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Do Início, por Maíra Vasconcelos

Queria poder oferecer alguns escritos a este jornal, que estamos todos a ler nesse momento. Mas não posso. Vai que eles aceitam! Por enquanto, esse trabalho de entrega não está ao meu alcance. Porque meus escritos – esses específicos que chamo de “a-crônicas” – se publicados, mais pessoas irão ler, e isso faz um giro em minha cabeça. E talvez me dê uma sensação fóbica, devo confessar. Confesso coisas demais nessas crônicas. É como se essa evasão cortasse o próprio processo de feitura das palavras. E se as palavras não estiverem em seu melhor estágio? Ou talvez jamais estejam, e serão sempre uma laranja amadurecendo-por-sempre. Mas isso seria querer que a laranja fosse sempre da árvore, presa, e é natural deixá-la cair, e que outros colham e comam e chupem a laranja quando já é doce. Segurar laranja no pé pode ser então antinatural. Mas minhas a-crônicas não são um laranjal e o dono da metáfora da laranja é Carlos Drummond de Andrade.

Eu o que tenho é um modo-escrito que deve ficar num canto, com uma porta e uma chave, e com a placa: reservado, e assim fico lá dentro escrevendo. Escrevendo para mim e não para nenhum jornal cheio de olhos que leem. Não entendo muito bem a razão dessa cisma cuidada – não estará num laranjal, isso é poético demais – mas essa resposta há de existir. Por enquanto, tenho é essa impressão racional: a publicação das a-crônicas poderia estagnar meu processo de escritura. Porque esse liberar pode fazer de mim outra pessoa. Estaria muito atenta aos leitores, e ao modo como essas tais palavras minhas tomam ar do lado de fora, na boca dos outros. E elas são o fôlego meu de cada dia, e se deixo o ar sair, posso perder o ar. Vou ficar sem ar! Alarmante constatação. Começaria a murchar de preocupação, e de tanta atenção, e assim iria transformando-me num ser-sem-palavras e atento demais. E meu modo de escrever é sem-atenção. Mas isso são elucubrações, porque tudo poderia ser resolvido se aqui me ofereço ao jornal e eles dizem não. Ah! Como escrevo inutilidades. Não poderia mesmo ser útil dessa maneira. Ainda não aprendi a ter utilidade para além da palavra-escrita. Vejam só o que fiz outro dia: esmaguei uma barata gordíssima, tirei uma foto, e coloquei nela o título, “La Intelectualidad”. Mas não fiz disso uma nova placa, com nova porta e nova chave. Vê-se, tão ensimesmada assim não estou! Há esperança.

Dessas Transmissoras

O tempo passou, e o jornal aceitou meus escritos. As a-crônicas serão aqui publicadas todos os sábados. E diferente do que pensava poderia suceder, não estou assustada com esse arrancar de mim mesma. Também não sinto ser uma barata esmagada, nem a dona-produtora de um laranjal. Estou, assim, como saindo de dentro de mim com braços esticados de logo após acordar. Sinto apenas a sonolência de um despertar às 7 da manhã. Por isso irei aqui escrever, porque estou abrindo os olhos. O arredor ainda é penumbroso – aviso, eu invento palavras e faço isso porque tenho muitas necessidades junto à escrita, e também por pura coragem desafiadora. Mas, voltando, estava no começo dum acordar, na atmosfera de uma penumbra, que é o modo como estou a escrever agora. Mas tenho boa vela grossa acesa perante tudo isso. E com essas diferentes luzes é que retiro de mim uma intriga, nascida da conversa com a editora deste portal-jornal. Ela afirmou que meus textos darão um brilho a mais nas edições. Não pode ser! Pois estou é a penumbrar quando escrevo, sinto que algo em mim se apaga, esses brilhantes não pertence a mim. Sei: sou apenas fio que conduz, sou repasse de, escrevo desfazendo-me das palavras para que elas brilhem em outro lado. Ah! Eis que descubro o que a editora já sabia. Ao escrever apenas coordenamos brilhos, pois se o brilho incorpora existência, ele veste abrigo é nos olhos de quem lê. Agora, sim, posso retornar à meia-luz, aliviada, responsável e plena para dizer: até sábado.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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  • Que alegria ver suas

    Que alegria ver suas a-crônicas publicadas por aqui. Tenho como certo que vai  inspirar muita gente com seus textos. Pra mim, eles tem gosto de laranja do quintal aqui de casa, de caldo grosso e sabor forte, doce, azedo e amargo. Fruto suculento, que escorre pela boca e temos que chupar até o bagaço. No final, queremos mais. Aqui em casa a gente não deixa desperdiçar as laranjar não. Até o próximo sábado. Beijo e sucesso!

  • Que alegria ver suas

    Que alegria ver suas a-crônicas publicadas por aqui. Tenho como certo que vai  inspirar muita gente com seus textos. Pra mim, eles tem gosto de laranja do quintal aqui de casa, de caldo grosso e sabor forte, doce, azedo e amargo. Fruto suculento, que escorre pela boca e temos que chupar até o bagaço. No final, queremos mais. Aqui em casa a gente não deixa desperdiçar as laranjar não. Até o próximo sábado. Beijo e sucesso!

  • Que alegria ver suas

    Que alegria ver suas a-crônicas publicadas por aqui. Tenho como certo que vai  inspirar muita gente com seus textos. Pra mim, eles tem gosto de laranja do quintal aqui de casa, de caldo grosso e sabor forte, doce, azedo e amargo. Fruto suculento, que escorre pela boca e temos que chupar até o bagaço. No final, queremos mais. Aqui em casa a gente não deixa desperdiçar as laranjar não. Até o próximo sábado. Beijo e sucesso!

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