O complexo processo de ajuste fiscal

Por Rodrigo Medeiros

A importante discussão vigente sobre o ajuste fiscal em curso no Brasil tem ocorrido publicamente de forma razoavelmente qualificada. Não se trata de um processo isento de controvérsias e contradições, pois ainda não superamos o subdesenvolvimento e as históricas desigualdades socioeconômicas (clique aqui). Portanto, as divergências intelectuais situam-se para além do tom do ajuste planejado. Vejamos brevemente alguns pontos do debate.

Grandes déficits fiscais e em conta corrente do balanço de pagamentos sinalizam a necessidade, em algum momento, de ajustes para um país. As variáveis desses ajustes podem se processar pelas vias do câmbio e/ou da retomada do crescimento econômico (investimentos). Há também quem defenda a redução de gastos públicos em um contexto de retração econômica, algo que Paul Krugman ironicamente chamou de “a fada da confiança” (clique aqui). Afinal, quem irá efetivamente investir em um contexto de retração ou recessão econômica?

A composição do ajuste é capaz de fazer uma grande diferença. Em um relatório intitulado “Por que menos desigualdade beneficia a todos”, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) destaca que “a diferença entre ricos e pobres nunca esteve tão alta”. A disparidade aumentou durante a crise em países como a Espanha, entre outras razões, pelos ajustes fiscais, pelo aumento dos impostos e pelos cortes de benefícios sociais (clique aqui). Para a OCDE, a desigualdade crescente inibe o crescimento e ela já retirou 4,7 pontos percentuais do PIB entre 1990 e 2010 nos países que compõem o grupo. Ademais, alguns estudos constatam a presença de um novo tipo de trabalhador: “o precariado” (clique aqui). O Brasil seria um campo fértil para a proliferação do precariado desde os anos 1980.

Hoje existem muitas políticas capazes de aumentar o crescimento e a equidade, como maior acesso à educação. A tributação progressiva e transparente, por exemplo, também se mostra útil. Com uma maior propensão marginal ao ato de poupar, essa virtude individual dos mais abastados pode se transformar em “tirania” nos tempos de recessão ou depressão econômica para uma coletividade. Como disse Minsky, “o maior defeito da economia capitalista é ser instável. Isso não se deve a choques externos ou à ignorância dos policymakers, mas sim a processos inerentes a ela (..) isso pode ser evitado ou pelo menos minimizado por meio de instituições e políticas apropriadas” (clique aqui).  

A economia brasileira se desindustrializou prematuramente nos últimos anos, algo que já afeta o seu crescimento potencial, e a grande parte dos postos formais de trabalho foi gerada em setores de baixa produtividade. Segundo o estudo de Andre de Queiroz Brunelli: “Apesar de o crescimento populacional da classe média ser consideravelmente maior do que o da classe mais rica, o gasto total e sua fração em serviços da classe mais rica foi suficientemente grande de modo que esta classe responde mais do que a classe média pelo crescimento dos gasto total das famílias com serviços (…) as pressões de demanda serão derivadas especialmente de serviços pessoais e transportes uma vez que o consumo destes agrupamentos do IPCA concilia tanto uma alta fração do consumo total de serviços quanto alta sensibilidade a aumentos de renda das famílias brasileiras” (clique aqui).

Conforme aponta o estudo, a continuidade do processo de inclusão social entre nós tenderá a manter a inflação sob constante pressão, a menos que seja contrabalançada por ganhos de produtividade em setores comercializáveis capazes de reduzir outros preços na economia brasileira. Essas questões não se limitam ao campo do economicismo. Precisamos de estadistas, do bom debate de ideias, do aperfeiçoamento institucional e não gastar mais tanto tempo debatendo as mesquinharias de uma polarização político-partidária que não foi capaz de nos levar além da difícil situação que hoje nos encontramos. 

Rodrigo Medeiros é professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo) 

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