Pesquisadores do Museu Nacional e museólogos temem pelo futuro da pesquisa no país

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Bombeiros tentam apagar o incêndio que atingiu o Museu Nacional no domingo (2) / Tânia Rego/Agência Brasil

Bombeiros tentam apagar o incêndio que atingiu o Museu Nacional no domingo (2) - Créditos: Tânia Rego/Agência Brasil

do Brasil de Fato

Pesquisadores do Museu Nacional e museólogos temem pelo futuro da pesquisa no país

Especialistas denunciam desmontes e negligência pública que levou ao incêndio do museu no domingo (2)

por Júlia Dolce

Décadas de austeridade sobre o orçamento do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, instituição científica mais antiga do país, tiveram como consequência o incêndio que destruiu seu acervo, o maior de história natural e antropologia da América Latina, neste domingo (2). Indignados, pesquisadores e museólogos denunciam a negligência do poder público e temem pelo futuro da ciência e pesquisa no país.

Desde 2013, o valor repassado à instituição, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vem caindo consistentemente. De já ínfimos R$ 531 mil em 2013, o museu terminou 2017 com o repasse de R$ 346 mil e recebeu, até abril deste ano, apenas R$ 54 mil. De acordo com a direção do Museu, que chegou a fechar as portas em 2016 por incapacidade de pagar seus trabalhadores terceirizados, as verbas eram apenas suficientes para cumprir medidas paliativas.

A direção destacou também que o Museu esperava há três anos a efetivação de um contrato de restauração de R$ 21,7 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), aprovado finalmente em abril deste ano, quando a instituição completou a efeméride de 200 anos. O Museu receberia em outubro a primeira parcela do contrato, um total de R$ 3 milhões. Entre as exigências do contrato, estava a implantação de um projeto de combate a incêndios. Para a antropóloga Adriana Facina, pesquisadora e professora do Museu, a tragédia era anunciada.

“O que acontece é que com as verbas sempre insuficientes as administrações apenas atendiam o que era mais urgente, um teto caindo, um vazamento, coisas mais imediatas. Para essa questão do incêndio necessitava uma mudança estrutural, e essa verba nunca foi conquistada. Não só os trabalhadores, mas o próprio público percebia. A manutenção do Museu não é rentável e a gente é conduzido pelos interesses do capital rentista. Isso não é transformável em dinheiro, em nada que interesse a eles. Então realmente não tem incentivo”, pontuou.

O Museu Nacional chegou a realizar inclusive um financiamento coletivo virtual para possibilitar a reabertura daquela que era uma das salas mais importantes de seu acervo, onde ficava a instalação do dinossauro Dino Prata. Para o pesquisador Antônio Carlos de Souza Lima, desde 1975 integrante do Programa de Pós-graduação em Antropologia Visual do Museu Nacional, foram os próprios técnicos do Museu que seguraram seu funcionamento por tanto tempo.

“Nós, técnicos, demos o sangue por isso aqui. Fomos nós que mantivemos isso, levantando financiamento, buscando recursos, nada disso veio de graça. Nada disso veio orçamentarizado dentro do orçamento da UFRJ. Os reitores sequer receberam esse recurso. Isso todo nós conseguimos produzindo, trabalhando. São amarras burocráticas, ausência de financiamento, confusão entre órgãos públicos. Eu vi muitas tentativas de muitas direções e vi sempre as pessoas planejarem, criarem, proporem, e isso não dar em nada, por cair justamente. Para mim, que estou aqui há 38 anos, é mais da metade da minha vida que foi embora”, afirmou.

De acordo com o museólogo André Andion Angulo, técnico do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em 2014, os servidores da cultura realizaram uma greve que tinha como pauta a questão da precariedade e segurança nos aparelhos públicos de entretenimento e cultura, no contexto dos megaeventos que foram hospedados no país, e na exigência de que esses aparelhos continuassem abertos para suportar o público visitante, independentemente das condições necessárias. Ele afirma que a mobilização levou a um levantamento alarmante: a maioria dos museus federais do país pode estar em risco.

“Tivemos a greve, e ela foi judicializada, decretada ilegal pelo Supremo Tribunal de Justiça. Na época ganhamos no mérito e conseguimos configurar que os museus do Ibram, com exceção de dois, não têm alvará de funcionamento nem licenciamento do Corpo de Bombeiros. Estou falando de 28 dos maiores museus do Brasil: o Museu da República, o Belas Artes, o Museu Imperial, o Villa Lobos. O Ibram criou um plano de gestão de riscos e isso acabou sendo engavetado”, denunciou.  

Desmontes

Para muitos especialistas, o incêndio no Museu Nacional representa um ápice do contexto de desmonte da cultura, da pesquisa, e da ciência brasileira, que vem sendo colocado em prática principalmente após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016. Uma das primeiras ações do presidente Michel Temer (MDB), por exemplo, foi o fechamento do Ministério da Cultura (MinC), amplamente criticado em uma grande mobilização nacional.

Logo em dezembro de 2016, a aprovação da Emenda Constitucional 95 congelou os investimentos públicos do país pelos próximos 20 anos. Já em 2017, o orçamento para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações foi reduzido a R$ 2,8 bilhões, menos que um terço do valor destinado à pasta em 2010 e menos da metade do valor destinado em 2005.

Há exatamente um mês, o conselho superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (Capes), principal instituição responsável pela bolsa de pesquisadores no país, afirmou que 200 mil bolsas podem ser suspensas a partir de agosto de 2019, entre as quais 93 mil de pós-graduação, caso o orçamento para o próximo ano não seja discutido.

Na opinião de André, o incêndio no Museu Nacional foi praticamente um retrato dessa situação. “As ciências surgem no âmbito dos museus no país, e a gente ter a primeira instituição científica e museológica do país ardendo em chamas ontem é praticamente um retrato do que está sendo legado ao país em relação à pesquisa, à ciência, à tecnologia e à educação, e por conseguinte, à cultura. Perdemos 200 anos de processos científicos e museológicos, mas os acervos mais antigos ali tinham 12 mil anos. Parte da história da humanidade foi extinta ontem naquele incêndio”, destacou.

Segundo João Brant, ex-Secretário-Executivo do Ministério da Cultura no governo Dilma, não há projeto a longo prazo por trás dos cortes nos investimentos que o país vem sofrendo.

“Os cabeças de planilha que acham que cortando o gasto público o Brasil recupera a capacidade econômica deixam de reconhecer, justamente, todos os efeitos negativos imediatos e os de longo prazo deste corte de recurso. Nós perdemos acervos de uma forma que é completamente irrecuperável. Quando a gente fala de corte de gasto, por exemplo, todos os museus têm um mínimo de manutenção que se você corta não existe de onde tirar”, afirmou.

Na opinião de Adriana Facina, a tendência é que se agrave cada vez mais a situação das pesquisa no país.

“A gente tem uma elite que se encanta com os museus em Paris e não dá a mínima para o que tem aqui. A falta de investimentos é histórica e vem de antes da PEC. Nós vamos sentir essa PEC daqui a um tempo e a tendência é se agravar, o impacto na saúde, na educação e na ciência serão sentidos em breve. A pesquisa brasileira já faz muito com muito pouco, a pesquisa brasileira é referência internacionalmente em diversas áreas, com condições muito inferiores de recursos e estruturas que existem em outros países com nível parecido de produção científica. Aprofundar essa precariedade é matar essa produção de conhecimento. É o desmonte total”, concluiu.

A UFRJ publicou, na tarde desta segunda-feira (3), uma nota pedindo ao Governo Federal uma mudança no sistema de financiamento das universidades federais do país. “A matriz orçamentária existente no Ministério da Educação não aloca nenhum recursos para os prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e para os museus universitários. Esse momento devastador deve ser um alerta para as forças democráticas do país, no sentido de preservação do patrimônio cultural da nação”, afirmou o texto. 

Em nota pública divulgada também nesta segunda-feira, o Ministério Público Federal (MPF) informou que já requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar as causas e responsabilidades pelo dano causado ao Museu Nacional e seu acervo. Na tarde desta segunda-feira (3), ocorreu um grande ato na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em homenagem ao Museu. 

Edição: Diego Sartorato

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Brasil, o país da desordem e

    Brasil, o país da desordem e do retrocesso.

    Vejam que em quatro meses o Museu Nacional recebeu menos dinheiro para sua manutenção do que o Moro(que destruiu o Brasil com a lava jato) em um mês de salário.

    O Brasil está em escombros e eles estão começando a desabar sobre nossas costas.

  2. Só falta Bolsonaro, Frota,

    Só falta Bolsonaro, Frota, MBL e outros do mesmo estillo, ou sem estilo, abrirem a boca para falarem da desimportância desse museu. Foi Frota, inclusive, que logo após o golpe, esteve com Temer para ditar normas de educação. 

    As mostras de degradação do Museu já foram filmadas e divulgadas, como vimos enquanto as chamas destruiam os prédios. Pra qualquer pessoa com mínimo entendimento de arquitetura, tava na cara que tais estruturas não ficariam em pé por muito tempo. 

    Há mais de um ano vimos como se encontrava a UERJ, uma grande universidade do Estado do RJ totalmente abandonada, com o lixo jogado nas laterais dos prédios, cheios de moscas, porque os encarregados de cuidar da limpeza, sem ganhar sslário, abandonaram seus serviços. Ou seja, não apenas o governo federal, mas também o estadual do PMDB, partindo de Cabral, sucatearam a UERJ. E o mesmo vem acontecendo com a UFRJ, entre outras universidades do Brasil, como a UNB, vista ontem pelas televisões.

    Tudo que diz respeito à cultura e a educação no Brasil, se estava ruim, foi ficando cada vez pior depois de Temer.

    Crivella, um borra-bosta, inculto, imbecil, abriu a boca como abriria um jumento, considerado o fato um incidente comum, prometendo o que não irá fazer, porque não será possível restaurar o museu depois desse sinistro.

    Dinheiro para ser congelado por tantos anos tem o propósito de não inbvestir naquilo que é prioritário para a sociedade. Mas, para engordar os bolsos de quem não precisa, pra fazer politicagem barata, a gente observa que não há de faltar.

    Será que os ministros do STF dirão alguma coisa, sentir-se-ão indignados como está a população? Duvido. Eles vivem num outro planeta. Se estão com suas demandas atendidas, como há pouco, engordando seus salários, podem até sertirem-se envergonhados, se é que tem vergonha de alguma coisa, de tecerem comentários sobre essa tragédia nacional.

    Os anti-petistas querem jogar a culpa aos governos de Lula e Dilma. Ele foi dos que mais atentaram em favor da cultura, ciência, tecnologiaetc. Que o diga Nicolelis. 

    Dilma, como sabemos, mal foi eleita e já começou a sentir dificuldade de governar, pois já nos primeiros passos como presidente viu que não seria fávil levar adiante suas propostas com aquele ladrão na presidência da Câmara.

    Por fim, gostei de ver a multidão ontem diante da ALERJ. Que tenha sido o início de mujitas manifestações contra esse governo. 

     

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