Unha & carne
por Aracy Balbani
Saúde é, mais do que nunca, uma prioridade dos brasileiros. Como já despontam pré-candidaturas para as eleições de 2022, vale a pena lembrar alguns fatos para ajudar a compreender o cenário atual.
Em 13/12/2017 a Associação Médica Brasileira foi apresentada como sócia fundadora do Instituto Brasil de Medicina (IBDM). A divulgação do lançamento do Instituto foi ilustrada por fotos e vídeo, nos quais apareceram juntos e sorridentes os então deputados federais pelo DEM Luiz Henrique Mandetta, médico ortopedista, e Onyx Lorenzoni, médico veterinário. Naquela ocasião também foi enaltecida a Frente Parlamentar Mista da Medicina, recém-articulada pela atuação de Mandetta junto a parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado, com apoio de entidades médicas.
Desde então, associações de médicos especialistas promoveram eventos com a participação de membros do Instituto Brasil de Medicina. Com a justificativa de que os médicos são “formadores de opinião perante a sociedade” e “poderão angariar votos aos seus escolhidos candidatos” (leia aqui), incentivou-se a agregação ao Instituto com vista às eleições de 2018.
Ao menos uma associação declarou ter assinado termo de adesão ao Instituto. É possível encontrar na Internet (aqui) um estatuto do IBDM, segundo o qual uma das obrigações das entidades associadas é pagar a cota de contribuição. Desconheço o valor da cota presumivelmente paga por associações de especialidades médicas que aderiram ao Instituto.
As notícias publicadas até o momento não esclareceram a participação do ortopedista Mandetta e do veterinário Lorenzoni na criação do Instituto Brasil de Medicina. Tampouco detalharam que tipo de suporte ambos os deputados teriam alavancado junto ao Instituto e à Frente Parlamentar da Medicina – integrada, entre outros, pelas deputadas Flordelis, Bia Kicis e Carla Zambelli -, para angariar votos a candidatos nas eleições de 2018. Menos ainda permitem vislumbrar a influência que o Instituto e as associações médicas poderão ter nas eleições de 2022.
O que se sabe é que Jair Bolsonaro declarou à imprensa em 12/11/2018 que Mandetta era cotado para assumir o cargo de Ministro da Saúde (ver aqui); Mandetta aceitou a missão, definida pelo Presidente eleito como “tapar os ralos” da Saúde, e foi obrigado a descer da garupa da moto bolsonarista em abril de 2020 ao ser demitido do Ministério em plena pandemia de COVID-19.
Também é de domínio público que Lorenzoni foi acusado por Mandetta de gravar deputados e, como Secretário-Geral da Presidência da República, caiu no ridículo em março de 2021 ao se posicionar contra o distanciamento social rígido (lockdown) alegando que “lockdown não funciona” porque passarinhos, ratos, pulgas e formigas transmitiriam o coronavírus. Além disso, segundo o Estadão, Onyx Lorenzoni foi flagrado ao visitar o General Eduardo Pazuello após este pedir para adiar o depoimento à CPI da COVID-19 por ter tido contato com casos confirmados da doença.
Por essas e outras, a entrevista recentíssima à CNN Brasil em que Mandetta se disse pronto para ser candidato à Presidência da República em 2022 esquenta o debate político e despeja pimenta no caldeirão do DEM.
Qual a explicação convincente para que Mandetta e Lorenzoni, dois correligionários tão ligados como unha e carne desde muito antes da campanha de 2018, e escolhidos a dedo por Bolsonaro para o primeiro escalão do governo, tenham acabado adotando falas e posturas divergentes no enfrentamento da pandemia de COVID-19? Como acomodar as pretensões presidenciais do ortopedista na mesma arca partidária do veterinário? O que seriam os “ralos” da Saúde mencionados por Bolsonaro?
Com a experiência dramática que sofremos na pandemia, afligindo principalmente a população mais pobre, indígena e negra, como insistir no Teto de Gastos para a Saúde e na privatização do SUS, defendidos pelo atual governo e seus apoiadores? Acabou a atuação de lobistas do setor de saúde junto aos congressistas, ministérios e agências reguladoras?
Chegou a oportunidade de cobrar de forma incisiva do médico Mandetta, ex-aliado de Jair Bolsonaro, respostas consistentes que esclareçam vários acontecimentos do interesse não apenas dos colegas de profissão dele, mas do eleitorado nacional.
Aracy P. S. Balbani é médica.
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