Crônica

A Busca do Hexa e “O Tatitês”, por Nathan Caixeta

A Busca do Hexa e “O Tatitês”

por Nathan Caixeta[1]

Em homenagem ao João “Sem Medo” Saldanha

Advertência: Ouso me autointitular escritor. Por definição, aos olhos de um escritor tudo é material para tingir a tinta de um papel. Otto Maria Carpeaux ao escrever sua pequena história crítica da literatura brasileira notou uma coisa: o maior tema da vida de um escritor, é a vida mesma. Hoje não escreverei sobre economia, política e todos esses assuntos que fazem de mim uma miragem magricela e pálida do “cientista social”. Escreverei sobre futebol, deixando minhas saudações pontepretanas ao mestre Dicá e ao maior pontepretano que conheço, meu fraterno amigo Henrique.

Escrever sobre futebol é, como dizia Nelson Rodrigues, falar de amor e ódio ao mesmo tempo, emoção, alegria e tristeza que figuram nos olhos dos torcedores, vibrando misticamente para o campo, no esforço mental e físico dos 22 gladiadores que disputam os espaços, driblando, dando de lado, passando, chutando, fazendo do diabo redondo uma ferramenta de arte. Dois times, um objetivo: marcar mais gols que o adversário. Assim nasceu o futebol, assegura Jonathan Wilson, autor de “A Pirâmide Invertida”.

Na Seleção de Tite a regra parece ser outra: sofrer menos gols do que castigar as redes do adversário. A velha escola italiana, diz Guardiola ao enfrentar Antonio Conte: esperam o erro, espremendo o brilho da ofensividade em linhas compactas, dois jogadores na pressão, um na sobra, outro a frente para segurar a bola para o contra-ataque, e o resto do time protegendo o lado inverso do campo.

Telê Santana sofreu com tal disposição, quando as invertidas de bola tradicionais de seus times, buscando abrir espaço pelos toques rápidos e mágicos, foi interrompida com os italianos tomando a bola e Paulo Rossi marcando os gols que mudaram a história do futebol Brasileiro.

Não vi, mas li e ouvi, sobre Zizinho, Pelé, Evaristo de Macedo, Garrincha, Didi, Gérson, Caju, Ademir da Guia, Zico, Dr. Sócrates e tantos mais. Vi e me encantei com Ronaldo, Ronaldinho, Romário, Kaká, Neymar. Todos eles têm algo em comum: uma magia que transformou o Soccer em futebol de samba, da ginga, do rebolado, da entortada, do passe “raspa bosta”, do biquinho artilheiro, do domínio de bola somente aprendido no campo de várzea. A magia morreu em Sarriá.

De todas as copas em diante, de 1986 à 2018, mesmo na vencedora seleção de 2002, a regra foi: esperem o erro dos outros e entreguem para quem sabe jogar. Na seleção do penta, havia ao menos a prudência de reunir Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho que por defeito da tática, embrulhavam os estômagos adversários, resolvendo os jogos quando Cafu e Roberto Carlos assistiam suas subidas serem bem marcadas pelos adversários, ou quando os zagueiros não logravam sucesso ao avançar liberando um meio campista para jogar entre as linhas. A magia deu ares de retorno, não como conceito, mas como aparição saudosa, quando ao fazer o corta-luz, Rivaldo liberou espaço para Ronaldo marcar o gol do título.

De mágico o quadrado de Parreira, castigava a redonda. De eficiente, o bunker de Dunga na meia-cancha não contava com a cabeça de Robben. Sem Neymar, a tática do erro dos outros de Felipão, assistiu o passeio alemão. Em 2018, Tite até montou um esquema interessante, semelhante ao que o consagrou no Corinthians, levando-o com méritos para o comando da Seleção. A sacada de Roberto Martinez ao arrastar Lukaku para a ponta, liberando De Bruyne, desfez a solidez da defesa brasileira. O placar de 2 a 0 no primeiro tempo, não era fatal, nem fatalidade, mas sintoma do que estava por vir. Os pontas como auxiliares dos laterais, os meias como zagueiros avançados, o jovem Gabriel Jesus como “tapa-buraco”. Não seria fácil transformar o estilo italiano em magia Brasileira em 45 minutos. Nem Neymar, bem marcado conseguiu. Muito menos coletivamente, os dribles, passes, movimentações ocorreram. O Sistema italiano conta com a eficiência e o prêmio da sorte. O brasileiro, nasce sem sorte, mas com feitiço nos pés. A sorte foi Belga na Rússia.

No período pós-copa, imaginava-se que Tite mudasse o esquema, tentando algo ofensivo e convocando novos jogadores. Abraçou os que já conhecia, colocando aqueles que faziam chover fora do “clubinho do Adenor” no banco de reservas, para além de alimentar seu talento como J. Tolkien, inventando uma linguagem própria só compartilhada pela sociedade secreta de seus auxiliares, o tatitês. As últimas partidas, duas vitorias, a meia-boca contra a Venezuela, e a potente contra os Uruguaios e um empate sem graça com a Colômbia. O Brasil está com 9 dedos dos pés na copa do Catar. Até lá, o que faremos?

Compararam Tite com João Saldanha, dois gaúchos. Tite fala tatiquês, Saldanha falava a linguagem da bola, liberando suas feras que com os pequenos ajustes de Zagallo trouxeram o Tri na Copa do México. Para ser Saldanha, Claudio Coutinho, Guardiola, Cruyff ou Bielsa, Tite tem que aprender algo que nenhum livro, curso no exterior pode ensinar: o jogador brasileiro não joga bola, ele vive um amor esférico, afeto quase freudiano com seu objeto de alegria na infância.

No jogo contra o Uruguai, Raphinha deu a pista, driblando feito Jairzinho. Neymar foi maestro, vestindo o manto de Pelé. No Meio Campo, Paquetá fez uma de Rivelino. Nos falta algum Gerson capaz de achar lançamentos mágicos. Recuar Everton Ribeiro, com Casemiro e Fabinho no auxilio? Uma boa.

No Ataque Gabigol e Gabriel Jesus disputam a vaga do Tostão da vez. O primeiro joga nos espaços, abrindo, fechando, passando para receber. O segundo cria espaços. Mas qual a razão de todos dois, além de Firmino não conseguirem arrebatar a camisa 9 para si? Novamente, o italianismo: Vá ajudar na lateral! Pegou a bola? Joga no Neymar! Sem Neymar, toque, toque, toque, e com sorte acharemos um gol. No dicionário do Tatitês: o externo marca o lateral, os laterais avançam para abrir espaço, um volante passa, outro fica, o extremo oposto fecha para armar e o camisa 9 se torna um peão, sem liberdade para girar.

No City de Guardiola, as lesões de Agüero e Jesus na última temporada forçaram o espanhol a remexer os conceitos do jogo de posição, fazendo os Citizens jogarem como o Flamengo de Zico: todo mundo passa, todo mundo joga, do galo ao maestro, dele para Tita, até encontrarem Andrade ou Adílio na posição de passar para o espaço vazio aberto por Nunes. Quem lá estava? Ninguém menos que o Galinho de Quintino. Gol!

No City, Sterling e Mahrez abriam as linhas adversarias, Rodri desafogava a saída de bola, liberando os zagueiros para passar para Foden e Bernardo Silva, os laterais, fechavam no meio oferecendo opções de passe e como em efeito dominó, um a um dos jogadores adversários eram forçados a abandonar suas posições de marcação. De Bruyne aparecia, fazendo gols, ou dando assistências. Mais veloz, com menos Flamenco e mais Rock in Roll, Klopp faz semelhante no Liverpool, usando Firmino como meia e não como primeiro Zagueiro, como prefere Tite. A posição de centroavante não morreu, mas foi transformada pela velocidade com que o futebol virou um jogo intenso, onde o mais habilidoso, suplanta o mais forte ou veloz, quando mistura a magia à potência coletiva. No Brasil de Tite ainda existe o fantasma do pivô. Porque não, jogar sem centroavante? Não sei o que Adenor responderia, mas suspeito que teria algo haver com receio de perder a solidez oferecida pelo auxiliar de marcação que veste a camisa 9.

Para terminar, em homenagem a João Saldanha, declaro minhas 11 feras:
Ederson no Gol, Thiago Silva e Marquinhos na Zaga, Danilo na Lateral Direita, fechando para dentro para dar opção de passe, Guilherme Arana pela Esquerda, abrindo e fechando como ala, para liberar os meio campistas para armarem; Casemiro e Fabinho na proteção. Paquetá na Esquerda, Gabriel Jesus na Direita, como “pontas” que flutuam; Neymar com liberdade, feito Ponta de Lança feito Zico, e Raphinha (Claudinho) girando para os lados para triangular. Aposto uma média de cana que minhas feras à brasileira ganham do Tatitês.

AS 11 FERAS do Hexa


[1] Economista por desfruto, escritor por paixão, cronistas por atrevimento e poeta pela boêmia.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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