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A privatização da Eletrobras e o estranho timoneiro, por Jean D. Soares

A privatização da Eletrobras e o estranho timoneiro

por Jean D. Soares

A manchete da Folha é irritantemente ambígua. Ao colocar uma manchete tão positiva e situar o ministro no rodapé da manchete, dá a entender que isso não é só a opinião dele, mas também do próprio jornal que vê racionalidade em seu enunciado. O editor tenta convencer o leitor de que privatizar ajuda, e o leitor aceita se quiser e se for quem recebe a ajuda, mas não é preciso pensar muito para adivinhar quem será ajudado.

Esse argumento de privatizar hoje para pagar o reajuste de amanhã é um argumento realmente problemático. Você aceitaria vender o gerador da energia de sua casa para pagar o aumento da conta de luz de seus familiares, gerada também pela venda do gerador, ou você procuraria tornar o gerador útil para todos?

Aceitar a avaliação desse ministro como positiva seria o mesmo que aceitar vender o gerador ou mesmo aceitar que um capitão de uma caravela desmontasse o navio em alto mar para mitigar o fato de não saber como chegar ao destino. Trata-se de adiar um problema ao invés de resolvê-lo. Por esse caminho, o navio está fadado ao naufrágio, mas, pelo menos assim, não é preciso ter o fardo de navegar em um barco tão grande e ter ainda que salvar a todos enquanto o barco naufraga. É uma forma eufemística de dizer “salve-se quem puder”.

O que há de diferente entre a metáfora e a realidade é que, na realidade, a atitude não é feita só por desespero, mas por intenção de diminuir o Estado. O capitão quer, portanto, que o barco tenha menos tripulantes, então lança-os ao mar com pedaços do casco. A ideia de vender ativos estratégicos do estado – como os ligados ao setor de energia elétrica ou ao petróleo – serve para dois intuitos – diminuir sua potência de intervenção social e potencializar os ganhos de capital, como já salientou acerca da Eletrobras Luis Nassif neste GGN. Mas não é o primeiro assalto ao casco do navio por parte do comandante e o motim da esquerda não parece ser o suficiente para deter as insanidades desta nau louca, com tripulantes que só pensam em tirar para si mais uma bela parte do navio.

Se cada um puder boiar numa tábua até a próxima tempestade, quem sabe não teremos sorte? – Responderia um Pangloss mal-informado. Mais provável do que essa cândida visão individualista de mercado de que todos se salvam com dinheiro no final é que o setor financeiro monetize a operação, o setor industrial encontre algum raso lucro a curto prazo, e a população certamente arque com os prejuízos a curto prazo, sob o álibi da crise hídrica. Mais uma vez, sem vergonha alguma e em seus botes salva-vidas, os privilegiados lucram com o caos e desgraça nesse país. Naomi Klein tem material para um novo estudo sobre o caos como forma de governo…

Note-se que, ao invés de discutir formas de garantir a estabilidade do preço para todos, o governo está desestabilizando seu principal garantidor de oferta e preço, possibilitando especulação em torno da energia no pior dos momentos. Já vimos esse teatro antes. A madeira poderá ser comprada a preço livre no mercado, mas não há restos suficientes da caravela… Os racionamentos rondam o cidadão, que já raciona gás e comida. Os preços sobem, e ainda que indignados os consumidores pagam…

E pensar que diante de tantas pedaladas, gestos autoritários e prevaricações o tal capitão ainda permanece como o timoneiro do país. Nós já vimos o congresso muito mais indignado diante de muito menos, com gente muito mais racional no comando. Mas a indignação de políticos no Brasil é seletiva. E no vácuo desse desprezo pela institucionalidade, segue o timoneiro estranho que parece ter saído de uma paródia tosca do plunct-plact-zum, que mais parece uma história de Kafka.

Jean D. Soares é doutor em filosofia e desenvolve projetos de convivência em espaços públicos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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