do Coletivo Transforma MP
Caso dr. Jairinho escancara a seletividade do Sistema de Justiça para réus e vítimas
por Érika Puppim
A farsa da hipocrisia do “cidadão de bem”, defensor da família, moral e bons costumes, “Deus acima de tudo”, fica cada vez mais evidente.
Enquanto a Justiça criminaliza todos os dias milhares de jovens negros e periféricos, acusados de crimes furto, roubo ou tráfico, que correspondem somados a mais de 60% da massa carcerária[1] (que é terceira maior do mundo), figuras como dr. Jairinho circulam livremente fazendo atrocidades com crianças sem serem incomodados.
Da mesma forma, mães negras e em extrema vulnerabilidade social, muitas vezes em situação de uso abusivo de álcool e outras drogas, são consideradas negligentes nos cuidados com filhos, e sem a assistência adequada do Estado, são multadas ou até afastadas de seus filhos pela Justiça, enquanto uma mãe conivente com agressões a seu filho, com perfil branco e de classe alta como Monique, passa ao largo da fiscalização do Conselho Tutelar e de outras instituições do Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e Adolescentes.
Em que pese haver notícias de que dr. Jairinho, em seu 5º mandato legislativo municipal, já esteve envolvido em crimes anteriores, bem como fortes indícios de negligência materna que vem sendo demonstrados na investigação, estes passaram despercebidos pelo Sistema de Justiça por não fazerem parte de seu “público alvo”, não sendo possível o Estado proteger o menino Henry.
No entanto, uma vez ceifada sua vida de forma tão cruel, a mídia as instituições passaram prontamente a dedicar atenção especial e a atuar de forma intensa no caso, pois choca a todos tamanha brutalidade contra uma criança inocente.
Por outro lado, violências praticadas diariamente pelo Estado contra crianças negras e pobres não mobilizam a sociedade, a mídia, tampouco as instituições do Sistema de Justiça. Os meninos de Belford Roxo (Lucas Mateus, Alexandre e Fernando Henrique) continuam desaparecidos e tantas outras crianças como Maria Eduarda, João Pedro e Ágatha são assassinadas por “bala achada”, por disparos de Agentes Estatais numa “guerra” aceita como normal em favelas, vidas que são perdidas como “mero dano colateral” em nome do sacrossanto “combate à criminalidade,” pelo qual perder vidas pretas vale a pena pela paz no asfalto (que nunca chega).
Ao que parece, determinados tipos de réus e de vítimas são invisíveis aos olhos do Sistema de Justiça. O caso dr. Jairinho é mesmo a cara da seletividade da Justiça brasileira.
Érika Puppim é promotora de Justiça do MPRJ e integrante do Coletivo Transforma MP.
[1] https://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil
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