Economia Comparada, a Febre dos Rankings – III
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Para que se entenda melhor o que será dito neste capítulo, é preciso ter uma ideia de como economistas, entre eles Robert Mundell e Maurice Obtsfeld, veem a taxa de câmbio como indutora do investimento externo e promotora de atividade interna baseada nas exportações. A maioria dos teóricos acerca do assunto vivem e estudam economias centrais como as europeias ou dos Estados unidos.
Em segundo lugar, existe uma recorrente divisão entre produtos comerciáveis e não comerciáveis que, no capítulo anterior, correlacionou-se com produtos tratáveis e não tratáveis. Sim, existe uma diferença entre as duas terminologias por conta de produtos consumidos em todos os países serem tratáveis no que tange à coleta de preços, mas não comerciáveis por inúmeros motivos, mormente legais. Exemplo disso é a proteína animal, volta e meia tendo sua entrada restrita neste ou naquele mercado, seja por motivos reais ou alegados com vistas à proteção de mercado. Assim, produtos não respeitam uma situação binária, ou se é tratável, portanto comerciável, ou não se é nem uma coisa nem outra. Além disso, um produto tratável pode passar a comerciável paulatinamente, como é o caso do álcool carburante, cujo uso começou no Brasil e já se emprega até na Índia, no que se chama de E85.[1]
Além disso, não se considera a presença de uma moeda intermediária como o dólar, que acaba por trazer o comércio internacional para o campo da arbitragem, falseando a competitividade de uma economia em detrimento de outras. É que, se um país tiver reservas abundantes em dólares, poderá financiar os importadores no resto do mundo, criando uma vantagem extra. Mas há muitas dificuldades não citadas aqui para estabelecer parâmetros de comparação. Por causa disso, quando o banco JP Morgan criou um sistema de pontuação para comparar a capacidade de os países pagarem suas contas, usou parâmetros eminentemente financeiros. As demais agências de risco não fogem muito disso.
Ocorre que estabelecer ranking cria a ideia de que países sempre competem, o que pode não ser verdade. A União Europeia, por exemplo, criou um clima de cooperação tal que economias menos desenvolvidas como Portugal e Grécia, fossem içados ao mesmo patamar de consumo que os mais desenvolvidos. Também se equalizaram os serviços públicos, aproximando os membros da EU em padrão de vida. Não igualou, mas aproximou, mostrando que a competição em si não necessariamente traz o progresso. Mesmo assim, é importante saber onde cada povo está e o que falta a ser feito para otimizar a vida material de sua população. Não havendo comparador ideal, enquanto não surge outro melhor, que se use a paridade do poder de compra, mas não como mero comparador entre países, porém como gabarito para medir a qualidade das políticas econômicas internas. Uma medição possível diz respeito à determinação da taxa de câmbio, como mostrado nos dois gráficos a seguir. Ambos foram elaborados a partir de dados obtidos junto ao World Bank usando o dólar padrão de 2017, o último a ser empregado para cálculos do PIB país a país.
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A figura 1 mostra a trajetória do PIB brasileiro entre 1990 e 2021, tanto nominal como em PPC. Mostra também a variação percentual do PIB nominal em relação ao ajustado o quão errática tem sido sua administração. São inúmeras as quebras de sequência, tornando até difícil estabelecer os motivos mais prováveis. A quarta curva apresenta a variação da percepção do valor dos ativos por parte de possíveis investidores estrangeiros. Isso se deve a que a performance das subsidiárias faz parte dos relatórios exigidos pelo CET para empresas com ações negociadas na bolsa de New York. O movimento errático induz ao investimento mínimo, o que se reflete transformar a indústria em mera montadora de produtos importados. A queda da participação média de componentes nacionais na fabricação brasileira de automóveis mostra bem isso. Ela atingiu 52%, próximo dos valores obtidos anteriormente ao GEIA dos anos 1950. Como se isso não bastasse, a perspectiva de uma depreciação significativa do real pode ensejar a fuga de investidores, aproveitando para minimizar o valor em dólares das multas por não cumprimento de acordos fiscais.
A figura 2 apresenta dados congêneres para a China. Note-se que a variação percentual do PIB nominal em relação ao medido em PPC varia, porém, muito menos que no caso brasileiro. Embora não se tenha feito qualquer exercício estatístico, fica clara a tendência de convergência, levando a crer que a taxa de crescimento do PIB nominal seja maior que a do PIB PPC. Consequentemente, apercepção de valor dos ativos pertencentes a investidores estrangeiros pareça ser favorável aos investimentos, atraindo capital para inversões de longo prazo.
Finalmente, o panorama chinês faz pensar que os administradores têm plena consciência da proporção do PIB nominal em relação ao em paridade do poder de compra. Não dá para afirmar que se tenha escolhido algo público, seja do World Bank, do FMI ou da CIA, que apresentam esses valores sem relatórios, mas é possível imaginar que eles tenham um benchmark a perseguir. Há muitos pontos a ponderar e muito mais questões a serem discutidas, entre elas, a participação das reservas cambiais na aproximação ou afastamento do PIB medido por um ou outro método. Fica, no entanto, claro que a previsibilidade do valor dos ativos internalizados é condição básica para garantir o fluxo de capital em investimentos de longo prazo que induzem o desenvolvimento.
[1] Combustível formado por 85% de etanol e 15% de gasolina.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
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