“Nocturama”: explodam estátuas e palácios, mas deixem os shopping centers!, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O cenário é a crise econômica e desemprego na França pós crise do Euro de 2008. Um grupo de jovens de diversas origens étnicas caminha pelas ruas de Paris. Silenciosos trocam olhares, pegam pacotes em cestos de lixo e descartam telefones celulares após utilizarem. Aparentemente cansados da sociedade, planejam um ousado atentado: explosões simultâneas na cidade, mandando pelos ares símbolos do poder financeiro e político. “Nocturama” (2016), do francês Bertrand Bonello, mostra como a própria energia utópica e contestadora naturais da juventude, hipnotizada pela rebeldia da cultura de consumo, é cooptada por uma irônica “rebeldia conformista”. Desafie a sociedade explodindo palácios, estátuas e torres do poder financeiro. Mas mantenha intacto os shopping centers. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Quando somos jovens temos muitos sonhos utópicos, ingenuidade, energia e desejo. Na política, o anarquismo, táticas radicais de ação direta, black blocs, autonomia e desprezo à política tradicional partidária sempre fascinaram os jovens ao longo da história política.

Talvez a juventude, antes do ser adulto resignado aos deveres e haveres da vida social responsável, seja o período da vida em que fica mais claro a estrutura hipócrita que torna a vida social uma ficção necessária baseada em três pilares: a mentira (a má fé), a ilusão (a condição gnóstica da falsidade ontológica do mundo no melhor estilo de Matrix e Show de Truman) e a ideologia (a instrumentalização da mentira e da ilusão para finalidades politicas). 

Todos os sistemas sociais sabem do perigo que representa a juventude e, por isso ao longo da História, criaram uma série de dispositivos para punir e controlar os jovens, dos cruéis rituais de iniciação das sociedades antigas à maratona do vestibular e da exploração e humilhação reservado a estagiários em seus primeiros empregos no mundo corporativo.

Porém, o filme Nocturama (2016), escrito e dirigido por Bertrand Bonello, aborda uma ainda mais insidiosa forma de controle da rebeldia da juventude: e se o jovem pudesse ser controlado e resignado ironicamente no seu mais radical ato de contestação contra a sociedade – no terrorismo anarquista? E se a mesma sociedade de consumo que cultua a rebeldia e inconformismo jovem por meio da música e publicidade, pudesse controlar o jovem mesmo no seu maior momento de contestação, quando ele quer ver prédios, estátuas e o Governo indo pelos ares? 

Rebeldia conformista

A forma perfeita de uma paradoxal “rebeldia conformista”.

Um grupo de jovens de diversas procedências étnicas, cansados da sociedade em que vivem, planejam um atentado com diversas explosões simultâneas na cidade de Paris para depois dos ataques esconderem-se por uma noite em um shopping center.

Claro que essa é apenas uma leitura de Nocturama. Na verdade Bonello se recusa a dar uma explicação para a ação metodicamente planejada por aquele grupo de jovens. O ritmo da narrativa lembra bastante Elephant, 2003, de Gus Van Sant (sobre os jovens atiradores que fizeram um massacre na escola de Columbine, EUA) com seus planos longos e meramente descritivos: o diretor apenas se preocupa com o “como”, deixando de lado qualquer especulação sobre o “porquê”.

Bonello vinha de uma produção anterior de época (House of Tolerance, 2011)  e pretendia agora fazer um filme sobre a sociedade moderna. A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi o terrorismo e a tensão que vive a cidade de Paris com os últimos acontecimentos. “Você quase cheira no ar”, descreve o diretor (clique aqui).

Embora Bonello tenha optado por uma narrativa meramente descritiva com longos planos panorâmicos maravilhosos da cidade de Paris, ele coloca uma questão intrigante: por que diante do caos, do apocalipse ou do fim, o primeiro lugar que pensamos em nos esconder na atualidade é o shopping center? – fantasia recorrente como, por exemplo, em filmes sobre apocalipse zumbi ou pós-apocalípticos.

O Filme

Nocturama é dividido em três atos bem definidos: primeiro ato, planejamento e execução dos atentados; segundo ato, o isolamento do caos do mundo exterior em um shopping center; terceiro ato, o castigo da força de um poder político que cai sobre suas cabeças.

Os primeiros 20 minutos é uma espécie de panóplia do planejamento e execução das ações: acompanhamos diversos jovens parisienses de diferente origens étnicas que, silenciosos, embarcam em metrôs, trocam olhares entre si, retiram e jogam pacotes em cestos de lixo, utilizam e depois jogam fora telefones celulares etc. 

Percebemos a natureza simultânea; enquanto um entra no prédio do Ministério do Interior para conversar com um conhecido do seu pai, outro sobe os andares de uma torre financeira enquanto uma garota se hospeda em um hotel diante da estátua de Joana D’Arc. 

A marcação do tempo sempre surge na tela. Ocasionalmente as sequências são cortadas por flash backs da vida de alguns deles. Ansioso, o espectador esperamos por algum diálogo que explique a motivação para o planejamento dos atentados. Mas tudo que vemos são jovens preocupados com questões cotidianas como exames escolares  ou entrevistas para emprego.

Ao lado do gosto pelos vídeo clips de hip hop franceses, percebemos que os jovens estão no contexto de crise econômica e desemprego pós crise de 2008 e o derretimento da Zona do Euro.

O grupo está determinado a mandar pelos ares alguns símbolos do poder financeiro e político em Paris: o palácio do Ministério do Interior, a Global Tower no centro financeiro, a estátua de Joana D’Arc em frente ao Hotel Regina, entre outros.

Na bolha do consumo

Nocturama começa a ficar denso em simbolismos quando o grupo se isola em um shopping center para passar a noite, enquanto lá fora Paris vive o caos depois das explosões simultâneas. Tensos, os jovens estão numa espécie de bolha, isolados, sem ouvir sequer um som da cidade lá fora.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  • Pode-se pensar em uma

    Pode-se pensar em uma explicação mais simples, tal como acontece no Brasil. A população, de uma forma geral, sabe que os políticos, em sua maioria, são corruptos e uma fração menor sabe que o poder econômico "corrompe" os políticos. Não vão além desse entendimento. Ou seja, não possuem informação ou conhecimento suficiente para entender que a "corrupção" tem origem na forma de organização social, a mesma que ergue os palácios de consumo e que os abarrota com mercaodorias. São rebeldes, mas ainda assim, alienados. Podem destruir palácios, mas não o poder econômico e a ideologia que os habitam. 

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