A primeira história em quadrinhos moderna

Enviado por Jota A. Botelho
Do DW

MAX E MORITZ, PAIS DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS MODERNA

A saga do clássico infantil, já traduzido em mais de 200 línguas, começou em 1865. A dupla de traquinas deu início a uma linhagem de HQs que perdura até nossos dias, e que o Museu Wilhelm Busch em Hannover revela.

“Não têm conta as aventuras, / As peças, as travessuras / Dos meninos mal criados… / – Destes dois endiabrados”. Assim começa a História de dois meninos em sete travessuras. Parte indissociável do patrimônio cultural alemão, os garotos Max e Moritz também encontraram grande receptividade internacional, com traduções em mais de 200 idiomas e dialetos.

No início, seu autor e ilustrador Wilhelm Busch (1832-1908) jamais poderia ter imaginado tal trajetória de sucesso. A primeira editora a que ofereceu a obra pronta, em 1864, recusou-a por temer que ela não venderia. Só no ano seguinte o editor Kaspar Braun se prontificou a publicar na íntegra as histórias rimadas e acompanhadas por desenhos.

O êxito não se fez esperar: logo Busch viu seu livro se tornar um best-seller. A primeira tradução, para o dinamarquês, foi lançada em 1866; poucos anos mais tarde, a inglesa; em 1887 já saía uma edição japonesa. A versão brasileira coube a Olavo Bilac (1865-1918), que rebatizou os dois travessos como Juca e Chico.

Manifesto de crítica social?


Wilhelm Busch (1832-1908)

“O sucesso surpreendeu o próprio Wilhelm Busch”, diz Eva Weissweiler, autora de uma biografia sobre o escritor natural da Baixa Saxônia. Em sua opinião, contudo, Max e Moritz não é necessariamente um livro infantil, mas antes uma obra política, em que Busch criticava sua época.

“Nos anos 1860 houve ondas de emigração em massa, das regiões rurais pobres para a América. Havia muitos peões incrivelmente pobres, que simplesmente deixavam seus numerosos filhos para trás. Por isso, milhares de crianças sem pais vagavam de lugar em lugar, em parte se alimentando através de pequenos furtos, como Max e Moritz.”

Assim, segundo sua tese, se existe uma tendência “moral” na obra, ela é no sentido de “rindo, denunciar as terríveis condições sociais criadas pelos adultos”.

E o final? Max e Moritz acabam mortos, triturados no moinho e devorados pelos patos. Também isso não estava muito longe da realidade da época, argumenta Eva Weissweiler. Muitas crianças que eram apanhadas roubando comida acabavam presas por décadas. Para os delinquentes reincidentes, a pena podia até ser a morte.

“Quer na forca do presídio, quer no moinho, morto é morto”, conclui a biógrafa. Assim, ela vê no livro uma amarga acusação social, ainda que temperada com uma farta dose de ironia e humor.

Pai dos comics americanos

Independente de como seja interpretado, outro componente tornou Max e Moritz famoso: hoje, a história ilustrada é unanimemente considerada pioneira da história em quadrinhos modernas, que despontaria nos Estados Unidos só no final do século 19.

Essa progressão é mostrada na exposição Streich auf Streich. 150 Jahre Max und Moritz (Travessura em cima de travessura: 150 anos de Max e Moritz), no Museu Wilhelm Busch de Hannover.


Edição de 1901 de “Os Sobrinhos do Capitão”

As HQ fizeram sua primeira aparição nos jornais americanos. Em 12 de dezembro de 1897, a edição dominical do New York Journal trouxe The Katzenjammer Kids (no Brasil: Os Sobrinhos do Capitão), de Rudolph Dirk.

O desenhista alemão seguia a encomenda do magnata da imprensa William Randolph Hearst. Desejoso de aumentar a tiragem de seu jornal, ele teria comentado que o complemento de domingo precisava de “alguma coisa como Max und Moritz”.

Dirk tomou essas palavras literalmente, criando os gêmeos traquinas Hans e Fritz. Além disso, “na América do Norte havia, então, uma imprensa de língua alemã bastante ativa”, observa Martin Jurgeit, curador da exposição em Hannover, “e lá os dois eram chamados, explicitamente, Max e Moritz”. Puro plágio – se diria hoje em dia.

Tudo isso se passou enquanto Busch ainda vivia, porém ele não promoveu nenhuma ação judicial. E nem podia, ressalta Jurgeit, pois já não detinha mais os direitos autorais sobre Max e Moritz, transferidos integralmente a seu editor Kaspar Braun.

A correspondência do autor mostra que ele tinha pleno conhecimento do que ocorria nos Estados Unidos, diz a biógrafa Eva Weissweiler. “Ele ficou, assim, entre aborrecido e lisonjeado. Aborrecido pelo plágio bem óbvio, e lisonjeado por seu conto de aldeia ter encontrado tamanha ressonância internacional.”


“Max e Moritz” em manuscrito original

Os manuscritos originais de Max e Moritz foram preservados, e estão sendo exibidos agora pelo Museu Wilhelm Busch. Eles compõem a abertura da mostra, que traça a trajetória até as HQ contemporâneas.

No entanto, nem todos os países se alinham com essa genealogia, comenta Martin Jurgeit. A França, por exemplo, atribui sua tradição de história em quadrinhos ao suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846) – o qual, contudo, não teve grande influência sobre o mercado americano, ao contrário de Busch.

Por outro lado, as HQs francesas e belgas foram fortemente influenciadas pelas americanas na década de 1930 – o que implicaria uma ascendência indireta de Wilhelm Busch sobre a linhagem francesa, reforça o curador.

“Sem os comics americanos, não haveria as histórias em quadrinhos como as conhecemos hoje”, assegura Jurgeit. E esses comics se fundamentam, bem explicitamente, sobre a linha iniciada pelas histórias ilustradas alemãs, em especial as de Wilhelm Busch. Deste modo, não é de surpreender que a distinção às mais importantes contribuições de HQ no mundo germanófono seja intitulada “Prêmio Max e Moritz”.
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Ilustrações & Museu Wilhelm Busch de Hannover

https://www.youtube.com/watch?v=NbqzT6Q35qU align:center]
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1865: WILHELM BUSCH LANÇA “MAX und MORITZ”

Em 4 de abril de 1865 foram publicadas as travessuras de Max e Moritz (no Brasil transformados por Olavo Bilac em Juca e Chico). A obra foi escrita e ilustrada por Wilhelm Busch, precursor das histórias em quadrinhos.


Max e Moritz, dois meninos em sete travessuras

A história em sete capítulos Max und Moritz, sobre dois garotos travessos, foi escrita e ilustrada pelo pintor, desenhista e poeta alemão Wilhelm Busch, quando contava 33 anos de idade, em 4 de abril de 1865.

Precursoras das histórias em quadrinhos, as traquinagens dos dois meninos foram publicadas em Munique, tornando-o famoso no mundo inteiro. Baseado na infância de Busch, o texto que acompanha os desenhos é todo em versos, no Brasil traduzidos pelo poeta Olavo Bilac, que batizou os dois meninos traquinas de “Juca e Chico”.

“Busch retratou com ironia a burguesia bem comportada, fazendo uma sátira mordaz dos livros infantis de sua época”, analisa o professor Walter Pape, da Universidade de Colônia, estudioso do autor natural de Wiedensahl, na Baixa Saxônia. Na época, a obra encontrou pouca repercussão, e apenas uma publicação para professores, da Prússia, tomou conhecimento dela. Entretanto, a fama do autor de Max und Moritz cresceria lentamente.


Traquinagens de Max e Moritz

Inspiração para Mickey Mouse

Busch foi responsável indireto pela criação do personagem Mickey Mouse, pois Steamboat Willy, o primeiro camundongo de Disney, foi inspirado em Os sobrinhos do Capitão, um cartoon que surgiu em 1897 no New York Journal. Os sobrinhos chamavam-se Max e Fritz.

Cada um dos sete capítulos de Max und Moritz relata uma travessura dos dois meninos. Depois de matarem as galinhas de uma vizinha, roubam seus assados e os comem, serram uma ponte de madeira, fazendo o alfaiate cair no riacho.


Autorretrato do desenhista, poeta e escritor Wilhelm Busch

A próxima vítima é o tio: seu cachimbo explode e sua cama fica misteriosamente cheia de besouros. Seguem-se ainda os reboliços na padaria e os sacos de cereal furados, até que os dois acabam no moinho: “Rickeracke, rickeracke”, numa imitação do som da moagem.

Um ano após a publicação de Max und Moritz em Munique, lançou-se a versão em dinamarquês. De lá para cá, as aventuras dos dois personagens de Wilhelm Busch já foram publicadas em 200 idiomas.

Otto Busch (rw)
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Max e Moritz – História de dois meninos em sete travessuras, publicado pela primeira vez em 1865. É considerado um trabalho ainda precoce de Busch. No entanto, ela tem na estrutura do enredo regularidades marcantes, e um padrão de conteúdo e natureza estética e estilística bastante eficazes, o que irá se repetir nas histórias posteriores ilustradas por Wilhelm Busch.

https://www.youtube.com/watch?v=e8_-l9k3Ftw align:center

Der Eispeter é uma das ilustrações mais antigas do poeta das histórias em quadrinhos Wilhelm Busch, publicada de forma independente em 1864. É uma história bem-humorada de um menino que sai de casa, e contra a advertência de seu tio, que é um engenheiro florestal, ele vai para as geleiras e cai de um bloco de gelo. Levado para casa inteiramente congelado é colocado num forno para se descongelar, mas acaba se derretendo completamente, quando então é guardado dentro de um pote para recordação da família. 

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Saiba mais:
História inédita de Wilhelm Busch encontrada em arquivo bávaro
# 1908: Morre Wilhelm Busch
Max und Moritz traduzido para o português por Olavo Bilac
Capa de Juca e Chico – História de Dois Meninos em Sete Travessuras, 
de Wilhelm Busch, tradução de Olavo Bilac, 11ª. edição, São Paulo, Edições Melhoramentos, s/d. 


# Imagens: Travessura em cima de Travessura – 150 anos de história em quadrinhos em língua alemã
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Jota Botelho

3 Comentários

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    1. Olavo Bilac & Os pestinhas de Busch

      Foi de Olavo Bilac (1865-1918) a primeira tradução do livro em 1915 e a opção, inclusive, pelos nomes Juca e Chico (Juca e Chico, História de Dois Meninos em Sete Travessuras), na primeira edição pela Melhoramentos. Não deixa de ser intrigante que o poeta se encantasse tanto pelas estripulias nada parnasianas ou cívicas de Juca e Chico, embora dê para imaginar o gosto de encontrar a rima… E a tradução de Bilac tem um ritmo e uma qualidade literária que chegam aos dias de hoje em plena forma. Quanto à tradução de Juca e Chico, é curioso comparar as duas novas edições brasileiras (a tradução de Olavo Bilac e da de Claudia Cavalcanti, pela Ed. Iluminuras) e o esforço de encontrar as soluções, verdadeiras cambalhotas da rima. Como o texto é em forma de rimas e elas devem imprimir ritmo e graça, obviamente o texto em português sai completamente diferente, preservando o enredo e o espírito original. Leitores do alemão certamente vão se divertir comparando as traduções e o esforço de encontrar as rimas que deem conta das engraçadas aventuras dos pestinhas.

      Juca e Chico: história de dois meninos em sete travessuras



      Tradução de Olavo Bilac, Ed. Pulo do Gato (nova edição de 2012)

      As travessuras de Juca e Chico



      Tradução de Claudia Cavalcanti, Ed. Iluminuras (tb. de 2012)

      Bilac, como outros escritores do início do século 20, se preocupavam com o que liam as crianças. Em ‘Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: história, autores e textos’ (Global, 1986, 4ª Ed.), Marisa Lajolo e Regina Zilberman contam que Bilac escrevia para as criaças e compôs, entre outros, Poemas infantis (1904), Contos pátrios, com Coelho Neto (1904), Teatro infantil, com Coelho Neto (1905) e Através do Brasil, com Manuel Bonfim (1910).
      Consultas: Publishnews & Estadão & Ed. Pulo do Gato & Revista Emília
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