Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “Infinity Chamber”, o homem enfrenta a versão mais diabólica de HAL-9000, por Wilson Ferreira

Desde o duelo mortal entre o astronauta Dave Bowman e o computador HAL-9000 no filme “2001” de Kubrick, o cinema não havia conseguido repetir uma luta tão icônica entre a inteligência humana e a artificial. Isso até o filme “Inifinity Chamber” (2016), na qual o homem enfrenta a nova geração da IA: os aplicativos e algoritmos capazes de aprender até o ponto em que poderiam saber mais sobre nós do que nós mesmos. Um homem é raptado em uma cafeteria, para acordar em uma cela high tech observado por uma câmera de teto: é o olho artificial de um computador chamado Howard. Sua função: mantê-lo vivo, para escanear suas memórias e fazê-lo repetir mentalmente em infinitas vezes o mesmo dia em que foi raptado, para tentar achar a evidência da sua ligação com um grupo terrorista. Um filme sobre tecnologia, sonhos e memória. Uma metáfora de como atuais aplicativos que fazem a mediação dos nossos relacionamentos são apenas pretextos para escanear nossos sonhos e pensamentos.

Quando o astronauta Dave Bowman travou uma batalha com o computador HAL-9000 (a máquina estava decidida a matar toda a tripulação da nave Discovery) no seminal 2001: Uma Odisséia no Espaço, interações humanas com computadores ainda estavam no reino da ficção científica.

Meio século depois os computadores e a inteligência artificial (IA) estão intrinsecamente ligados às nossas vidas através de sistemas ativados por voz como Siri, Cortana ou Alexa – solicitações de pesquisas, interação com os amigos, comprar o ingresso de um show através de computadores ou telefones celulares que, graças aos algoritmos, aprendem e parecem conhecer mais sobre nós do que nós mesmos.

Décadas depois, essa é a diferença decisiva entre as conversas entre Bowman e o HAL 9000 e as nossas com iphones e sistemas de comandos de voz: lá em 2001 a relação entre homens e máquinas era extrínseca (máquinas existiam para dar conta de funções repetitivas – às vezes até se rebelavam e queriam matar o seu criador).

Hoje, nossas relações com a IA são intrínsecas: a inteligência algorítmica aprende conosco, quer se antecipar às nossas escolhas e decisões. Em outras palavras, pretendem mapear nosso comportamento, escanear nossas mentes e adivinhar nossos pensamentos. No passado, a IA queria substituir o fator humano; na atualidade, quer simula-lo a tal ponto que as fronteiras entre homem e sistemas digitais, realidade e simulação, desapareçam. E o homem se encontre definitivamente imerso nas interfaces e bolhas virtuais como, por exemplo, nas redes sociais.

Mas se no passado o conflito entre homens e máquinas tinha a ver com alguma natureza metafísica ou épica (máquinas adquirindo alma ou inteligência), aqui em nosso presente os algoritmos aprendem sob o comando de interesses corporativos e políticos – vide a denúncia sobre o vazamento dos perfis do Facebook pela Cambridge Analytics para a campanha eleitoral de Donald Trump. 

 

Uma metáfora sobre IA atual

O filme Infinity Chamber (2016) é uma instigante metáfora dessa nova fase da IA: um homem aparentemente foi preso e colocado em uma futurista prisão totalmente automatizada, controlada por um computador chamado Howard. Na verdade, uma unidade chamada LSU – Unidade de Suporte de Vida.

Sua função é aprender com o prisioneiro, entrar em sua mente, devassar suas memórias para descobrir algum segredo que interessa a um governo totalitário chamado ISN. Aquele homem é suspeito de fazer parte do grupo de oposição chamado de Aliança e que pretende, de alguma forma, derrubar a rede informática que mantém o sistema de dominação do Estado.

Infinity Chamber é um filme sobre tecnologia, sonhos e memória que em muitos aspectos lembra os temas da série Black Mirror: a morte dos meios de comunicação social para, em seu lugar, colocarem complexos aplicativos de namoro ou relacionamentos que são apenas pretextos para escanear nossos sonhos e pensamentos antes de se tornarem realidade.

Um thriller como fosse um jogo de gato e rato no qual prisioneiro e IA tentam, cada qual, entrar na mente do outro através de um complexo jogo de criação de falsas memórias com objetivos opostos – para o protagonista, a fuga daquela prisão; e para a LSU Howard, extrair o segredo da mente do prisioneiro.

 

O Filme

Tudo começa quando Frank (Christopher Soren Kelly) está em um cafateria observando algumas fotografias enquadradas em uma parede. Somos chamados a atenção para uma luz vermelha, como algo que está escaneando todo aquele ambiente. De repente, Frank é nocauteado por algum tipo de arma neutralizadora disparada por dois homens.

Ele acorda em um cela de prisão futurista e estéril – a única coisa que se aproxima de alguma ideia de conforto é uma poltrona de veludo cinza. Superada a confusão inicial, Frank começa a conversar com uma voz humana proveniente de uma câmera de segurança de teto.

Frank é informado que está sendo “processado” e que é suspeito de estar envolvido em alguma trama terrorista high tech. Para o espectador, todo os contexto social e político é informado de forma fragmentada através de detalhes nas cenas. 

A voz aparentemente humana chama-se Howard. Diz que o seu trabalho é apenas supervisionar o prisioneiro e mantê-lo vivo. Frank protesta sua inocência, mas a voz diz que não tem mais nenhuma informação para dar.  

Frank vai descobrindo mais detalhes: há uma estranha máquina no fundo da cela, girando, e que de alguma forma está prospectando suas memórias de uma forma insidiosa – Frank é obrigado a reviver infinitas vezes aquele dia em que foi nocauteado na cafeteria. Parece que todo aquela prisão é um dispositivo para encontrar alguma prova do seu crime nas suas memórias.

E Howard é essencialmente um aplicativo comum de fala mansa que abra e fecha a porta do banheiro e fornece para Frank café, sucos e alimentos, como fosse uma máquina de venda automática.

 

Com o tempo, Frank começa a compreender os mecanismos de funcionamento da cela, de Howard (ele parece periodicamente ser reiniciado) e do loop das memórias. Assim como Howard, Frank aprende com elas e tenta transformar as memórias em uma espécie de sonho lúcido: começa a interagir com Gabby (Cassandra Clark) para tentar alterar o curso dos acontecimentos que já ocorreram. Para dessa maneira criar falsas memórias e enganar a máquina que monitora seus neurotransmissores e os impulsos químicos que criam as memórias.

De fato, Frank tem algum segredo a guardar. E parece ser relacionado a uma pen drive que esporadicamente aparece em seu loops de memória.

Porém, a situação fica ainda mais complexa quando percebemos o dispositivo de monitorar as memórias (ou será o próprio Howard?) também é capaz de criar falsos loops inspirados no maior desejo de Frank: escapar daquela cela.

 

Fica a sensação que todo o aparato seria uma gigantesca máquina de interrogatório automatizada e senciente: como no mundo real, Howard e a máquina de manipulação de memórias fariam o papel do “bom policial” e do “mal policial”, personagens clichês nos interrogatórios policiais. Um é pior do que o outro ou serão apenas partes de um mesmo programa?

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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