Ele não, por Arnaldo Cardoso

A candidatura de Berlusconi conta com o apoio declarado de Matteo Salvini, líder do partido de direita Lega, e de Giorgia Meloni, líder do partido neofascista Fratelli d’Italia.

Ele não

por Arnaldo Cardoso

É com estas duas palavras, que ganharam sentido tão grave para os brasileiros, que a conhecida revista semanal italiana L’Espresso estampou a capa de recente edição, sobrepondo-as a uma foto de Silvio Berlusconi, personagem marcante da cena política italiana das últimas três décadas.

Il Cavaliere como é chamado por muitos, ou só B, para aqueles que evitam até mesmo pronunciar seu nome, tem hoje 85 anos e, em mais uma jogada política, se firmou como candidato à sucessão de Sérgio Mattarella na Presidência da Itália. A candidatura de Berlusconi conta com o apoio declarado de Matteo Salvini, líder do partido de direita Lega, e de Giorgia Meloni, líder do partido neofascista Fratelli d’Italia. (O Presidente é eleito por voto secreto pela assembleia parlamentar em sessão conjunta, reunindo deputados, senadores e delegados regionais. O mandato é de sete anos. Na última eleição foram 1009 votantes).

É do conhecimento de boa parte dos cidadãos que manter os privilégios atuais e poder garantir uma polpuda aposentadoria são fortes motivações de muitos políticos. Um fator novo e preocupante é a existência de 113 parlamentares “No Vax”, isto é, contrários às vacinas contra a Covid-19, portanto críticos do governo do premiê Mário Draghi e cujos votos são uma incógnita.

Se o “Ele não” é tão familiar aos brasileiros, Salvini também se tornou conhecido especialmente dos brasileiros preocupados com as articulações internacionais da extrema-direita pois, por várias vezes o líder da Lega declarou admiração por Jair Bolsonaro – ou só B, ou Coiso, ou Bozo, para aqueles que evitam pronunciar seu nome – e recebeu declarações recíprocas do brasileiro que, na vexatória recente viagem que fez ao país da bota, não perdeu a oportunidade de encontrar seu par italiano.

Vale lembrar que Matteo Salvini, senador que em eleição de março de 2018 – numa sequência de eventos políticos desastrosos – obteve votos que o levaram ao governo do país numa coalisão com o M5S (Movimento 5 Stelle) acumulando os cargos de Vice-Primeiro Ministro e Ministro do Interior,  antes do autogolpe que o alijou do poder, conduziu um programa marcado por radicalismos, desrespeito aos direitos humanos, xenofobia e crise diplomática com membros do bloco europeu.

Infelizmente não são poucas nem tampouco motivo de contentamento as recorrentes sugestões de comparações da realidade política entre Brasil e Itália, países cujos laços culturais e econômicos se estendem desde longa data. E no campo dessas aproximações, o que dizer do juiz justiceiro de Maringá que dizendo inspirar-se na Operação Mãos Limpas italiana, conduziu um processo jurídico-político marcado por ilegalidades e que serviu para levar um corrupto ao poder? Berlusconi também ascendeu ao poder na sequência da operação jurídica que caçou corruptos e criminosos.

O economista e analista político italiano Marco Furfaro fez ontem um post em sua página no Facebook que rapidamente obteve 5,9 mil visualizações, mais de 2 mil compartilhamentos e 763 comentários. Sua rápida argumentação justificando o “Ele não” são sugestivas também para o leitor brasileiro, como mostram os trechos abaixo reproduzidos.

“Em todos esses anos, Silvio Berlusconi poluiu a democracia italiana.

Como primeiro-ministro, ele inclinou a política para seus interesses econômicos e judiciais”. […] “Ele teve relações com a máfia, financiando-a e trazendo-a literalmente para dentro do governo” […]  “Ele fez pelo menos 41 leis ad personam para garantir a impunidade”. “Ele chamou o judiciário de ‘um câncer’”, e “fez da Itália uma piada internacional. Uma piada que, no entanto, não fez ninguém rir além dele”.  (tradução livre).

Já num post mais sucinto, a italiana Nadia Urbinati, doutora em pensamento político moderno e professora da Universidade de Columbia, Nova York, ponderou ““[…] a questão Berlusconi não depende do fato de que ele é desagregador, mas ao fato de que é indecente”.

Na matéria mencionada da revista L’Expresso, por acreditarem que os motivos para o “Ele não” são de amplo conhecimento de todo o povo italiano e de parte da opinião pública internacional, seus autores e o conselho editorial da revista optaram por resgatar de matérias passadas e editoriais, parte daquilo que já foi exaustivamente exposto durante anos pela mídia italiana e reproduzido nas páginas de inúmeros processos na Justiça italiana.

A matéria relembra “conflitos de interesse, ódio à esquerda, alergia a qualquer contestação, alianças perigosas, assuntos privados que se tornaram o único assunto da ação estatal”. De editoriais do jornalista Claudio Rinaldi entre 1993 e 1994 são relembrados indícios apontados na época e que se tornariam realidade após a ascensão de B.

A matéria exorta “Às vésperas da votação do Quirinale, não há palavras melhores para descrever por que “Ele não” [do que concluir que Berlusconi] “personificou o deserto político” que a Itália viu se instalar naqueles anos e que até agora deprime a realidade do país.

A desconcertante realidade política que observamos na Itália nesta véspera de eleição para Presidente, deve ter efeito pedagógico para nós brasileiros que, neste ano de 2022 teremos a oportunidade através do voto – direito que vem resistindo às sabotagens e ataques dos últimos anos – de fazer ecoar em alto som “ELE NÃO”, e que seja também “ELE NUNCA MAIS”.

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), escritor e professor universitário.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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