O estrago da Selic e o novo Banco Central, por Luís Nassif

Não se aprendeu o básico na indicação de pessoas para cargos com mandato. Não há nenhuma relação de lealdade a quem o indicou

‘No mundo, as taxas de juros pra pessoa física estão na faixa de 4 a 6% ao ano. Aqui, é isso por mês’. Sistema financeiro, em especial o brasileiro, opera praticamente sem responsabilidades sociais ou econômicas – Marcos Santos/USP Imagens

Uma das grandes fraudes analíticas dos últimos dias foi a tentativa de atribuir às críticas de Lula ao Banco Central a queda na bolsa de valores.

Ora, a bolsa é constituída de ações de empresas. E o índice Bovespa é uma média das cotações de todas as empresas.

Analise, abaixo, gráficos de desempenho de ações em dois setores: varejo e saúde.

Na saúde, a Hapvida teve queda de 87,8% em relação ao pico de 11.01.2021; a Qualicorp desabou 91,8% em relação ao pico de 23.01.2020; e a Rede D´Or teve queda de 72,3% em relação ao pico de 24.08.2021.

No varejo, o quadro não é pior. Nem se vale da Americanas, quase virando pó. Mas as Lojas Renner tiveram queda de 66,2% em relação ao pico de 23.01.2020; Magazine Luiza queda de 88,2% em relação ao pico de 05.11.2020; Via S.A queda de 91,2% em relação ao pico de 22.07.2020.

Esse quadro mostra a necessidade de acelerar a queda da Selic.

Já escrevi aqui que a tática da Fazenda – de tentar conquistar a confiança do mercado e apresentar um arcabouço fiscal confiável – pode ser bem sucedida para tempos normais, não para a tempestade que se avizinha.

O conceito apresentado é correto: uma regra anti-cíclica. Ou seja, que permite aumento de gastos quando a economia estiver em queda e contenção de gastos quando estiver aquecida. Ao mesmo tempo, promete reequilíbrio fiscal até 2024.

Parece um desafio maior que a quadratura do circo.

Para conseguir equilíbrio fiscal no próximo ano, teria que contar com uma economia aquecida. Na melhor das hipóteses, se o Banco Central for convencido pela nova norma fiscal, na próxima reunião fará um pequeno aceno de boa vontade. Depois, até o final do ano, no máximo concederá um ou dois pontos de redução na taxa Selic – uma queda insignificante para enfrentar a crise que já chegou.

Tudo isso dando um voto de boa vontade a Roberto Campos Neto, esquecendo seu viés bolsonarista e sua ostensiva incompreensão sobre o funcionamento da economia real.

Pelo menos, a reação da opinião pública – mercado e PT -, aparentemente fez a Fazenda desistir da nomeação, para o Banco Central, de um operador de mercado, que nas últimas décadas trabalhou para a família de Jorge Paulo Lemann.

Não se aprendeu o básico na indicação de pessoas para cargos com mandato. Depois de indicado, é uma outra pessoa, sem nenhuma relação de lealdade ou subordinação a quem o indicou. É como Ministro do STF. O grande comandante do operador de mercado será obviamente o mercado, ainda mais se não tiver conhecimento maior de política monetária. Fará o que o mercado quer, porque, saindo do BC, voltará para o mercado.

Por isso mesmo, o rumor de que o indicado poderá ser Igor Rocha, economista-chefe da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) trará um novo alento à luta por juros razoáveis, embora não se conheça sua experiência com política monetária.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. O problema de dizer que o … problema é o Campos Neto é que se trocar ele vão precisar de outro “problema” …

    Mas os juros estão altos e este um dos poucos sites em que mercado não é somente mercado financeiro.

    O “mercado” reagiu mal … num guento mais ouvir isto !!

  2. Os comentarista de economia, os honestos,sabem que a autonomia do BCB é uma balela, basta dar uma examinada no perfil dos MARKET BOYS, para sabermos qual serão as decisões tomadas por eles. Os integrantes do COPOM, são crias do mercado financeiro e estão a serviço deste, embora recebam salário do estado, usam dados fornecidos pelo mercado, são doutrinados para usarem o aumento de juros, como única alternativa no combate a inflação. Mesmo fazendo esforço hercúleo de boa vontade para considerá=los honestos, não resta dúvida quanto as suas decisões: obedecer aos ditames do mercado. O combate a inflação é um processo muito sério para ser administrado por agiotas. e não pode ser reduzido a apenas ao excesso de demanda. É preciso entender que para o mercado, não interessa o chamado equilíbrio das contas públicas, eles o usam como pretexto para melhor extorquir as vítimas. Imaginem um agiota aconselhando sua vítima a controlar os gastos para não pagar juros altos, comovente não? Concluo dizendo que ao mercado financeiro, interessa o descontrole das contas públicas, mas sob o seu controle. Não é a toa, que eles tem a chave do cofre desde o governo do FHC

  3. “Depois de indicado, é uma outra pessoa, sem nenhuma relação de lealdade ou subordinação a quem o indicou. É como Ministro do STF.”
    Os 2 do STF indicados pelo Bozo contradizem está regra

  4. Lula e Haddad usaram a tática do mau policial e do bom policial em cima de Bobbynho Fields. Não deu em nada e nem dará porque a lei o protege no cargo.E não adianta o ingênuo do Haddad achar que assim que for anunciado o arcabouço fiscal Bobbynho vai baixar os juros bem. É que nem sequestrador: assim que você cumpre uma exigência, ele já faz outra sem seguida. O plano de Bobbynho é matar dois coelhos numa só cajadada: juros altos aumentam o lucro da gente do mercado ( à qual pertence ) e ao mesmo tempo impede que Lula faça um governo de recuperação econômica forte – no máximo, os que mandam de fato no país querem que Lula dê o mínimo do mínimo que foi retirado do andar de baixo desde Temer – um curativo para dar conta de um corte de facão. Não vejo como sair dessa arapuca a não ser com a vinda do Senhor Crise, no caso uma crise de crédito que ameace até o sistema bancário. Numa parábola futebolística, penso que o momento é igual ao primeiro jogo da Argentina na copa contra a Arábia Saudita. Uma derrota inesperada que serviu para a equipe ver que ela deve jogar de forma diferente se não quisesse fracassar.

  5. Arcabouço fiscal ‘sólido e crível’ pode facilitar queda da inflação, diz Banco Central. Oxente. A taxa de juros estratosférica não é suficiente para derrubar a inflação? Kkkkkkk. Bananistão Jenial

  6. “Não se aprendeu o básico na indicação de pessoas para cargos com mandato. Depois de indicado, é uma outra pessoa, sem nenhuma relação de lealdade ou subordinação a quem o indicou. É como Ministro do STF.” —– O caso mais vistoso é o do ministro Força na Peruca Fux, entre outros.

  7. Se considerarmos uma variação “típica” e contínua de -0,25% a cada 2 meses “Copom”, chegaremos ao final do mandato Lula III com uma taxa de 9,25% a/a. Os “exemplares” EUA tem uma inflação de 6,5% e acabaram de aumentar a taxa para 4,5-5%, Precisa dizer mais?
    Os vagabundos que herdarem uma pequena mansão, fazenda, imóvel de praia, campo ou montanha, empresinha que valha “mísero” 1 milhão, obras de arte ou outros bens dos pais poderão continuar balançando numa rede com uma “merreca” de 12 mil pra mais por mês. Já quem “pega 10 milão” irá para 120 milas per mês. Produzir pra que, némêz?
    Tamu tudu (resto) juntu pra pagar quase metade dos impostos que pagamos pra eles.
    Fora o que roubam do que sobra, seja direto ou através da renda de patrimônios que pagamos lá atrás e eles compram (os lucros da operação) por uma fração do valor.
    Este é um “economy portrait of braZil”.

  8. A taxa selic transformou-se em uma espécie de imposto que o “mercado” manda – já que
    mandam no Banco Central – para “tributar” o governo. E amelhar dinheiro do povo
    brasileiro.

    Já que o governo não tributa as grandes fortunas. As grandes fortunas encontraram um
    jeito de tributar o governo. Para isso criaram um base poderosa que é a dívida pública.
    Eles endividaram o governo (“eles” é o Paulo Guedes) para criar essa base. E de quebra
    “privatizaram” para eles o Banco Central. Tá dominado.

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