Na SP de Doria, a falta de humanidade que congela para além da metáfora, por Pedro Soliani

Foto: Roberto Parizotti

Do Justificando

São Paulo de Doria: a falta de humanidade que congela a espinha para além da metáfora

por Pedro Soliani de Castro

Iniciamos (em 19/07/2017) mais um dia frio e nebuloso na cidade de São Paulo. Em um dos dias mais gelados do ano, cuja temperatura atingiu 8ºC no centro (sensação térmica menor ainda), repetiu-se uma cena lamentável: a equipe de limpeza fez seu serviço de forma despretensiosa e lavou a praça da Sé às 7 da manhã, com água obviamente gelada.
Parecem não terem notado que, nas calçadas, dormiam diversos moradores de rua que enfrentaram um frio que incomodou até quem tinha lugar fechado para pernoitar. Foi água para todo lado, limpeza rápida, eficaz e completa.
Os moradores de rua foram acordados na base do jato d’água, muitos cobertores foram encharcados, muitas pessoas foram molhadas e, pasmem, elas não tinham onde, nem com o que se secar, muito menos um banho quente para tirar a sensação de gelo do corpo. Dá-lhe sistema imunológico!

Difícil dizer ao certo se a empresa terceirizada pela prefeitura compactua com as políticas higienistas já antigas na cidade de São Paulo, como as limpezas de moradores de rua no Pátio do Colégio à base d’água, ou como as destemperadas guerras contra ambulantes e usuários que visavam nada mais do que tirar essa gente feia e fedida dali (com o perdão da hipérbole).
A gestão Doria já se manifestou no sentido de “apurar e punir os culpados”. Nada mais do que o esperado, uma vez que nenhum político defenderia publicamente uma atrocidade dessas. Inclusive a gestão Haddad se defendeu exatamente da mesma forma diante de acusações de abusos da GCM que tiravam cobertores e pertences de moradores de rua na marra. A diferença é que Haddad, na época, se mobilizou e proibiu (por decreto) que os policiais agissem daquela forma. Ficamos no aguardo para saber se Doria tomará alguma providência ou apenas manifestará seu repúdio aos ventos.
Aguardamos, sem criar muitas expectativas, claro, uma vez que foi Doria quem alterou o decreto e devolveu aos GCMs o poder de usurparem dos cobertores e pertences dos moradores de rua.
Mas não sejamos tendenciosos: a empresa e/ou seus empregados podem ter agido sozinhos. Se a culpa não foi da gestão Doria e, de fato, os empregados da terceirizada agiram por conta própria, a situação é ainda mais grave. Isso demonstraria uma falta de humanidade que congela a espinha (com o perdão da triste ironia). Demonstraria que ainda há pessoas, civis, trabalhadores, que sequer interesses políticos têm, cujos olhares atravessam esses corpos.
“Os moradores de rua são, para eles, completamente desumanizados. São coisas. Quando que fariam o mesmo diante de um engravatado caminhando pela Sé? Ou uma senhora, adultos, crianças… Talvez até cachorros? Fodam-se os mendigos! (com o perdão da mais verossímil e deselegante expressão).”
É essa falta de empatia, de sensibilidade, de cuidado, de respeito, de amor, de dó, que seja, que contribui para essa sociedade tão intolerante e odiosa. E essa intolerância se aflora e agasalha (com o perdão da metáfora) aqueles que tendem ao ódio e à indiferença. Como é desestimulante saber que um ser humano consegue atravessar outro como se ele não existisse, julgá-lo pela carcaça.
É cedo para acusar a gestão Doria (de intenção, porque responsabilidade ela tem de um jeito ou de outro), a empresa ou seus funcionários. Mas independentemente de vontade, desprezo ou indiferença, seja lá de quem for, é triste saber que iniciamos a manhã assim. Quando afirmei que o dia se iniciou frio e nebuloso, isso pouco tinha a ver com a temperatura. Ela foi só a cereja do bolo.
Pedro Soliani de Castro é pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Penal, Direito Processual Penal e em Teoria Geral do Crime. Advogado em São Paulo.
Redação

Redação

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  • E a associação dos marajás

    E a associação dos marajás togados? Ai não vem ao caso. Pois não doutor?

    Quem sabe, se apelando para a associação de defesa dos animais...se obtenha algo. 

    Orlando

  • Depois não sabem porque o
    Depois não sabem porque o país está tão violento.
    Massacram e reprimem o povo covardemente.
    Em algum momento haverá reação. Até pela própria sobrevivência dos atingidos

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