Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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As Pontes de Toko-Ri, por Rui Daher

As Pontes de Toko-Ri

por Rui Daher

Na terça, 21, fui visitar uma fazenda centenária a 2 km de Campinas, SP. Mantém-se produtiva, praticamente dentro de uma cidade com mais de um milhão de habitantes. Quase mil hectares de terra, plantados com café, soja, milho, construções soberbas ainda preservadas, bosques de frutíferas. Voltarei a escrever sobre ela, mas em Andanças Capitais. Difícil assuntar a agropecuária, tal a fúria com que ferem conquistas rurais merecidas.

Saí cedo de São Paulo, razoavelmente gripado. Minha sócia carregou o fardo em seu carro, incapacitado ao trabalho por uma médica que presta serviços oftalmológicos ao Poupatempo de São Bernardo. Fosse séria, a Dra. Neuza deveria reprovar-me e indicar que eu fosse atrás de óculos e voltasse. Vetou-me dirigir em estradas e após o pôr-do-sol.

Durante a viagem, testei-me. Não houve (se errei o uso do verbo haver, peço consultarem o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, para correção) placas que não conseguisse ler a 500 metros de distância, comprovando o diagnóstico de meu oftalmologista particular de não precisar ainda óculos para distância.

E assim fomos. Do jeito que o Brasil está não se deve brincar, ainda mais desfalcado da AK-47. Viajava em missão de paz.

Na fazenda, sol forte, implacável, temperatura de 36 graus, sobe-desce do carro, o ar condicionado ao arrasto de botas entre os talhões de café, feijão-soja alto, perto da dessecação e colheita, que deixará a palhada para acamar o milho safrinha.

Não é frequente, mas tudo isso aniquilou o meu ânimo laboral quando no campo. Piorou a gripe e relembrei os sonhos de refrigério que sempre usei para me queixar do saco cheio com o trabalho.

Passar dias orando nos corredores que saíam da sacristia da igreja de São Bento até o belo jardim interno, proibido aos alunos que não oblatos. Ser um alfaiate de interior e pespontar durante horas, radinho ligado na emissora Ondas de Palmeira. Ser corretor de terrenos em beira de estrada esperando ninguém parar e interromper a boa leitura. Mais recente sugestão veio do namorado de uma das minhas filhas. Faroleiro. Morar e tomar conta de um farol marítimo dando aviso aos navegantes. Provável que a examinadora de olhos me impediria. Acharia que, vendo um golfinho dando piruetas sobre o mar, alertaria a marinha para um transatlântico voador.

Caso é que voltamos de Campinas, logo depois do almoço, e fui direto para casa. Não aguentaria o clima do escritório, ar que respiro cada vez com maior dificuldade.

Deitei-me e liguei a TV atrás de um filme antigo. Fui feliz: “As Pontes do Toko-Ri” (EUA, 1954). A ação se passa durante a Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, e que acabou por dividir o país. Direção de Mark Robson, tem no elenco William Holden, Grace Kelly, Frederic March, Mickey Rooney, entre outros.

Pauleira brava de caças dos EUA que partem de um porta-aviões a destruir alvos dos comunistas coreanos. Tudo muito bem filmado para a época. Oscar de Efeitos Especiais e indicação pela Montagem.

O personagem de Holden, tenente Brubraker, é ao mesmo tempo o herói que bombardeia e o que hesita diante das iniquidades das guerras e do medo de não voltar aos braços da esposa Nancy (bem, tratava-se de Grace Kelly).

A história e o filme confirmam a vitória dos EUA. Pouco antes do “The End”, no entanto, Hollywood deixa transparecer um misto de arrependimento e “pena, mas assim tem de ser”.

Foi então que percebi o quanto me orgulho de ser norte-americano.

O quê? Estranham? Como não?

Quando o filme foi lançado nos EUA eu tinha nove anos de idade.  Com o delay até o Brasil, digamos que assisti “As Pontes do Toko-Ri”, com 11 anos. Assim como centenas de outros filmes de guerra norte-americanos. Virei um. Vocês não?

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

13 Comentários

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  1. O cinema americano

    Ah, o cinema americano, nele se aprendeu que o charme de umas baforadas de cigarro seduziam qualquer um(a) ou um@ … nele se aprendeu que a guerra valia a pena pela soberania da democracia- a deles- nele se aprendeu que o amor era assim-assado e só assim-assado, nele se aprendeu a meritocracia dos que, por valor, chegavam lá- onde, hem? quem chega? quando enfim chega?- nele se aprendeu sobre espionagem, contra espionagem, sobre terrorismo- a que era contra eles- nele se aprendeu tanta coisa que não se deveria ter aprendido. E foram décadas de semeadura, de adubação, de agrotóxico pestilento da soberania imposta… agora é tarde. Pelo menos para um geração que mastigou chicletes, tomou coca-cola e copiou toda a cultura americana, fosse brincando com Barbie, com forte apache- imagine- fosse de Bonanza etc.

    O domínio das salas de exibição até hoje … sabe-se. G. Gil lutou contra o lobby existente. Conseguiu pouco.

    Agora as séries americanas DOMINAM nossos jovens, veja nas redes sociais o delírio. Sem xenofobia aos bons produtos, entretanto FAZ um povinho desnutrido de sua própria cultura, facilmente.

    Reclama-se de no Brasil não haver (ou seria “haverem” na nova conjugação gramatical palaciana do ministro da educação?) BONS ROTEIRISTAS. Até a página 2, né. 

    Cansada ando eu de tudo que já vivi, aprendi e tive/tenho que desaprender – antes era diariamente, agora a cada hora. E não é para caminhar, para ser contemporânea- como se diz por aí- É PARA RETROCEDER, é para piorar. Em todas as áreas.

    Tá do cacete, cara. Ah, tá.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=gV3nkSjOZZw%5D

  2. as…..

    Maravilhosa fazenda, assim como outras que fizeram a riqueza, o desenvolvimento e pujança do interior de SP a partir de Campinas. Não encontrou algum escravocrata? Ou latifúndiário? Ou quem sabe um destruidor desalmado das florestas nacionais, indigenas ou outro barbaro qualquer? Está cheio pelo interior do país, acordando às 4 ou 4 e meia da manhã, trabalhando embaixo de sol de 35 graus, sabados, domingos, feriados, carnavais….Não posso, nem critico um homem que aos 70 anos continua trabalhando, mas remédio na roça para curar gripe é cabo de enxada. E ainda estão querendo acabar com a extraordinária aposentadoria rural de uns 800 reais. Famílias quatrocentonas paulistas, aquelas que a esquerda adora criticar, mantém tais fazendas em áreas tão nobres. Em Itu, também  existem ainda fazendas de 500, 600, 700 alqueires. E nem por isto, esta região a partir de Itu rumo à Campinas (Tiete, Porto Feliz, Rafard, Salto, Piracicaba…),  e o interiozão de SP deixou de ser a mais rica e próspera do país. Agropecuária que transformou o Brasil na 2.a maior malha ferroviária do planeta há 2 séculos atrás. Coisas que governos progressistas ou não, privatarias não conseguiram nem manter. Mediocridades Nacionais. Com tamanha gripe dá para voltar por Pirapora do Bom Jesus e não perceber as consequências das naturezas paulistanas agindo nas águas do Rio Tiete. Coisas que ambientalistas ávidos por salvar a Humanidade, trabalham em omitir e esconder. Narizes sensíveis não são permitidos. Quanto à gripe? Boa recuperação. Quanto ao Detran/SP? No país tudo que é péssimo pode piorar. Desenha-se um Picolè de Chuchu sendo produzido para 2018. Politica paulista pode virar politica nacional. abs. 

    1. Zé Sérgio,

      É curioso que o reconhecimento da agropecuária nacional continue insistindo em ignorar os feitos e os fatos agrícolas que partiram e permanecem em São Paulo. É como se fossem mausoléus históricos tombados pelo IPHAN, embora continuem vivas, produtivas, e com uma diversidade não encontrada em outro estado do País.

      Quanto à gripe, não fosse a idade, cardiopata, hipertenso e diabético, talvez a curasse usando o remédio por você recomendado.

      Abraços 

      1. zé….

        Caro sr. Rui, mais de 70 e trabalhando, o sr. não precisa disto. Só quis exemplificar como é o reconhecimento daqueles iguais ao sr. que trabalham na agropecuária. Só de subir e descer morro, correr cerca já mereciam uma medalha e não as asneiras que alguns pensam e escrevem. Abraços e excelente recuperação.  

  3. Conta a parábola que Arjuna,

    Conta a parábola que Arjuna, príncipe exilado, um dia decidiu retomar o reino que era seu por direito. Montou um exército e foi à luta. Mas na medida em que se aproximava de suas terras, reconhecia no exército que lhe faria resistência, seus primos, tios, avós, pais, mestres, amigos… e aí sobreveio-lhe tal desânimo que, trêmulo, deixou cair arco e flechas. Quão vil seria sua vitória se fosse ele o autor da derrota daqueles a quem ama e que, de todas as formas, foram os que lhe formaram o ser?

    Mas aí chegou o conselheiro Krishna e mostrou ao príncipe que não tinha outro jeito: é sua obrigação retomar o poder sobre o que é seu. E ensinou como fazer essa luta sem ódio e por amor, considerando que aqueles contra quem Arjuna tem que lutar não estão em outro lugar exceto no próprio Arjuna. São sua base e sua constituição. O que Krishna ensinou a Arjuna está num livro, pequeno, profundo e difícil – pelo menos prá gente, ocidentais – de fazer.[¹]

    A briga é feia e não se sai dela sem ferimento, eventualmente até a perda de uma braço ou uma perna. Mas sacumé? Independência ou morte.

    ***

    Olha a briga, caro Rui, numa versão ocidental, prá gente se livrar de ideias que nos fazem mal[²]:

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=wtNgIV94u6I%5D

     

    ¹ – Bhagavad Gita – tradução Huberto Rohden – Ed. Alvorada

    ² – The pervert’s guide to ideology – Slavoj Zizek

     

    Em tempo: Faltou te responder. “Vocês não?” A luta é diária, tomo Coca-Cola. E se não perdi nem um braço ou perna, tive que abrir mão de várias coisas, pessoas, hábitos, maneirismos, ocidentalidades, vaidades, posturas e imposturas para fingimento de segurança e estabelecimento de poder interpessoal (tive que jogar fora meu exemplar de “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, cuja titulação honesta seria “Como se impor, mandar e liderar mesmo sabendo que, sendo humano, nem eu sei o certo.”) mas não reclamo: durmo quase sempre bem. Sei lá, meu ser pessoal não é tão importante assim. Além do mais, você sabe: cada um, cada um… 🙂

    Mas não se preocupe: não precisa isolar-se faroleiro para isso. Cada um, cada um e tem tão pessoa estranha, esquisita nesse mundo que você nao faz nem ideia, mas que ainda assim confraterniza-se, abraça e é abraçado, troca presentes e insultos. Faz parte…

    Abraço!

    1. A Canção do Bem Aventurado

      Sim, Baghavad Gita, a Sublime Canção ou Canção do Bem Aventurado. A Narrativa da História de Krishna, um exímio General em batalha, que conseguiu uma Vitória Gloriosa para o príncipe Arjuna.

      Só um comentário a parte, o verdadeiro motivo da Guerra não seria apenas Arjuna recuperar o seu reino, mas sim, dizem historiadores, livrar o povo da tirania dos familiares de Arjuna.

      —————————–

      A moral da istória é relatada pelo próprio Krisna na Gita, para aquele quem tem um dever militar na guerra, o pecado não está em matar, uma vez que o soldado que mata no cumprimento do dever, apenas obedece ordens de seus superiores, mas sim em matar com ódio. Assim sendo, se Arjuna lutasse friamente eserenamente , sem odiar ao inimigo, seria livre de pecado.

      A ira, o ódio, a raiva seriam os pecados mortais, que corroem o íntimo do ser humano. O ser humano Iluminado por sua vez teria Serenidade Perfeita. Agindo sem esperar recompensa alguma de seus atos, no espírito de renúncia, segundo Krishna o ser humano Iluminado seria livre de reencarnar na Terra novamente, se libertaria da prisão do Samsara.

      Este Livro deveria ser ensinado em academias militares.

      ————

      Trechos da Gita

      “ Agir é tua missão; mas não deves visar aos frutos da tua atividade. Não permitas que a tua atividade seja inspirada pelo desejo dos seus frutos – mas não caias na inatividade! “

      “ Sábios dotados de perfeita Sabedoria não se apegam aos frutos do seu trabalho, e com isto se libertam para sempre da escravidão de nascimento e morte, e atingem o estado de Serenidade absoluta “

      “ Impossível a aquisição da Sabedoria pela mente descontrolada; impossível a meditação para o homem inquieto! E se o homem não encontrar a Paz dentro de si, como pode ser feliz?”

      “ Essa Paz neutraliza todas as inquietações, e o homem que experimenta a paz experimenta a verdadeira Excelsitude – e acaba por superar também os males externos. “

      “Livre de todos os desejos, é o ser humano senhor, e não servo dos prazeres “

      “ Quem tudo faz sem apego ao resultado dos seus atos faz tudo no espírito de Deus e, como a flor de lótus, incontaminada pelo lago em que vive, permanece isento do mal. “

      “ Quem vive na Luz da Verdade vê Deus em todos os seres – no brâhmane e no cão, no elefante e no gado , e até no desprezado pária.”

      “Liberdade de apego, não-identificação do Eu com esposa ou filho, casa ou qualquer propriedade material, manutenção da serenidade interna em face de circunstâncias gratas ou ingratas; – tudo isso é chamado sabedoria, o que lhe é contrário é ignorância.”

      “ Obra praticada sem interesse nem desejo de prêmio ou louvor, mas pelo senso do dever que a lei exige – esta é filha da sabedoria. “

      “ Quem realiza o que deve ser realizado, sem se preocupar com a vantagem ou desvantagem que daí lhe advenham, esse age no espírito da sabedoria espiritual. “

      “ Perfeita Liberdade e Transcendente Serenidade só alcança aquele que desinteressadamente e no Espírito de Renúncia cumpre seu dever sem esperar recompensa alguma “.

       

    2. Pois é, Renato

      “Freedom hurts”.

      Quanto ao faroleiro acho que, seguindo seu otimismo com as pessoas, vou me tornar cirandeiro. Claro que tudo não passa de minhas galhofas, mas que está difícil aguentar o que se faz com o povo, desanima.

      Abraços

  4. Tá do cacete, Odonir,

    ah tá! Inclusive o seu texto. No bom sentid, é claro. Ando meio sem tempo. Na nova gramática seria destemperado? 

    Sempre que posso, sábados e domingos, ao meio-dia, estou com o rádio ligado na minha querida USP. Não só para, junto com Moisés da Rocha, propor “O Samba Pede Passagem”, mas também para me emocionar com a voz de sotaque santista de Plínio Marcos dizendo: “Um povo que não ama e não preserva suas formas de exxpressão mais autênticas jamais será um povo livre”. E choro.

    Beijos

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