Bolsonaro: projeto neocolonial e desprezo da educação, por Roberto Bitencourt

Bolsonaro e seu ministro da Educação, Abraham Weintrab, demonstram grande hostilidade ao conhecimento das Ciências Humanas, Filosofia e Sociologia

Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro, o projeto neocolonial e o desprezo pela educação
Por Roberto Bitencourt da Silva

As recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro e do seu ministro da Educação, Abraham Weintrab, demonstram grande hostilidade do grupo político no poder em relação às áreas de conhecimento das Ciências Humanas, particularmente, como Bolsonaro deixou claro, com a Filosofia e a Sociologia.

Segundo o reacionário e ultraentreguista presidente, tratam-se de investimentos inócuos, canalizados para campos de estudo que não “respeitariam o dinheiro do contribuinte”. De acordo com o ministro, o dinheiro público deve ser destinado a faculdades que gerem retorno de fato, como enfermagem, veterinária, engenharia, medicina.

A princípio, se pode argumentar que essa indisposição com a Filosofia se deve a motivo bastante elementar: a turma do governo federal, seus adeptos na sociedade e aliados políticos, têm verdadeiro horror do saber. Amor hedonista à vulgaridade e ao dinheiro. Conhecimento “cansa”, “é chato”, “inútil”. Impossível digerir.

Em relação à Sociologia, bastaria lembrar do pai da disciplina, o francês Émile Durkheim. Toda a sua obra destacou o condicionamento dos indivíduos por forças coletivas, sociais, externas. Um dos pressupostos, diga-se, mais básicos da matéria de Durkheim.

Crítico ácido do individualismo liberal, esse traço da perspectiva do francês ainda guarda matiz canônico no tipo de pensamento formulado pelos estudos sociológicos. Desse modo, para agentes políticos imersos no liberalismo mais vulgar e rastaquera, que a tudo atribui às escolhas dos indivíduos, é claro, impensável lidar bem com a Sociologia.

Para quem não tem qualquer proposta de geração de emprego e só age em função de alternativas que promovem recessão e amplo desemprego, enorme precarização do trabalho, a cantilena do empreendedorismo da turma no poder não tem como ser conciliada com a Sociologia: “A sociedade não existe, só indivíduos”, diria dona Thatcher. Os bolsonaristas batem palma de pé para a rainha do neoliberalismo/neocolonialismo.

Não existem fatores, influências sociais que regulem as escolhas e os destinos das pessoas, é o que sugere o atomismo individualista do bolsonarismo. Mas, os “desígnios de Deus são tudo”, na fórmula (pseudo)religiosa também apropriada pelo bolsonarismo. Miséria campeando, dificuldades mil na vida, tudo a ser superado por uma “aposta em Cristo” – pobre Jesus… – e na crença motivadora do além. Para esse tipo de visão a Sociologia é descartável. E incomoda.

Todavia, tudo isso é muito técnico. Em verdade, o governo Bolsonaro não pretende deixar de investir nas áreas de Ciências Humanas para privilegiar as áreas Biomédica e Tecnológica. Isso é conversa furada. Apoiou o ex-presidente golpista, Michel Temer, na PEC do teto dos gastos públicos, que restringe os investimentos em educação por 20 anos. Bolsonaro detesta a universidade pública e a educação, como um todo. O que não deixa de manifestar alinhamento com o seu projeto de conversão do Brasil em colônia dos EUA. Senão, vejamos.

O conhecimento é holístico e, direta ou indiretamente, os peculiares saberes se entrecruzam, se retroalimentam e dialogam. A produção efetiva do conhecimento, da pesquisa, não consegue se limitar, a ferro e fogo, a objetos de estudo e fenômenos sociais ou naturais delimitados pelas fronteiras das disciplinas.

Por exemplo: uma fera na área de Informática, como tantas meninas e tantos garotos que têm por aí, precisaria ter noções e capacidade de pesquisa em outras áreas para elaborar um game. Demandaria informações e dados outros obtidos em outras áreas, de sorte a construir narrativas do jogo, disponibilizar inúmeras possibilidades e opções de gestos e escolhas para um jogador. Isso requer sensibilidade e subjetividade que não se encerra na área propriamente técnico-científica aplicada.

Inventividade, inovação e criatividade demandam e implicam um comportamento, uma habilidade e uma curiosidade, uma vontade de saber, uma abertura para além do umbigo do campo específico de atuação e conhecimento.

Bolsonaro, pois, não irá investir mais em outras áreas. Como deixou claro em outra oportunidade, o vulgar e ultraentreguista presidente tem em vista uma educação voltada a oferecer a capacidade de leitura, escrita e de “fazer contas” associada a um “ofício”.

Isto é, nada mais, nada menos, que uma perspectiva educacional remota, velhíssima, sobretudo reservada para a formação dos/as filhos/as das classes trabalhadoras, populares e de frações importantes dos estratos médios: a do ensino primário articulado ao saber rudimentar de algum ofício operacional. Esse é o alvo, de fato, para a educação brasileira.

Contudo, Bolsonaro não peca por incoerência. Na esteira do projeto defendido pela oligarquia financeira estrangeira e pelo capital internacional, assim como preconizado, descaradamente, pelas classes dominantes domésticas – homogeneizadas por um padrão de aliadas sabujas e dóceis do capital estrangeiro –, projeto de rebaixamento do perfil da economia brasileira a um status neocolonial, um projeto que alçou voo após o golpe de 2016, o presidente assume abertamente estar a seu serviço.

Um projeto neocolonial despudorado e repugnante. Economia injustificada, miserável, ampla e crescentemente desnacionalizada, orientada pela atividade primário-exportadora (“Agro é pop”, recordam-se?). Típico “lumpen-desenvolvimento”, segundo a oportuna e esclarecedora categoria descritiva do economista Samir Amin.

De modo que, colônia não cria. Não inventa. Colônia não pensa. Não imagina. Colônia tem à mão, única e exclusivamente, trabalho bruto, rudimentar e meramente operacional. Outros que pensem e dirijam a colônia. Uma colônia dispensa educação mais densa. É refratária à produção do conhecimento. Detesta engenho criativo e pensamento crítico. Internalizar o domínio tecnológico básico e aplicado? Nem pensar. Todo produto, técnica, saber ou equipamento mais elaborado, claro, é importado do olimpo metropolitano.

Sejamos francos: ou teremos um País soberano e uma educação adensada ou teremos Bolsonaro – ou qualquer personagem equivalente a personificar a destruição colonial da Pátria. O atual e desqualificado presidente é uma antítese de qualquer coisa que simbolize soberania, identidade, criação, autoestima e vida nacional.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

Redação

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