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Escrita de inverno, por Maíra Vasconcelos

Escrita de inverno, por Maíra Vasconcelos

Soñé que cantaba. Cantaba como quien encuentra su voz en la noche.
Alejandra Pizarnik (Diários)

Quanto tempo escrevo neste jornal em busca de uma única voz. Cinco anos tem quantas semanas? A voz que desejo para esse espaço de escritura ainda não aconteceu, ou talvez, sim. E pode ser apenas isso, dar importância à palavra talvez e à busca que é o movimento a. Mas agora não vejo com tanta claridade que seja assim. E ver é tão fundamental como encontrar a voz.

Talvez, não se deva ensinar a escrever, mas sim a olhar. Os olhos sempre trabalham primeiro do que a escrita, na ordem de captação das coisas. Entende? Primeiro o olhar, depois o trabalho com as palavras. E a voz é o que está entre essas duas importâncias no ato da escrita, entre os olhos e as mãos: essa única voz que ainda não a encontrei para escrever neste jornal.

Há tudo o que se vê sem premeditação e vontade alguma. E pode ser um horror ver sem querer. Sendo isso muito comum em quem se dedica a escrever. A dedicatória de meu próximo livro será: aos olhos. Que no meu caso, nunca foram vesgos. Mas, aos quatro anos, jurava em frente ao espelho que era vesguinha. Isso deveria ser apenas a minha prematura busca pelo lado de todas coisas.

Há anos estreio neste jornal o que ainda não saiu de trás das cortinas. Não são os fantasmas que me seguram, ou talvez, sim. Existem lugares que nos permitem ver melhor. E ver é tão fundamental como encontrar a voz. Mas o que busco é a permanência, a concretização exata de uma única voz, apenas uma. E não essa variação extrema onde o leitor não sabe com o que irá se deparar na próxima semana. 

Quero dizer, é cansativo escrever para o jornal e variar tanto e mudar entre construir e desconstruir uma personagem-escritora. Ou direi que essa que escreve no jornal sou eu mesma. Entre realidade e fantasia, ainda não me fixei em nenhuma dessas duas dimensões para falar no jornal. Entende? Mas talvez isso seja apenas uma enorme e necessária mentira para continuar a escrever e buscar a voz, uma única voz.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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