“Não ousei duvidar sobre a decisão que fosse pela vida ou pela economia. Nós optamos pela vida”

Em entrevista à TVGGN, o prefeito Edinho, da cidade de Araraquara, e o prefeito Ulisses Maia, de Maringá, contam como estão enfrentando a pandemia diante um governo federal “muito ausente”

por Duda Cambraia*

Jornal GGN – As cidades de Araraquara e Maringá viraram referência no combate à pandemia do novo coronavírus quando decidiram adotar medidas restritivas e imediatas de isolamento social, como fechar o comércio local e suspender aulas. A política de enfrentamento à Covid-19 passou também pela aposta no pagamento de um auxílio emergencial alternativo e a participação da sociedade na tomada de decisões. Os prefeitos Edinho Silva (PT) e Ulisses Maia (PSD) relataram as experiências em entrevista à TVGGN, com Luis Nassif [assista ao final].

Depois de ficar em lockdown do dia 21 de fevereiro ao dia 02 de março, Araraquara registrou uma queda de 74% nos casos confirmados. Em março, segundo pior mês da pandemia no país, Maringá relatou uma queda de 260% nos casos de Covid.

O prefeito de Araraquara, cidade do interior de São Paulo, Edinho Silva, explica que desde o início da pandemia tem criado um ambiente democrático de diálogo para tomar medidas mais duras, como o lockdown.

“A gente mantém esse conceito de participação popular e eu penso que ele é bem importante agora na pandemia. Claro, você tem criticas, tem setores econômicos que sempre vão ser um pouco mais ácidos, mas ninguém pode negar que não tenha diálogo com a prefeitura”, relata.

Desde seus primeiros mandatos, de 2001 a 2008, Edinho busca implantar uma gestão participativa e, agora, com durante a crise sanitária, instalou novas iniciativas e impulsionou outras medidas para incluir a população nas decisões. “Nós temos feito encontros toda vez que precisamos tomar alguma medida, eu tenho dialogado com todos os agentes econômicos e também com os sindicatos dos trabalhadores”, explica.

Já o prefeito de Maringá, no interior do Paraná, Ulisses Maia, lembra que desde o começo da crise sanitária, existe na cidade um comitê dentro da Secretaria de Saúde para repassar informações à população.

Maringá foi uma das primeiras cidades do Brasil a decretar medidas restritivas em 2020 e o prefeito diz que apesar das críticas, ele não vacilou no momento de adotar ações consideradas impopulares. “Eu não ousei, em nenhum momento, duvidar sobre a decisão que fosse pela vida ou pela economia. Nós optamos pela vida”, esclarece, rebatendo a falsa polarização criada por Bolsonaro. Ele lembra que o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, admite que “sem vidas não há economia”.

O prefeito Edinho avalia a gestão do governo federal sob Jair Bolsonaro como omissa. “A gente, por incrível que pareça, está torcendo para que o Congresso tenha lucidez, torcendo para que o Supremo tenha lucidez, porque efetivamente nós estamos vendo, na minha avaliação, uma desorganização governamental muito grande no meio de uma pandemia que está matando.” Até aqui, a Covid-19 já tirou a vida de 414 mil brasileiros.

Edinho lembra a situação do estado do Amazonas no final de 2020, quando foi confirmada a existência de uma nova cepa do coronavírus no Estado. Naquele final de ano, em nível nacional, Bolsonaro suspendeu o pagamento do auxílio emergencial, e a medida levou meses para ser retomada. Enquanto isso, cidades como Manaus viveram semanas dramáticas com a falta de insumos básicos para hospitais, como oxigênio.

“Esse governo cometeu um crime de responsabilidade que está levando a maior tragédia humanitária da nossa história”, opina. Edinho ainda complementa dizendo que “o governo às vezes não tem sensibilidade e fica com discursos contra os municípios, contra os prefeitos, uma coisa que chega a ser infantil”.

O prefeito de Araraquara acredita que o governo federal poderia se apropriar das iniciativas municipais na guerra contra a Covid-19, mas para isso seria necessário “um governo central que tenha a sensibilidade com as experiências dos municípios e que entenda, efetivamente, o que os municípios estão fazendo para vencer toda essa desgraceira gerada pela pandemia”.

Em Maringá, a sociedade civil organizada também tem voz junto à Prefeitura, a partir de um conselho comunitário e ativo criado há mais de 20 anos para reivindicar ações efetivas. O conselho perdura até os dias atuais. “A sociedade civil, ela é extremamente participativa, nós temos aqui um conselho de desenvolvimento econômico, que foi formado pela associação comercial, onde todas as entidades estão reunidas e trabalham ao lado do poder público nas sugestões, cobranças, ajudando a cobrar governo federal e governo estadual”, relata Ulisses Maia.

Ações efetivas durante a pandemia

Maia reforça que, enquanto a maior parte da população não estiver imunizada contra  Covid-19, apenas o isolamento social e outras medidas de segurança serão efetivas na diminuição do contágio.

Em entrevista à TVGGN, o prefeito ressalta que nenhum sistema de saúde do Brasil, público ou privado, suporta uma demanda excessiva por leitos. “Temos aqui quatro hospitais privados e desses, três hospitais fecharam, pararam de atender alguns dias durante essa crise de fevereiro e março. O SUS mostrou um resultado muito intenso aqui em Maringá, não morreu ninguém por falta de UTI, por falta de oxigênio ou por falta de remédio”, conta.

Do ponto de vista social, Maringá não é uma cidade com muita miséria, relata o prefeito. Na pandemia, a prefeitura criou novas iniciativas de ordem socioeconômica e recebeu o apoio de mais de 100 entidades de assistência social. “Nós entregamos milhares de cestas de alimentos no ano passado e um cartão de compras de noventa reais durante todo o ano”, completa.

Além disso, o prefeito lembra que quando o auxílio emergencial ainda estava sendo discutido em Brasília, Maringá já estava o colocando em prática por conta própria. “Nós fizemos nosso auxílio emergencial de seiscentos reais, foram três parcelas de duzentos. Com esse auxílio, nós vamos atingir aproximadamente dez mil famílias. Nós criamos também o auxílio renda para o pessoal de eventos, faremos o primeiro pagamento de mil reais em duas parcelas”, aponta Ulisses.

Seguindo o conceito de gestão participativa, Araraquara mantém conferências municipais para elaborar os planos municipais para cada área do setor público, além do orçamento. “Nós criamos, desde 2020, uma rede de solidariedade que tem funcionado muito. Além disso, nós estamos fazendo cortes e jogando dinheiro na saúde”, explica Edinho. “Nós vamos gastar, até o mês de maio, pela nossa projeção, 50 milhões de reais só no enfrentamento à pandemia”, diz. “O município hoje tem mais de 120 leitos criados agora, tanto no hospital de campanha, como uma outra unidade que nós abrimos leitos custeados majoritariamente pelo município”, conta à TVGGN.

Além da pandemia do novo coronavírus, o prefeito de Araraquara revela que também teve que tomar medidas emergenciais para evitar a epidemia de dengue. “Nós criamos uma frente de trabalho só para cuidar das medidas de dengue para que a gente não tenha junto com a pandemia, uma epidemia”, explica.

Sobre a garantia de renda para a população mais vulnerável em meio à crise, Edinho cita a “bolsa cidadania, parecido com o Bolsa Família [programa de transferência de renda do governo federal], só que nós exigimos como contrapartida do beneficiário o curso de requalificação profissional, que são feitos nos CRAS [Centros de Referência em Assistência Social”, conta.

“Mandamos para a Câmara um programa porque como a situação das famílias em vulnerabilidade aumentou muito, nós queremos um programa para cuidar de criança adolescente jovem esse está fora da escola, aquele jovem que é a presa fácil para criminalidade,para drogadição e para prostituição”, completa Edinho.

Apenas por programas municipais, Araraquara já atendeu 4 mil famílias. Com o Bolsa Família e projetos de segurança alimentar, esse número ultrapassa 20 mil. “É impressionante como a desorganização familiar quase empurra a criança adolescente para uma vulnerabilidade extrema. Quando você garante uma renda para a família, seja ela qual for, você cria ali uma condição para, minimamente, essa família se reestruturar”, desabafa o prefeito.

As dificuldades dos municípios

Ainda no contexto das omissões do governo Bolsonaro, Edinho expõe os obstáculos de Araraquara e de outros municípios. “É aqui, como ente federado, que o paciente bate à porta das unidades de saúde. É aqui que você tem que ter capacidade de testagem, ampliar leitos para que não tenha o colapso no sistema de saúde; o município tem que se virar, inclusive num gesto solidariedade, o município ajudando outros, cedendo os insumos para intubação. É aqui que a fome está batendo à porta das prefeituras, a miséria, o abandono, a prostituição de adolescentes, a cooptação de meninos pelo tráfico de drogas. O município tem que responder a tudo isso”, desabafa.

Ulisses Maia, de Maringá, segue na mesma linha. “O que acontece é que a grande parte dos municípios do Brasil está com muita dificuldade financeira e sem capacidade de investimentos”, explica. Maia precisou passar alguns impostos para o segundo semestre. “A gente cuida da saúde, mas também estendemos o braço”, relata.

Para a cidade, a questão do transporte público é “um problema gravíssimo”. “Nós asseguramos a tarifa dois anos, ela está congelada em quatro reais e trinta centavos. Nós tínhamos em torno de 130 mil pessoas por dia no transporte coletivo, hoje não chega a 40 mil”, explica Maia. Essa queda é vista em todo o Brasil. Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), as empresas de ônibus urbanos tiveram um prejuízo de 9,5 bilhões de reais no ano passado. “Em termos de depois da pandemia, uma das consequências mais graves é o transporte”, completa o prefeito de Maringá.

Na visão dele, é necessária uma reforma tributária para equacionar as responsabilidades. “Você passa a responsabilidade para os municípios e não passa o devido recurso para atender”, diz. “O municipalista ele vai se consolidando como o local onde se soluciona problemas diretamente das pessoas e acredito que isso basicamente depende da reforma tributária. Primeiro, aliás, depende da rediscussão do sistema federalista brasileiro, mas acredito que isso não vai se discutir agora”, acrescenta.

Assista às entrevistas, na íntegra, abaixo:

  • * Estagiária sob supervisão
Redação

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