentes, mas este é tema para outra oportunidade.

Tese 6: Chama para a luta contra todas as formas de violência de gênero “enredadas nas relações sociais capitalistas”. Nós iríamos mais longe: contra todas as formas de opressão/coação, especialmente as de natureza sexual, incluindo tribos não capitalistas.

Tese 8: O feminismo de esquerda é, necessariamente, antirracista e anti-imperialista, contra toda opressão de base racista e colonial.

Tese 9: O feminismo de esquerda é, claro, ecossocialista.

Tese 10: O capitalismo é incompatível com a democracia e com a paz. Apesar de ser uma tese incontestável, ando temerosa de criticar a democracia liberal (ou democracia possível no capitalismo). Não me parece um bom momento para tanto.

Tese 11: Conclama à união de todos os movimentos radicais, dos identitários aos de classe, para a “insurgência anticapitalista” (é um Manifesto).

 Quem conhece o Manifesto das autoras, deve ter notado que acima faltou uma tese, isso porque gostaria de acrescentar uma coisinha.  

Tese 7: Aqui as autoras falam de capitalismo e sexualidade, e a temática são os arcaísmos retrógrados em voga e o liberalismo na arena sexual/dos costumes. A tese é que os dois campos devem ser rechaçados, o primeiro por razões óbvias; e o segundo porque, apesar de parecer progressista, ao incluir membros do grupo LGBTQ+ e defender a liberdade sexual das mulheres, o faz visando sobretudo o consumo.  Os que não têm renda seguem discriminados/oprimidos.

Contudo, faltou nesta tese sobre capitalismo e sexualidade explicitar que o feminismo de esquerda, universalista, para os 99% e não contra os homens, deve manter distância dos processos de “cancelamento” de reputações. Ou seja, não distribui acusações de assédio indiscriminadamente, ainda mais se eivadas de moralismos e etarismos. Ademais, o feminismo de esquerda aborda as mulheres como adultas (no sentido kantiano mesmo) e tem percepção de classe, vítima indefesa é a mulher proletária (não por falta de coragem, mas de recursos).

Honestamente, talvez seja pertinente considerar a hipótese de que boa parte das mulheres sempre quis impor a monogamia como padrão universal de comportamento, sem muito êxito, agora o feminismo corre o risco de instrumentalização neste sentido (conscientemente ou não). Sem dúvida, há felicidade e alegrias na monogamia, mas esta não pode ser imposta pelo medo. E para o feminismo de esquerda: “toda forma de amor vale a pena”.  


Angelita Matos Souza – Cientista Social. Professora na UNESP.

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