Urbanismo inclusivo – O papel social da arquitetura

Jornal GGN – A Folha de S. Paulo de hoje compartilhou a visão do historiador Nicolau Sevcenko – morto aos 61 anos no último dia 13 de agosto – acerca do papel social da arquitetura. O texto foi a orelha do livro do vereador Nabil Bonduki, “Pioneiros da Habitação Social – Volume 1”.

Para Nicolau Sevcenko, debater o urbanismo inclusivo é crucial

Da Folha de São Paulo

Historiador morto neste mês escreveu orelha de livro sobre habitação social

O MOMENTO DECISIVO PARA A MUDANÇA DO PAPEL SOCIAL DA ARQUITETURA FOI CATALISADO PELA PRIMEIRA GUERRA

Um dos últimos trabalhos do historiador Nicolau Sevcenko, morto no último dia 13 aos 61 anos, foi a orelha do livro “Pioneiros da Habitação Social – Volume 1”, de Nabil Bonduki. A obra será lançada pela editora Unesp no início de setembro. Leia abaixo o texto de Sevcenko.

Há uma história alternativa da arquitetura no século 20, que passa ao largo dos grandes mestres e das correntes dominantes, definidoras das narrativas que estabeleceram os paradigmas de referência para os debates, as práticas projetuais e a educação arquitetônica contemporânea. Mas, muito embora essa história possa ser menos vistosa no âmbito acadêmico ou nas lides da profissão, ela é decisiva para o encaminhamento das mais prementes questões sociais, políticas e éticas do mundo industrializado. Trata-se da questão crucial, diversamente denominada conforme o ângulo de abordagem, de arquitetura social, políticas habitacionais ou urbanismo orgânico e inclusivo.

O padrão da urbanização improvisada, tumultuária e precária, desencadeada pelo primeiro momento da industrialização, suscitou nas autoridades reações alarmadas que oscilavam entre os excessos repressivos, higienistas e disciplinadores. Os bairros operários eram áreas estigmatizadas, sob permanente tutela, vigilância e práticas de confinamento.

A saída saudável, contraposta àquela cena ameaçadora, era concebida como uma estratégia de fuga da cena industrial: os centros cívicos de urbanismo refinado, monumental e segregador, a cidade-jardim, o subúrbio elegante.

O momento decisivo para a mudança do papel social da arquitetura foi catalisado pela Primeira Guerra Mundial. A escala sem precedentes de destruição, a disseminação de surtos revolucionários, os deslocamentos demográficos maciços, a crise dos refugiados, tudo convergiu, no pós-guerra, para a reconfiguração do estatuto tradicionalmente estético da arquitetura ou precipuamente técnico do urbanismo, para uma nova e fundamental dimensão ética, política e social. Num texto seminal, “Construir, Morar, Pensar”, Heidegger redefiniu o destino da civilização industrial numa ampliação inédita do papel da arquitetura como o cimento da coesão social, “existir como ser humano significa morar”.

Esse veio crítico seria radicalizado após a Segunda Guerra, suscitando alguns dos mais inspiradores movimentos de transformação social enraizados em projetos de reforma urbana: a crítica de Henri Lefebvre, o movimento Utopie e os Situacionistas na França, os Provos nos Países Baixos, o Archigram no Reino Unido, Domus na Itália e o Team-10 no contexto do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam). As propostas eram várias, mas o substrato era o mesmo, o direito fundamental de todos à moradia digna, de qualidade, integrada à dinâmica da vida urbana e social, em harmonia com o ambiente natural e enriquecida pelas oportunidades de trabalho, transporte, educação, cultura e lazer.

Essa é a grande história do século 20; o mérito extraordinário deste amplo projeto coletivo de pesquisa, articulado e condensado pelo arquiteto, professor e ativista Nabil Bonduki, é exatamente o de contextualizar o Brasil nesse desafio, não apenas para que o compreendamos e nos situemos em relação a ele, mas sobretudo para que possamos interagir crítica e diretamente com sua pauta transformadora e emancipadora. Um trabalho prodigioso pela escala e acuidade analítica, mas ademais oportuno, inspirador e de irresistível apelo solidário. Essa pesquisa imprescindível traz um apelo para que transformemos o desafio dos pioneiros nas respostas concretas, dignas e urgentes do nosso tempo.

 

Redação

1 Comentário

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  1. A pergunta é:  Porque TODOS

    A pergunta é:  Porque TODOS os grandes conjuntos habitacionais que se constroem no Brasil com FINANCIAMENTO PUBLICO, especialmente da Caixa Economica Federal, existem conjuntos imensos verticais em torno de São Paulo, Jundiai e Campinas, NÃO TEM UM TRAÇO DE ARQUITETURA?   São caixotes HORRENDOS de concreto, não tem um sinal de bom gosto, de civilização, de harmonia? Porque a CAIXA não exige um concursos arquitetonico nesses mega conjuntos FEISSIMOS? A moradia popular não precisa ser horrenda, pavorosa, sem arte, sem verde, sem cores.

    É um,erro de ignorancia achar que a arquitetura encarece a obra, É O CONTRARIO, a arquitetura pode geralmente reduzir o custo e encontrar soluções mais harmoniosas e economicas, a arquitetura brasileira fez MAGNIFICAS OBRAS em moradias populares, como o conjunto MARQUE DE SÃO VICENTE, no Rio de Janeiro, que sai em revistas de arquitetura em todo o mundo.

    O problema é a ignorancia, incultura, rudeza DOS ADMINISTRADORES PUBLICOS QUE NÃO FAZEM CONCURSO ARQUITETONICO para financiar com grandes recursos moradias populares tão feias que convidam à má conservação,

    depois de dez anos viram cortiços pichados e em estado de decomposição, ai já ninguem mais paga a prestação e vira area invadida.

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