Crise

Lula, os Militares e a Ética da Responsabilidade, por Jorge Alexandre Neves

Lula, os Militares e a Ética da Responsabilidade

por Jorge Alexandre Neves

          Neste dia 28 de março de 2024, dois dos principais podcasts diários da mídia brasileira (O Assunto, da Globo, e Café da Manhã, da Folha de São Paulo) trataram de formas diferentes e complementares da questão dos militares e da tentativa de golpe de estado de 2022-23. No podcast Café da Manhã, nossa querida colega Heloisa Starling reforçou sua dura conclusão (em suas palavras: “um desastre”) sobre a decisão do presidente Lula de que seu governo não fará nenhuma cerimônia oficial referente aos 60 anos do golpe militar de 1964. Ela pontuou, com razão, que essa decisão revela que continuamos vivendo sob tutela militar. Eu diria mais, depois da passagem de Bolsonaro pelo palácio do planalto, os militares tornaram-se algo pior do que “tutores” do nosso regime republicanos, eles são hoje uma “espada de Dâmocles” pairando sobre a democracia brasileira. Uma série de evidências – parte delas descrita no episódio de hoje do podcast “O Assunto” – me leva a concluir que, hoje, o alto oficialato das forças armadas brasileiras conta com dois grupos principais: os golpistas resignados (aqueles que, no fundo, gostariam de poder dar um golpe, mas se opuseram a ele por serem pragmáticos, como os últimos comandantes do exército e da aeronáutica) e os golpistas frustrados (aqueles que apoiaram o plano golpista e ficaram frustrados com seu fracasso, como o último comandante da marinha).

          Eu gostaria de elencar fatos que considero fundamentais para a discussão sobre este próximo primeiro de abril:

  • O áudio vazado do então comandante militar do leste, o hoje comandante do exército, Gal. Tomás Paiva, que um site de esquerda chamou de “pavoroso” (https://www.ocafezinho.com/2023/02/28/o-pavoroso-audio-do-general-tomas-paiva/). Nele, o general basicamente diz que todos nas forças armadas lamentam, mas um golpe de estado para impedir a posse de Lula era inviável, bem como que a “família militar” compõe a bolha de extrema direita, mas que existem muitos brasileiros que pensam diferente.
  • A troca de mensagens entre os coronéis Mauro Cid e Jean Lawand Jr., no qual este diz para aquele que “se a cúpula do EB não está com ele, de divisão para baixo está” (https://veja.abril.com.br/brasil/exclusivo-arquivos-do-celular-de-mauro-cid-detalham-plano-do-golpe). Ele queria dizer que, dos generais de divisão (três estrelas) para baixo, todos apoiavam o golpe (ou seja, são todos hoje golpistas frustrados).

          A partir das evidências postas acima, fica claro que o alto oficialato brasileiro está tomado pelo golpismo. Os membros do comando do exército, formado por generais de quatro estrelas, não aderiram ao golpe, em sua maioria, fundamentalmente porque foram avisados por importantes mensageiros dos EUA, de que não contariam com o apoio do governo de Joe Biden e que sofreriam pesadas sanções, como foi mostrado no podcast O Assunto, com base em informações que já haviam sido publicadas na imprensa internacional (https://www.ft.com/content/07533564-2231-47a6-a7b8-2c7ae330efc5) e nacional (https://piaui.folha.uol.com.br/o-dia-em-que-brasileiros-pediram-ajuda-aos-estados-unidos-para-barrar-um-golpe-de-bolsonaro/ e https://brazilian.report/power/2023/06/14/a-crise-de-semicondutores-poderia-ter-custado-a-democracia-brasileira/). Temos vivido coisas novas no Brasil, e uma delas é ver Tio Sam se posicionando contra um golpe militar por aqui.

Todavia, precisamos considerar que:

  • Esta posição dos EUA pode mudar radicalmente, caso Donald Trump volte à Casa Branca. Há quem já esteja temendo que, se voltar ao poder, Trump irá buscar, inclusive, politizar as forças armadas dos EUA (https://www.nbcnews.com/politics/2024-election/trump-military-fears-rcna129159).
  • Quando o presidente Lula diz que o que interessa a ele é o golpe de 08/01/2023, ele está mostrando que sua prioridade é que as instituições do Estado, em particular o MP e o Judiciário, consigam condenar militares de alta patente (mesmo que da reserva), algo inédito no Brasil, desde a década de 1950.

          Diante do cenário posto para ele, acredito que o presidente Lula age movido pela ética da responsabilidade, ou seja, faz o que precisa ser feito, não o que ele gostaria de poder fazer. Alguém realmente acredita que ele não gostaria de poder agir de forma diferente em relação a este 01/04/2024? Ocorre que ele precisa fazer uma aliança com os “golpistas resignados”, aproveitando, inclusive, que estes têm sido alvos de ataques dos “golpistas frustrados”. Assim, o presidente Lula ganha tempo para governar e, assim, tentar fazer o Brasil se afastar da ameaça golpista e voltar a ter uma relativa estabilidade democrática. Não é o melhor dos mundos, mas é o que temos para hoje! Caberá à sociedade civil fazer a memória do horrendo golpe de 01/04/1964!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepautaggn@gmail.com. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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  • A melhor análise que eu li sobre a postura do Presidente Lula sobre 1964. Exatamente como eu penso mas jamais conseguiria ser tão clara, obrigada Professor Jorge Alexandre Neves.

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