Metafascismo: problema no Brasil e na Amazônia, por Juarez Silva Jr.

O “metafascismo”, termo ainda em debate, define uma evolução do fascismo para o século 21, adaptado às tecnologias e desafios contemporâneos.

Raphael Alves – Amazônia Real

no Amazônia Real

Metafascismo: problema no Brasil e na Amazônia

por Juarez Silva Jr.

Quem acompanha meus escritos e falas já deve ter lido ou ouvido sobre metarracismo, o racismo cínico, “autonegante”, ou seja, que não se assume enquanto uma forma de racismo, mas que trabalha pelo sucesso deste. Como é cínico por vezes se traveste em antirracismo, por meio de um discurso que, para incautos, pode de fato parecer fazer sentido; porém, basta observar que sempre está atacando aos antirracistas óbvios e reconhecidos e as conquistas práticas do antirracismo. Então, na verdade, é muito fácil reconhecer metarracismo e metarracistas. Ele é sempre e prontamente rechaçado por pessoas reconhecidas tradicionalmente na luta antirracista, com autoridade acadêmica na temática e principalmente pelos diretamente prejudicados pelos atos metarracistas.

Porém o assunto hoje é outro, é um irmão do metarracismo, o metafascismo.

O fantasma do fascismo, outrora combatido com fervor, parece ressurgir em novas roupagens. O “metafascismo”, termo ainda em debate, define uma evolução do fascismo para o século 21, adaptado às tecnologias e desafios contemporâneos. No Brasil e, especialmente na Amazônia, esse espectro paira sobre o cenário político e social, exigindo atenção e análise crítica.

No contexto nacional, o metafascismo se manifesta em diferentes formas:

A partir de discurso de ódio com a proliferação de ataques verbais e físicos contra minorias, impulsionada por plataformas digitais, ecoa a lógica fascista de silenciamentos e extermínio do “diferente”.

Da ascensão de líderes autoritários, que deslegitimam instituições democráticas e concentram poder, encontrando terreno fértil em um ambiente de polarização e descrença na política.

Da negação da ciência, o negacionismo científico, presente em debates sobre o meio ambiente e a pandemia, por exemplo, impede o diálogo racional e abre caminho para soluções autoritárias e nocivas.

Também busca a crescente militarização da vida social. A militarização da educação básica ou da Amazônia. como exemplo, reforça a lógica de segurança pública e nacional e do inimigo iminente, com isso o discurso patriótico nacionalista, pilares do fascismo.

A desinformação e a “guerra cultural” também fazem parte desse metafascismo. Não há dia que não se veja propostas e factoides combatendo a verdadeira imprensa e o fomento à arte e cultura. A bola da vez é o livro antirracista e antiviolência policial, “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, ganhador do prêmio Jabuti de 2021.

Cabe aqui tocar um ponto delicado: a aplicação da teologia do domínio, em que a missão é “dominar” os “sete montes” – governo, educação, mídia, artes e entretenimento, religião, família e negócios. Há alguma dúvida que isso está muito bem encaminhado? A comissão de Educação da Câmara dos Deputados, acaba de ser “conquistada”, será um “retorno à 5ª série” das importantes pautas que por lá tem que passar?

Na Amazônia, o metafascismo assume características específicas, a saber:

exploração predatória, por meio da intensificação da exploração ilegal dos recursos naturais, impulsionada por grupos poderosos e com a complacência de agentes das instâncias governamentais, o que devasta a floresta e viola os direitos dos povos indígenas e tradicionais.

Da grilagem de terras, impulsionada por grileiros e madeireiros, a qual expulsa comunidades tradicionais e coloca em risco a biodiversidade, igualmente sob “vista grossa” e mesmo apoio de poderosos.

Também faz parte das estratégias e ações, o aumento da violência contra os povos indígenas e quilombolas, incentivado pelo discurso de autoridades e grupos econômicos, o que configura um crime de lesa-humanidade.

Por fim temos o desmonte das políticas de proteção ambiental e dos órgãos fiscalizadores, como o Ibama, atacado por exemplo com coisas como a “guerra da capivara Filó”.

Ações que fragilizam a floresta e abrem caminho para o avanço de atividades predatórias, como mineração em terras indígenas e outras atividades em nome do “progresso”.

Tudo isso não ficou para trás com o mero alijamento das lideranças que estavam no governo central. O projeto nefasto segue por outros N caminhos.

Combater o metafascismo exige uma união ampla que atue em diversas frentes, como o fortalecimento da democracia via instituições democráticas e seus valores, como a liberdade de expressão e o pluralismo. Isso é fundamental para barrar o avanço do autoritarismo.

Também fortalecer a educação crítica, que ensine a pensar por si e a questionar o poder, é essencial para formar cidadãos conscientes e atuantes na defesa da democracia.

Não menos importante é a mobilização da sociedade civil em defesa dos direitos humanos, da justiça social e da proteção ambiental, é crucial para barrar o metafascismo.

Ignorar ou minimizar o metafascismo é um erro grave. É preciso reconhecer seus sinais e combatê-lo com firmeza. A defesa da democracia, da justiça social e da Amazônia exige uma luta constante e vigilante.

Agora mesmo se vê aqui nestas plagas nortistas a tentativa de emplacar datas comemorativas que, apesar dos nomes aparentemente pró-democracia, vão justamente no sentido contrário.

Apesar de não ser o tipo de pauta que levo aqui pela coluna, penso que é um ponto de partida para a reflexão e espraiamento do debate sobre o metafascismo no Brasil e na Amazônia.


A foto que abre este artigo é de 23 de abril de 2021, e mostra uma manifestação contra a concessão do título de Cidadão do Estado do Amazonas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A manifestação fez referência às mais de 12 mil mortes causadas pela pandemia da covid-19 no Estado. (Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)


Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.

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