Xadrez de Hamilton Mourão, futuro presidente, por Luis Nassif

Nas próximas semanas, o grande trabalho da opinião pública será decifrar o general Hamilton Mourão. A probabilidade de substituir Jair Bolsonaro na presidência da República é cada vez maior. Repito: a única incógnita é o prazo para a queda de Bolsonaro.

São vários os fatores de desgaste de Bolsonaro.

Fator 1 – a dinâmica das denúncias

Os indícios contra a família Bolsonaro eram antigos e conhecidos. Mas havia uma espécie de linha divisória psicológica impedindo a mídia de avançar além de certas ilações. O excesso de evidências contra Flávio Bolsonaro fez a imprensa atravessar o Rubicão e aponta-lo como ligado às milícias. Agora, se tornou uma caça ao alvo.

Há várias frentes de denúncias apertando o torniquete no pescoço da família Bolsonaro – por suas relações com as milícias.

A principal delas são os trabalhos do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro – que deverão ser retomados a partir do dia 1o, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) voltar do recesso e o Ministro Marco Aurélio de Mello desfizer o pacto carioca de blindagem, encabeçado por seu colega Luiz Fux. Nos próximos dias, o filho Flávio Bolsonaro e o motorista Fabrício Queiroz serão convocados a depor.

No momento, há uma caçada ampla da Polícia Federa, Interpol e outros agentes ao capitão Adriano Magalhães Nóbrega, principal suspeito do assassinato da vereador Marielle. Flávio Bolsonaro não apenas conferiu a Adriano a Medalha Tiradentes – quando ele já estava preso, sob suspeita de outro assassinato -, como empregou mãe e esposa na Assembleia Legislativa.

A tentativa do governo, de reduzir a área de atuação dos órgãos de controle deflagrará uma nova onda de vazamentos do lado do COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), Receita e CGU (Controladoria Geral da União). Recorde-se que a primeira dama, Michele Bolsonaro, entrou na linha de tiro devido ao cheque de R$ 24 mil que recebeu de Fabricio Queiroz, o motorista dos Bolsonaro.

As informações divulgadas nos últimos dias não deixam nenhuma margem a dúvidas de que Queiroz é elo direto da família Bolsonaro com a milícia do Rio das Pedras.

O jogo de assessores indo do gabinete do filho para o pai, a troca de cheques, o fato de Queiroz ser amigo do pai, todos esses fatores tornarão impossível qualquer ginástica para isolar o pai dos malfeitos do filho.

Fator 2 – o desastre internacional

As notícias sobre as relações dos Bolsonaro com as milícias já ganharam mundo. Le Monde, Financial Times, The Guardian, The New York Times.

E não apenas pelas milícias. Diz o NYTimes:

“Três ministros, bem como alguns diretores de nível médio implicados em investigações de corrupção, foram contratados pela administração, apesar da política declarada de tolerância zero de Bolsonaro. O filho do vice-presidente foi promovido e recebeu um triplo aumento em um banco estatal. Mesmo uma multa aplicada contra Bolsonaro pela pesca em águas protegidas em 2012 foi anulada pelas autoridades.

Bolsonaro e seus aliados também continuaram usando privilégios políticos legais, mas muito desprezados, como aceitar as concessões móveis concedidas a legisladores e funcionários federais – mesmo quando eles já moram na capital”_.

O encontro de Davos foi um fracasso retumbante, pela falta de propostas, mas, sobretudo, pela falta de postura de Bolsonaro, descrito de modo fulminante pelo diário italiano La Reppublica:

“O ‘duro’ da ultra-direita sul-americana, o presidente homofóbico e xenófobo dos tons marciais e a paixão pelas armas, de repente parece um cordeirinho na frente do público rico e poderoso”.

O otimismo do mercado com o Brasil se agarrava na possibilidade do Ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguir fazer alguma coisa, apesar do presidente Bolsonaro, de acordo com Brian Winter, correspondente do Americas Quarterly.

Depois de tecer loas a “um homem que parece destinado a mudar o Brasil para melhor”, esclarece que se trata de Paulo Guedes.

Não se esqueça, porém: ele não é o presidente.

Esse seria  Jair Bolsonaro (…)  Desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro, ele cometeu uma série de  gafes e reversões de políticas  em tudo, desde cortes de impostos até uma  oferta  (rapidamente retirada) dos EUA para construir uma base militar em solo brasileiro. Sua família é subitamente  enredada em um escândalo de corrupção  com consequências imprevisíveis e potencialmente terríveis. Bolsonaro e seus aliados parecem mais focados em atacar inimigos imaginários ou irrelevantes – “ marxismo cultural ” , “ ideologia de gênero ”,  globalismo  e imprensa, entre outros – do que oferecer soluções viáveis para os reais problemas do Brasil. As poucas políticas que ele apresentou incluem um afrouxamento do controle de armas  em um país que já tem  mais mortes por arma do  que qualquer outro,  movimentos que podem permitir  um desmatamento mais rápido da Amazônia, e um  decreto  para “supervisionar, coordenar e monitorar” ONGs internacionais que operam no Brasil.

Simultaneamente, ganhavam mundo também os diversos aloprados indicados para Ministérios. Em Davos, o chanceler Ernesto Araújo enredava o país nas confusões da Venezuela, mostrando o risco de se manter um estúpido em cargo chave. Por sua vez, a Ministra dos Direitos Humanos escandalizava os holandeses ao sugerir, nas pirações evangélicas pré-governo, que o país estimulava masturbação de bebês.

A semana terminou com a segunda tragédia de Minas Gerais, no início de um governo que se propôs a desmontar os sistemas de fiscalização do meio ambiente.

Na época das eleições, Bolsonaro denunciou as “multagens” aos produtores rurais.

Além de esvaziar a pasta de Meio Ambiente, indicou para o Ministério pessoa acusada de improbidade visando atender a interesses de mineradoras em áreas de preservação.

Ou seja, não se trata apenas de um presidente de ultradireita, mas de um personagem desqualificado para as funções públicas, que está envergonhando o Brasil perante o mundo.

É aí que entra o fator Hamilton Mourão.

Peça 3 – o fator Hamilton Mourão

Durante a transição, Mourão se tornou o interlocutor preferencial dos empresários pelo fato de ser dos poucos focos de racionalidade dentro do governo.

Teve o bom senso de desqualificar as maluquices de Bolsonaro com a tal missão militar norte-americana, com as pretensões lunáticas do chanceler de invadir a Venezuela. Ou a intenção  de mudar a embaixada de Israel para Jerusalém.

Após o anúncio da desistência  do deputado Jean Willys de assumir o mandato, devido às ameaças recebidas, proclamou que a ameaça a um deputado é atentado contra a própria democracia.

Imediatamente ganhou status de presidenciável junto aos setores mais racionais.

Mas, ao mesmo tempo, foi o interino que assinou um decreto que, na prática, acaba com a Lei da Transparência. O decreto faculta a qualquer funcionário comissionado (isto é, indicado pelo governante de plantão) decretar sigilo para informações requeridas. Hoje em dia, a responsabilidade pelos dados é de Ministros. Estendendo a todos os comissionados, ficará fácil o jogo das gavetas, esconder informações com a censura sendo diluída por vários responsáveis.

Alegou que pretendia apenas desburocratizar. E que a responsabilidade final seria do Ministros. Aventou-se também a hipótese de que eram demandas antigas do Itamaraty e das Forças Armadas. Nenhuma desculpa convincente e todas elas sem respaldo no texto do decreto.

Ao mesmo tempo, surge a proposta do Banco Central de afastar o monitoramento, pela COAF, de parentes de políticos. Mais uma vez, desculpas inverossímeis, de que a medida visava adaptar o país a práticas internacionais contra corrupção. Ora, os parentes são os candidatos naturais a laranjas dos corruptos.

Essas medidas foram anunciadas depois do escândalo Flávio Bolsonaro, passando a suspeita de que Mourão poderia estar se envolvendo para além da prudência na blindagem do primeiro filho de Jair.

Em outros tempos, Mourão já fez críticas duras ao Supremo, chamou o torturador Brilhante Ustra de herói, defendeu o auto-golpe.

Será quase inevitável a substituição de Bolsonaro por Mourão em um ponto qualquer do futuro. Enquanto, em público, Bolsonaro parece um lagarto assustado, Mourão é senhor de si.

A dúvida que fica é sobre a natureza de um eventual governo Mourão. 

Do ponto de vista de mercado, significaria dar chão firme para as formulações econômicas de Paulo Guedes. No plano internacional, significaria tirar o país do centro da galhofa mundial. Mas não se espere nenhum compromisso mais aprofundado com valores democráticos.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Sai um malandro, entra outro.

    Sai um malandro, entra outro. 2 sem nocão, desqualificados, anti-povo. paulo guedes é o maior perigo.

  • Saio na frente.Desde que o
    Saio na frente.Desde que o editor responsavel enveredou pelos caminhos dos jogos de Xadrez do Fim do Governo Bolsonaro,sedimentada e alicerçada principalmente pelo envolvilmento do clã com milicias,apontei o General Mourão como figura central do Governo.Os Xadrez's do editor responsavel já indicava que o clã Bolsonarista já tinha se desintegrado,e meu faro perdigueiro apontou imediatamente o General Mourão como donatario do espolio.Ele percebeu astutamente que a familia Bolsonarista era um amontoado de uns sem nocão,infantis,deslumbrados e especialmente desajutados,incluso ai uma tal de Michelle II.Por certo,o General Mourão não é unanimidade nas Forças Armadas.O problema é que ele,mesmo em completo impedimento,empurrou a bola para dentro,de letra, e fez o gol.Será presciso muito peito para anular o gol.Mais um acerto de um solitario não cadastrado,mas com noção.

  • A maioria de nós, quando

    A maioria de nós, quando comparados a Bolsonaro, vai parecer racional. Mourão não foge à regra. Isso nada significa. Mourão é um general treslocado de pijama, que o exército brasleiro, essa piada com fuzil, forma aos borbotões. Caso sua previsão se confirma, o país vai continuar marchando firmemente na direção do abismo, só que com menos risos e constrangimentos que Bolsonaro nos garante.

  • Saio na frente.Desde que o
    Saio na frente.Desde que o editor responsavel enveredou pelos caminhos dos jogos de Xadrez do Fim do Governo Bolsonaro,sedimentada e alicerçada principalmente pelo envolvilmento do clã com milicias,apontei o General Mourão como figura central do Governo.Os Xadrez's do editor responsavel já indicava que o clã Bolsonarista já tinha se desintegrado,e meu faro perdigueiro apontou imediatamente o General Mourão como donatario do espolio.Ele percebeu astutamente que a familia Bolsonarista era um amontoado de uns sem nocão,infantis,deslumbrados e especialmente desajutados,incluso ai uma tal de Michelle II.Por certo,o General Mourão não é unanimidade nas Forças Armadas.O problema é que ele,mesmo em completo impedimento,empurrou a bola para dentro,de letra, e fez o gol.Será presciso muito peito para anular o gol.Mais um acerto de um solitario não cadastrado,mas com noção.

  • Novas eleições

    Um impeachment, mesmo que pouco provável, se ocorrer agora imporia novas eleições em um prazo de 90 dias. A menos que mais uma pirueta juridica do STF entendesse a interinidade de Mourão como permanente, fato consumado. Se for seguida a lei de que vale uma interenidade de 90 dias? Depois de tantas lambanças o partidinho de Mourão e Levi Fidelix não o poriam nem em um eventual segundo turno. O que faltaria para a extrema direita, preparar o golpe do golpe do golpe?  

    • Não é isso que a Constituição prevê

      Se houver impeachmeant ou renúncia quem assume é o vice. Sempre. As eleições só ocorrerão em caso de DUPLA vacância, da presidência e da vice-presidência, pois o país não pode ficar sem chefe do executivo. 

      Art. 79-81 da Constituição Federal.

      • Nesse caso, as forças

        Nesse caso, as forças progressistas não devem embarcar na onda do impeachment de Bolsonaro. É melhor o abraço de afogado de Bolsonaro em Mourão e Moro. 

  • Se Bozo cair, o Mourão assume

    Se Bozo cair, o Mourão assume temporariamente, porque terá que convocar eleições em 90 dias. Só assumirá a presidência se o Bozo cair depois de 2 anos de mandato. O Brasil está no fundo do poço com Bozo ou com Mourão. Mas o Moro está quietinho tramando sua candidatura caso o Bozo caia. Ele está junto com a globo e seus parceiros da imprensa conservadora dando um empurrão para que isso aconteça. Salve-se quem puder. Triste Brasil. Só as ruas, multidões, para acabar com esse estado ditatorial. 

    • Art. 79, 80, 81 da C.F.

      O vice substitui o presidente em caso de impedimento e o sucede em caso de vaga. Eleições diretas nos dois primeiros anos e indiretas (pelo Congresso Nacional) só se houver dupla vacância dos cargos de presidente e vice, o que não é o caso. Mourão está vivíssimo da silva e pronto pra dar o bote.

  • Lá atrás, acho que em 2013,

    Lá atrás, acho que em 2013, quando ficou patente que o PT não aguentaria o Golpe, orquestrado pelos tucanos (e tucanados) e banca sionista, sob a direção de Hillary Clinton, então candidatíssima à Presidência dos EUA eu cantei  a pedra: NãO ADIANTA OS MILITARES NEGAREM: ELES SERÃO ARRASTADOS PRO MEIO DO FURACÃO. Fora da normalidade democrática ainda é única instituição com credibilidade e coesão suficientes para tentar juntar a baderna em que a elite transforma a nação a seu bel-prazer.

    E agora... rezemos pelo menos pior.

  • Ninguém nesse governo de
    Ninguém nesse governo de aloprados merece crédito antecipado.........

    São contra o povo e o país, e a favor dos saqueadores da nação......

    Quem sabe o país com o vexame que estamos passando aprenda a separar religião com assuntos de estado e a não dar ouvidos a aventureiros alucinados.....

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