Tem certos dias em que penso em minha gente, por Luis Nassif

Por Andrea e por seu pai, pelos órfãos do Estado, pelos que ajudaram na construção do país que não sai dos jornais, da solidariedade, do trabalho, da humildade altiva, por todos aqueles que assimilaram a humanidade a partir do seu canto, que entenderam os valores universais, a partir da convivência com os vizinhos, lhes digo sem pretender ser profeta: OS BÁRBAROS  NÃO PASSARÃO!

A Andrea perdeu o pai. É moça trabalhadora, inteligente, sacudida como se dizia antigamente, que dá expediente em duas casas, se preocupa com os irmãos e tem um discernimento que a habilitaria a qualquer empresa, tivesse tido a oportunidade do estudo e a prerrogativa da cor.

Foi para o interior de Minas, onde reside a família, e recebeu a graça de testemunhar a despedida do pai.

Trabalhou a vida inteira, não deu estudos aos filhos, mas incutiu-lhe valores, aquelas bússolas morais que conduzem as pessoas pela vida e as impedem de se perder nos desvios, os ricos, pelos excessos, os pobres, pelas carências.

Na hora da despedida, o senhor manso juntou esposa e filhos e perguntou de cada um, se a mais velha tinha conseguido, enfim,  a aposentadoria, se a Andrea estava zelando pelos demais irmãos, se o filho conseguira um outro emprego.

Despediu-se carinhosamente da esposa. Pediu desculpas pela vida dura, por não ter lhe dado vida melhor, mas disse-lhe que sempre a amou, que foi a mulher da sua vida.  E declarou-se com a alma dos poetas e as palavras, como um Cartola caboclo.  Pediu aos filhos que conversassem com o defensor público, para ter a tranquilidade de que a esposa receberia a pensão.

Bem informada, Andrea não quis preocupá-lo com os boatos que vêm de Brasilia, dando conta de que um tropel de bárbaros invadiu a República e ameaça destruir todos os pontos de tranquilidade dos mais vulneráveis.

Nos palácios brasilienses, há regabofes memoráveis, juntando o Presidente, Ministros do Supremo, do Tribunal de Contas, da Procuradoria Geral da República. Há muito a ser destruído, para que tenham tempo de pensar que, lá dos cafundós de Minas, havia um velho senhor, um homem manso, que trabalhou a vida inteira, e cujo maior consolo, na hora da passagem, seria ver a família amparada.

Por Andrea e por seu pai, pelos órfãos do Estado, pelos que ajudaram na construção do país que não sai dos jornais, da solidariedade, do trabalho, da humildade altiva, por todos aqueles que assimilaram a humanidade a partir do seu canto, que entenderam os valores universais, a partir da convivência com os vizinhos, lhes digo sem pretender ser profeta: OS BÁRBAROS  NÃO PASSARÃO!

Luis Nassif

25 Comentários

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    1. Uno-me aos seus parabéns e à emoção de muitos outros. Mas, infelizmente, os bárbaros, no sentido escolhido por Nassif, já passaram. De fato, continuam presentes. Deram o golpe de 2016 e já usurparam todos os direitos que puderam. E têm no programa a usurpação dos que restaram. O pior é que não há esperança de reação das vítimas, o povo. O programa posto em prática para a sua alienação surtiu pleno efeito. Hoje em dia, a dosagem é apenas de manutenção.

  1. Passam, Nassif, eles passam, eles sempre passam.
    Como uma boiada silenciosa no meio da pandemia, eles sempre passam.
    Minha mãe, que mora com meu irmão mais velho, tinha um BPC, obtido nos tempos de Lula-Dilma. Ele não tinha emprego fixo, apenas fazia bicos aqui e ali, ainda que com certa regularidade, e ela conseguiu o benefício, sendo que cerca de 45 a 50% deste é consumido pelas medicações de uso contínuo que ela necessita.
    Pois bem, meu irmão posteriormente conseguiu um emprego, em que ganha pouco mais que um salário mínimo. Pronto, foi o suficiente para que o benefício fosse suspenso. Uma octogenária e um sexagenário, ganhando dois salários mínimos numa mesma residência, que absurdo! Esse povo quer luxar!
    Eles passam, Nassif, eles sempre passam, porque não passam de forma espetacular, não fazem barulho, passam como emendas votadas na madrugada para favorecer, por exemplo, banqueiros.
    Afinal, é preciso ter dinheiro para pagar os juros desses vampiros, e o governo – eles – não podem se dar ao luxo de gastar recursos com velhos que, além de já estarem estatisticamente com o pé na cova, só dão despesa.
    Eles sempre passam, Nassif, já estão passando, sob nossos narizes. Às vezes, como num espasmo, nós nos agitamos; isso acontece na Bolívia, já aconteceu na Argentina. Depois, volta a calmaria, sob o “auxílio” de sinistros paramédicos: o mais recentemente visto, aqui nestas paragens, atende pelo nome de “auxílio emergencial de R$ 600,00”, em vias de sofrer uma desidratação, que o reduzirá à metade do tamanho original, antes de desaparecer em algum “memory hole”, tal e qual algum personagem de Orwell.
    Eles sempre passam, e o que é pior, eles sempre voltam, sob nova roupagem, mais suaves e brandos, mas são sempre os mesmos.
    E nós, nós só passamos quando é desta para melhor. E de lá não voltamos.
    É curioso, mas essa crônica de domingo eu só visualizei no GGN hoje, terça-feira, 03/11. No domingo eu estava relendo um livro de Eric Hobsbawn em que ele cita um trecho de Primo Levi. E, ao ver a sua crônica, pensei no que há de comum entre Andrea e o pai, Primo Levi, e a minha mãe, que ainda está conosco.
    Se você não morre, em guerras, catastrófes, extermínios ou genocídios – além de pandemias – você é uma testemunha desses fatos, como sobrevivente.
    Primo Levi, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, disse certa vez que, à medida que o tempo o distanciava dos fatos vividos, cada vez menos se sentia uma autêntica testemunha desses mesmos fatos.
    Cada vez mais ele se incluía entre aqueles que, mediante “prevaricação, habilidade ou sorte”, jamais haviam tocado o fundo do poço, pois aqueles que tocaram, “e que viram a face das Górgonas, não voltaram, ou voltaram sem palavras”.
    A humanidade já passou por inúmeras catástrofes, tragédias, toda sorte de desgraça, e não me consta que tenha saído de nenhuma delas um milímetro sequer mais humana do que quando entrou. Essa é uma verdade que se constata a cada nova desgraça que nos assola.
    Espero ser um dos sobreviventes dessa tragédia com a qual o Século XXI nos dá seu cartão de visitas.
    Mas, se assim for, sei que não serei uma testemunha autêntica dela.
    Essas serão as que não voltam, ou voltam sem palavras. Aos sobreviventes, como Primo Levi, sobram as memórias, que tão facilmente podemos manipular e ajustar às nossas necessidades e conveniências.
    Levi, como se sabe, talvez tenha cometido suicídio – embora muitos discordem, dadas as circunstâncias.
    Se foi suicídio, a única conclusão é que ele, mais do que um homem, foi um homem honesto consigo mesmo.
    E espero que, algum dia, convencidos de que eles sempre passam, possamos juntar forças para romper esse círculo. Mas, apesar da beleza de seu texto, e do meu intenso desejo de que minha mãe possa ter, novamente, uma velhice mais digna, creio que ainda não será dessa vez.

    1. Eu espero que a sua mãe volte a receber, e espero que um dia esses caras loucos por dinheiro entendam que dinheiro é bom e precisamos sim ter dinheiro, mas precisamos ter respeito ao próximo, amor, mas essa palavra amor é para poucos e isso meu pai o senhor João me ensinou. O meu pai se foi, mas acreditando que dias melhores virão. Obrigada Nassif, essa moça Andréia sou eu e vou continuar cuidando e amando a família..

  2. Belo comentário seu,sou solidário com o acontecido na sua família e que aqui em casa aconteceu o mesmo,meu irmão aposentado por invalidez há mais de vinte anos o benefício foi cortado numas dessas perícias que falam que a maioria é irregular,meu irmão e esquizofrénico.Tempos sombrios,só o mercado que não pode parar de ganhar rios de dinheiro de juros da população.

  3. Não tenho certeza se passarão, tal é a postura covarde que a maioria de nós tem. Deveríamos ter brios e passá-los no fio da navalha, na garganta, uma bala no meio de cada cara maldita, uma fogueira a queimá-los vivos…Mas a ignorância, a hipocrisia e a cafajestice de muitos que votaram nesses estrumes, assim como o desalento dos muitos que não votaram mas porque sequer foram simplesmente votar, achando que não vale a pena porque ‘TODOS OS POLÍTICOS SÃO ASSIM…”mas a paquidérmica burrice nacional nos deixa a ver a banda passar…e só, sem sequer um mínimo de reflexão sobre quando e graças a quem vivemos nossos melhores dias, dias de pelo menos esperanças de que as coisas estavam melhorando. E, sem reflexão, acabamos nos acumpliciando em levar facistas ao poder, vendo-os destruirem tudo e a todos sem a menor cerimônia. A história dessa familia mineira é a mesma de milhões e é, com certeza, a minha própria. Pois em fevereiro/21 completarei 50 anos de serviço público estadual, trabalhando por minha própria conta e sem que alguma chefia me pedisse, muito e muito mais horas do que minha obrigação, simplesmente porque muitos pobres coitados, muito enfermos precisam dos medicamentos que liberamos…e muito mais tempo que o obrigatório porque simplesmente perderei muito na aposentadoria maldita que os cafajestes fascistas votaram…e daí minha atual companheira e minha ex-esposa ficarão com migalhas de uma aposentadoria. Pelo menos enquanto estiver trabalhando, com 70 anos de idade, perco menos, mas se morrer, elas é que perderão muito mais………e o ódio vai crescendo, vai crescendo e só me resta desejar que esses estrumes sejam premiados com um câncer na garganta de cada um………..e que passem rumo ao capeta.

  4. Queria ter a fe do NASSIF, porque o Brasil tem 520 anos e apenas em 13 conseguiu algum progresso social, ainda que timido, e bastaram 4 anos de golpe pra regredir tudo. E o “grande acordo nacional, com Supremo, com tudo”, segue firme e forte.

  5. Ai ai.
    Passaram, entraram, saíram, voltatam e sentaram sobre nossas carcaças.

    Será que Nassif, com uns 50 anos de janela, jornalista de economia(seja lá o que isso queira dizer) acredita que haja algo distinto da barbárie no capitalismo?

    Será que tanta sabedoria ainda não lhe revelou que um sistema baseado na permanente exclusão e concentração de riqueza não é nada mais que a barbárie em si?
    80% da riqueza mundial concentrada em 1% da humanidade.
    Civilização é esse o nome?

  6. Ora, ora…..sou totalmente favoravel a retirar a capital do pais de brasilia……coloquem em qualquer estado da federação, qualquer um em que o povo fique no cangote desses nababos……a maior cagada foi criar uma ilha sem contato nenhum com a realidade do país e longe da fiscalização do povo….

  7. Curioso, o Nassif tão solidário com essa senhora – e com razão – não percebe o quanto seu blog e ele mesmo são injustos com os venezuelanos, povo que vem sendo literalmente massacrado pelo imperialismo americano. Recentemente uma matéria colocava fotos do Maduro ao lado de figuras como Hitler. O próprio Nassif acha, em artigo de sua autoria há alguns meses, que o embargo americano é desculpa que o Maduro usa para justificar a situação do seu povo. Não é preciso concordar cm o Maduro mas fazer tais colocações, entre várias outras, é justificar figuras como Trump, que tanta desgraça tem trazido para o mundo. Sempre digo que é fácil ser solidário com vítimas de catástrofes e doar um quilo de alguma coisa. O difícil é ser solidário com quem bate a sua porta, com minorias, com os excluídos e náufragos da vida e com povos.

  8. Obrigada Nassif, essa moça trabalhadeira sou eu. E uma das casas que presto serviço é a sua, e faço com muito carinho e respeito..
    Meu pai se foi e o maior bem que ele deixou foi o amor, amor esse que vale mais que milhões, esses milhões que são roubados todos os dias por esses que querem sempre mais , e não estão preocupados com povo. Aliás me pergunto se esses caras se preocupam com a própria família? Mas uma coisa é certo eu aprendi o que é o amor, o que é vc ter um pai carinhoso ❣️aquele que chega e fala eu te amo.. E nesse mundo tem muitos que vão passar sem saber o que é a palavra amor, respeito, mas amor para muitos é dinheiro, poder, é tirar do pobre e deixar agente cada dia mais pobre e cada dia mais desiludido com essa política suja…

  9. Nassif é ótimo cronista. E dessa vez, ele foi insuperável. Não tem como negar que a gente está triste. Que a vontade de chorar persiste. E o país das injustiças e desigualdes sociais, continua forte, infelizmente. Temos um presidente que não governa, um povo morrendo, oportunidades só para os ricos. Enfim, a fome mora ao lado. A ineficiência do presidente aumenta. Triste país. Morrendo literalmente.

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