A crise na Vulcabrás

De Agência Estado

O enredo da crise da Vulcabrás

Aumento do custo de mão de obra e valorização do real colocaram em xeque modelo de negócios da empresa, que teve de fechar seis fábricas e demitir 10 mil funcionários

Cátia Luz e Raquel Landim

SÃO PAULO – As negociações para a entrada do Pátria Investimentos na Vulcabrás acontecem logo após um dos anos mais difíceis da história da empresa. Em 2011, as vendas da companhia encolheram diante da concorrência com os importados. E a Vulcabrás deixou de gerar caixa. Na tentativa de voltar à rentabilidade, a empresa deu início a uma reestruturação, que levou à demissão de 10 mil funcionários e ao fechamento de seis fábricas na Bahia e da linha de produção de Parobé, no Rio Grande do Sul.

O ano foi complicado para todo o setor calçadista, que enfrentou uma redução de 8,6% na produção, apesar das medidas do governo para proteger a indústria local. Mesmo com a decisão de se sobretaxar os produtos chineses, as importações de calçados em 2011 atingiram 24,7 milhões de pares, volume apenas 2% inferior ao total que havia ingressado no País no ano anterior.

Mas os números da Vulcabrás se destacam negativamente na comparação com as outras empresas abertas do setor. A Vulcabrás foi a única a apresentar prejuízo no ano passado. E também a única a registrar um Ebitda, indicador que mede a capacidade de geração de caixa, negativo. Além disso, a empresa tem, de longe, o maior endividamento do grupo.

Para analistas do setor, falta eficiência na operação da empresa. Mesmo com os cortes, a Vulcabrás tem hoje 32 mil funcionários, para um faturamento de R$ 1,5 bilhão em 2011. É quase o dobro do quadro da Alpargatas, dona da maior receita do setor (R$ 2,6 bilhões ) e que conta com cerca de 17,5 mil empregados.

Mas há uma ressalva, já que as companhias têm diferenças no modelo de negócios. O carro-chefe da São Paulo Alpargatas é a Havaianas, sandália de borracha injetada, cuja produção exige menos mão de obra. A empresa também vende tênis da marca Mizuno, mas importa a maior parte.

A Vulcabrás, por outro lado, é a maior fabricante de tênis do País, com a marca Olympikus liderando as vendas em volume. A produção local permite a empresa acumular menos estoque e ser mais ágil na entrega e na mudança das coleções. A fabricação de tênis, no entanto, é intensiva em mão de obra. Com o aumento do custo de mão de obra no Brasil e com a valorização do real, o modelo de negócios da Vulcabrás entrou em xeque.

Além de demitir, a empresa foi obrigada a fazer o que sempre criticou nos concorrentes: produzir no exterior e importar. Desde o ano passado, a companhia está arrendando uma fábrica na Índia, onde são feitos os cabedais (parte superior) dos tênis.

Tropeços

Houve ainda apostas que se provaram equivocadas. Entre elas, a decisão da Vulcabrás de investir em um tênis Olympikus mais sofisticado, vendido a R$ 399. A valorização do real permitiu que as concorrentes baixassem os preços dos seus produtos e batessem de frente com o tênis. A Vulcabrás foi obrigada a encolher as margens de lucro e hoje um tênis com tecnologia semelhante é vendido por cerca de R$ 280.

O protecionismo da Argentina também prejudicou os resultados da Vulcabrás no ano passado. A empresa acumulou um estoque de 1 milhão de pares de tênis parados na fronteira com o país vizinho à espera de autorização para entrar. Após diversas conversas com o governo Kirchner, a companhia conseguiu reduzir esse volume para 300 mil.

Para Edson D’Aguano, consultor de varejo, há ainda a percepção de que as marcas da empresa não se renovaram. “A Vulcabrás aceitou a velhice. As marcas da empresa não têm um apelo de moda”, diz. “Mas Olympikus e Azaleia são nomes fortes”, completa. Segundo fontes próximas à operação entre Pátria e Vulcabrás, um dos planos para a fabricante de calçados é fortalecer a Olympikus para transformá-la em uma marca aspiracional para a classe C.

Quanto à intenção de se vender mais tarde a Vulcabrás para um investidor estratégico, a aproximação entre a empresa e multinacionais é complicada. Essas companhias quase não possuem fábricas e terceirizam a maior parte de sua produção.

Mesmo assim, a Adidas já pensou em fabricar no Brasil, mais precisamente em Manaus, mas os planos foram abortados pelo governo federal. O Ministério do Desenvolvimento não aprovou o Processo Produtivo Básico (PPB) proposto pela empresa, necessário para usufruir os benefícios fiscais da Zona Franca, como redução de imposto de importação de componentes.

Para voltar a crescer no País que é o terceiro maior produtor de calçados do mundo, a Vulcabrás conta agora com a ajuda do seu novo sócio na tentativa de se reinventar.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador