Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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PowerPoint nos torna estúpidos?, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O programa Excel produz “cabeças de planilha”. E o PowerPoint produz o quê? Uma pequena amostra foi dada na delação-show protagonizada pelo procurador Deltan Dallagnol ao dizer: “provas são fragmentos da realidade que geram convicção”. O PowerPoint invadiu a estrutura mental, de decisão e compreensão da realidade. A princípio, qualquer coisa pode ser “bullet-izabel” (“itemizável”). É a pré-formatação da realidade, uma verdadeira estrutura de decomposição do real. Tão fragmentadas e genéricas como as supostas provas contra o “general do maior esquema de corrupção da História”. O PowerPoint se expandiu a todos os setores da sociedade, das empresas ao Estado e à escola onde alunos vão deslizando o olhar por tópicos através dos quais o efeito de conhecimento se confunde com o próprio conhecimento. Cria a linguagem powerpointiana: ilusão, simplificação, distração e anestesia.

Um fantasma assombra escolas, universidades, corporações e, agora, o Ministério Público Federal: o PowerPoint. A performance do procurador Dallagnol tentando coordenar sua fala com as dezenas de slides da sua denúncia contra “o general do maior esquema de corrupção da História” é reveladora. Não só de uma bizarra peça acusatória muito mais baseada em “convicções” do que em “provas cabais”. Mas daquilo que poderíamos chamar de “cultura PowerPoint” que assombra cada sala de aula ou auditório de apresentações.

Os procuradores federais, jovens concurseiros que, com muito esforço, traçaram seus caminhos da sala de aula dos cursos de Direito para a promoção em concursos públicos, certamente estudaram em muitos quadros sinópticos impressos em slides de PowerPoint. Moldaram seus raciocínios e matéria de estudos através de bullet-izable (itemizáveis), gráficos espaguete com muitas setas e linhas e tabelas e mais tabelas onde as letrinhas pequenas espremidas em células hifeniza as palavras tornando a leitura ainda mais irritante.

E também certamente Dallagnol demonstrou o atavismo das apresentações em grupo do seu passado de estudante na Universidade, onde o aluno, tímido e ofuscado pela luz do data show, apenas lê aquilo que já está no slide. 

Mortes por PowerPoint

A cultura PowerPoint (no qual o software torna-se vício, muleta para um discurso vazio ou camisa de força intelectual) já criou sérios estragos.

Por exemplo, para o especialista em infografia Edward Tufte, slides de apresentações dos engenheiros da NASA ajudaram a esconder informações essenciais que teriam evitado a explosão do ônibus espacial Columbia em 2003 – leia “PowerPoint Makes You Dumb”, New York Times – clique aqui.

Outro artigo também do New York Times (“We Have Met the Enemy and He is PowerPoint”) apontou que até os militares norte-americanos estão questionando o uso excessivo do Power Point como instrumento de informação e treinamento. A ponto do General McBaster acusar o programa como um “inimigo interno”. Para ele, “o Power Point nos torna estúpidos porque cria a ilusão da compreensão e controle”. 

O artigo não perdoa o uso abusivo do programa pelos oficiais nas campanhas do Afeganistão e Iraque e relata o livro Fiasco de Thomas Ricks que conta a pitoresca história de um slide que se tornou um meme na Internet – assim como os slides do procurador Dallagnol. Criado por um oficial para retratar a complexidade da estratégia militar americana, mais parecia um prato de espaguete. “Quando entendermos esse slide, teremos ganho a guerra”, disse o oficial fazendo a sala onde fazia a apresentação explodir em gargalhadas. O incidente tornou-se uma piada recorrente no Pentágono, Iraque e Afeganistão – veja abaixo o slide.

A questão hoje é chamada de “mortes por PowerPoint”, devido às vidas que se perdem pela falta de precisão e profundidade das informações transmitidas durante apresentações nos departamentos militares.

PowerPoint Rangers

McBaster acusa que os oficiais juniores (os quais chama de “PowerPoint Rangers”) passam mais tempo na preparação de slides para uma reunião do Estado Maior ou para um briefing do líder de pelotão no Afeganistão, do que tomando decisões. “O programa abafa a discussão, pensamento crítico e reflexivo de tomada de decisão”, alertou o general.  – clique aqui.

Franck Frommer no seu livro El Pensamiento PowerPoint – indagación sobre este programaque te vuelve estúpido (Ediciones Peninsula, 2011) afirma que nele interessa mais a exibição do que a demonstração e busca hipnotizar o público e limitar a capacidade de raciocínio. Segundo Frommer, usam-se slogans e verbos no infinitivo. Muitas vezes se incorporam imagens que não têm nada a ver com o que se diz, simplesmente adorno estético. Exige-se uma sala escurecida com gente atenta, consumindo 15 slides a cada meia hora. Quando abandonam a sala, praticamente os haverá esquecido.

Frommer acredita que em si o PowerPoint não é bom e nem mal. Ele está interessado no que chama de “contaminação do discurso” pelo programa.

Mas por que esse programa contaminou de tal maneira escola, universidades, corporações e, agora, o Judiciário? – podemos imaginar em um futuro próximo advogados apresentando argumentos em slides ao invés de peças processuais.

Pré-formatação da realidade

O PowerPoint foi criado em 1987 por Robert Gaskins como um programa para ajudar a imprimir slides em transparências de retroprojetor. Logo, Bill Gates mostrou suas garras e comprou o programa. Em 29 anos de existência, o próprio Gaskins tem queixa em relação ao destino do PowerPoint – “muita gente deixa de gerar documentos completos para resumi-los em slides”.

O certo é que o PowerPoint invadiu a estrutura mental, de decisão e compreensão da realidade. A princípio, qualquer coisa pode ser bullet-izabel. É a pré-formatação da realidade, uma verdadeira estrutura de decomposição do real. E o que é pior: através de templates sempre disponíveis, pagos ou gratuitos baixados diretamente da Internet.

Na origem, o PowerPoint é útil para ilustrar ou chamar a atenção do público a determinados tópicos. Mas jamais um slide pode sintetizar um raciocínio medianamente abstrato.

Sedução pelo PowerPoint

Porém o programa se torna sedutor porque, num piscar de olhos, pode atender a quatro funções ideológicas: ilusão, simplificação, dissuasão e anestésico.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

10 Comentários

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  1. Sou radicalmente contra o uso

    Sou radicalmente contra o uso do powerpoint, a não ser pra apresentação de gráficos – exceto aqueles gráficos do BC onde escolhem um intervalo diferente para cada gráfico, que também não servem pra muita coisa – ou apresentação de fotografias.

    Na sala de aula ficou comum o uso do powerpoint. Acho mil vezes mais produtivo quando o professor escreve o que tem que apresentar no quadro negro e o aluno copia a matéria. Acredito que assim o aluno fixa o conteúdo muito mais facilmente do que num powerpoint.

    Também acho errado o que acontece no STF, onde um ministro pega um papel e lê. O Dr. Roberto Gurgel passou 5 horas lendo um documento no julgamento do mensalão. Muito melhor seria se ele tivesse disponibilizado esse documento uns dias antes. E aí ninguém perderia tempo escutando ele ler, pois os interessados já teriam lido o documento e já poderiam apresentar suas defesas. Também acho errado um político ler um discurso, a não ser que leia comentando, mas mesmo assim não gosto. Acho que os discursos deveriam ser de improviso, pois muito mais útil do que escutar uma pessoa lendo um texto é ter acesso a esse texto na internet, por exemplo.

     

    1. Eu considero que a leitura de um documento extenso

      era válida na época em que até reis eram analfabetos.

      Como o analfabetismo foi quase todo erradicado, salvo em pequenos segmentos sociais. eu entendo que atualmente a leitura de algum texto mais longo está passando para o ouvinte a ideia de que está sendo chamado de analfabeto. 

      Ora, essa leitura que durou as tais cinco horas poderiam ser muito bem aproveitadas para assuntos mais sérios.

       

  2. Realidade pré-concebida, desonestidade na implicação lógica.
    Vamos ao PowerPoint do MPF.

    Este relaciona Lula como chefe e líder de quadrilha. Pois bem, aponta várias relações de pessoas corruptas e situações de corrupção com o nome de Lula, aliás, como se Lula tivesse governado apenas com essas pessoas e não com outras demais.

    Digo isso pelo seguinte, o presidencialismo de coalizão que é usado como base argumentativa, onde aponta o quanto é forçado o presidente a acordos políticos é o mesmo presidencialismo de coalizão para todos os presidentes e o mesmo para todas as pessoas que estavam sob a liderança e acordos com Lula, todas, não só as corruptas, incluem-se aí as honestas também. Vamos tratar “pessoa honesta” aquela em que não há crime provado. Ora, como fazer a distinção entre honesto e corrupto? Por crime provado, só assim.

    Essa retórica de rede de conexões de Lula com a corrupção esconde a mesma ligação de rede de Lula com a não corrupção! Ou seja, Lula se relacionou profissionalmente, republicana e politicamente de forma legal dentro da rede de ligações do sistema presidencialista de coalizão com pessoas corruptas e honestas, e estas duas entre si também, na esfera governamental.

    Se fôssemos colorizar em bolas, colocaríamos Lula de vermelho no centro  e as demais pessoas com que ele trabalhou ao redor. De azul as corruptas e amarelo as honestas, ligações entre todos, o vermelho de Lula com amarelos e azuis e azuis e amarelos também interligados nas funções da administração pública do executivo do país.

    Esse seria um gráfico mais real e honesto da rede de conexões e nos mostra o seguinte: Lula governou tendo corruptos e honestos sob sua liderança, isso, no entanto, não implica inexoravelmente que ele saiba – no momento – quem é o corrupto ou quem é o honesto.

    O que nos esclarece, também, é que Lula, sendo mais uma peça do sistema como outra, pode ocupar quaisquer das posições também, e não só da rede de corruptos como força o MPF.

    Enfim, a rede de ligação de Lula pode ser qualquer uma, desde quem serve o café até secretários, diretores, ministros. Lula, na verdade, estava ligado pelo presidencialismo de coalizão com honestos e corruptos, e pode muito bem sobre o crime que é acusado pertencer somente a rede dos honestos.

    Enfim, a proposição universal é essa: Lula governou com corruptos e honestos, sendo mais uma peça desse sistema/rede como todos incluindo os ex-presidentes. E isso não implica que ele poderia dizer quem é quem, a não ser que aparecessem provas.

    O MPF atuou por predileção com ímpeto de inquisitor. É a pré-formatação da realidade no PP. Escolheu associar Lula não à integralidade dos fatos da rede do presidencialismo de coalizão que inclui a relação com a rede de pessoas honestas, ao qual Lula pode muito bem ser apenas mais um.

    O MPF não admite descaradamente a lógica implicada dessa relação com os honestos e escolhe, por gosto e predileção, apenas ligações de corrupção a Lula. É isso o que eles chamam de convicção sem provas e o que causa essa pré-formatação da realidade?

    Qual juiz pode condenar apenas por senso comum?

    O argumento beira a imbecilidade ao não admitir a implicância lógica da rede de honestos, em não admitir a proposição universal.

    Ao adotar uma rede relativa a Lula, a da corrupção sem provas, o MPF busca, na verdade, um golpe no direito e na garantia deles utilizando-se do do senso comum, presumindo culpa, ou seja, todo mundo fez ou faz alguma coisa errada o presidencialismo de coalizão é assim mesmo e blá, blá, blá …

    A questão é que é esse o pensamento comum com que a mídia trabalha enquanto manipulação para criminalizar. Daí a necessidade do show midiático promovido com dinheiro público para tentar criminalizar alguém que é a maior liderança política do Brasil e favorito nas eleições de 2018.

    Se isso acontecer o povo deve reagir, pois é apenas um golpe na condenação de alguém sem provas. São as garantias dos direitos constitucionais em jogo e uma ameaça a cada um de nós.

     

  3. A direita não se preocupa com

    A direita não se preocupa com a História,  só se ocupa de seus interesses fecais. Para ela, a História não vai além da próxima esquina. Acontece que a História,  como a Natureza, não perdoa, desmascara. Veja, por exemplo, o que ela já faz com FHC…

  4. Uma imagem vale mais que mil palavras

    Essa é a verdade objetiva e insofismável, independente de conteúdo.

    Um PP, portanto, por ser constituído por uma coleção de n imagens, vale mais que (n x 1000) palavras.

    Independente se as palavras fazem sentido ou não.

    Daí o grande perigo.

    Ao vermos uma imagem, nosso cérebro entorpece. Temos a tendência a acreditar piamente no que vemos. Afinal. está diante de nossos olhos, logo só pode ser verdade.

    As teses mais absurdas podem ser veiculadas através de um PP sem gerar aquele desconforto no ouvinte quando um texto sem nexo é lido ou ouvido.

    Mas o PP não inaugurou essa forma de charlatanismo das ideias. Faz muito tempo que a televisão usa e abusa da fórmula. No Brasil, então, o papel de suporte da ditadura exercido pela televisão foi fundamental para a sua longevidade.

    E aqui, agora, me percebo diante de uma grande dúvida.

    Por que não acho o mesmo do cinema? Afinal o método é similar.

    Sei que o cinema também já foi empregado com esse fim (ver “Leni” Riefenstahl). Entretanto, tenho a impressão (talvez falsa) de que o cinema é menos traiçoeiro. Não sei explicar. Quem sabe o Wilson Ferreira possa me ajudar a  explicar esse paradoxo?

     

  5. Caminhamos celeremente, ou

    Caminhamos celeremente, ou para a mais terrível ditadura mundial, ou para uma guerra mundial de extinção da civilização!

  6. O Power Point e só um

    O Power Point e só um instrumento. Um auxílio pra expor coisas. Os caras que estão atacando o PP não dão aulas na área de Saúde. Pra dar aulas de Filosofia ou Matemática o PP não serve. Na área de Saúde (aliás neste teu blog não existem médicos como eu, né?) o PP e surplus. Aquela exposição do MPF foi ruinzinha mesmo. Mas culpar o programa por isso é injusto. 

  7. Acrescento que powerpoint é

    Acrescento que powerpoint é redundante, ou seja, é desnecessário. Aliás, só é necessário como reforço retórico de quem fala ou lê algo, para dar a impressão a quem escuta, lê e vê de que aquilo tudo reunido ali é algo “lógico”.

  8. O Power Point não tem culpa de ser usado pelo Dallagnol…

    Power Point é um recurso pedagógico válido, bem usado é extremamente útil para o aprendizado. Não se pode colocar no PP a culpa da parcialidade do Dallagnol, que estaria errado de qualquer jeito, com ou sem PP. Um colunista ruim como o Reinaldo Azevedo não invalida o conceito de colunista, assim como por um livro ruim não se pode condenar todas as bibliotecas…

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