Mulheres e cinema (III), por Walnice Nogueira Galvão

Mulheres e cinema (III)

por Walnice Nogueira Galvão

O filme Estrelas além do tempo (Hidden figures), dirigido por Theodore Melfi, retira da obscuridade três mulheres cientistas negras, da NASA, os cérebros que fizeram todo o trabalho de base da corrida espacial americana. Enquanto isso, os holofotes focalizaram o astronauta Neil Armstrong, que foi o primeiro a pisar na Lua – mas para elas, apenas silêncio. Uma das três, Katherine Johnson, menina-prodígio em matemática, sobreviveria às outras duas e seria agraciada aos 97 anos (!) com a Medalha da Liberdade: e assim mesmo porque quem a conferiu foi um presidente negro. Ela ainda figurou na cerimônia de entrega do Oscar ao lado de Octavia Spenser, que fez seu papel no filme e foi premiada. Atenção: não se trata de ficção, mas de história. Margot Lee Shetterly, autora do livro em que o filme se baseou, é filha de dois cientistas e fez toneladas de pesquisa.

Outro livro, The glass universe: the hidden history of the women who took the measure of the stars, de autoria de Dava Sobel, fala do Observatório da Universidade de Harvard. Lá as mulheres, desde o fim do séc. XIX, têm sido cruciais para descobrir novas estrelas, analisar suas condições de nascimento, medir distâncias entre elas, e assim por diante. Foram dezenas de mulheres a distinguir-se com feitos científicos notáveis, quando ainda nem votar podiam. Foi assim que Harvard acabou criando um diploma universitário em  astronomia. E a primeira turma foi toda constituída por mulheres. A autora é especialista em livros de história da ciência em nível de alta divulgação.

Chama a atenção a escocesa Williamina Fleming, que chegou da Escócia grávida e solteira, para ser empregada doméstica na casa do diretor do Observatório. Aos poucos foi mostrando seus talentos e acabaria por se tornar uma astrônoma respeitada. Logo descobriu uma stella nova, das quais só havia nove, duas delas devidas a Tycho Brahe e uma a Galileu. Encontraria ao todo dez – ou seja, descobriu tantas quanto todos os séculos anteriores… Em sua lápide consta apenas uma palavra: “Astrônoma”.

Essas mulheres, nessa época e nessa posição, eram praticamente “casadas” com seu trabalho, que exigia dedicação extrema. Imaginem, medir estrelas! (Olavo Bilac preocupava-se só com “ouvir estrelas”…) Se alguma delas se casava, pedia demissão e nunca mais trabalhava, como houve vários casos – embora com exceções.  

Astrônoma de Harvard, Cecilia Payne viajou pela Europa fazendo conferências, e lá conheceu um russo que tinha feito doutorado com base nas descobertas dela. Ele era tão ardoroso fã que viajou 150 milhas de bicicleta para conhecê-la. Cecilia ajuda-o a emigrar para os Estados Unidos, arruma-lhe emprego em seu próprio Observatório e se casa com ele, embora ele fosse dez anos mais moço, tendo vários filhos e continuando com suas pesquisas. A ela deve-se a descoberta de que as estrelas, nas quais predomina o hidrogênio, não são feitas do mesmo material que a Terra, derrubando uma crença ancestral.

Este livro ainda não foi filmado, mas esperamos que seja.

Já o documentário americano Mercury 13 narra o itinerário de uma equipe de 13 mulheres, algumas delas pilotos profissionais, selecionadas e  treinadas para serem astronautas da NASA durante a corrida espacial. Foram afinal descartadas e nenhuma delas incluída em qualquer programa apesar de aprovada – o que se repete até hoje. Mas esquecem de enfatizar que para essa equipe especial de 13 mulheres altamente qualificadas, ao contrário do que mostra Estrelas além do tempo, só selecionaram brancas. Esquecem igualmente que a Rússia logo enviaria ao espaço Valentina Tereshkova, em 1963, logo depois de Gagarin, tornando-a até hoje a única mulher que já fez voo solo em espaçonave, dando volta à Lua. Esse recorde é dela.

Enquanto isso, o Jornal da USP (7.3.2018) publica alarmante matéria sobre o dado de que as mulheres em Ciência da Computação hoje são apenas 15 % do alunato dessa universidade paulista, mas quando o curso foi criado na década de 70 eram 70%. E foram reconhecidas então como “criadoras de diversas tecnologias e linguagens de programação”. O que teria acontecido? Fica a pergunta.

Walnice Nogueira Galvão – Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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