Do Terra Magazine
Bangladesh: das grifes do rock às do vestuário
Rui Daher
No dia 1º de agosto de 1971, 40 mil pessoas compareceram ao Madison Square Garden, em Nova York, para assistir a um concerto destinado a recolher fundos para Bangladesh. O país estava devastado após nove meses de guerra civil até conquistar a independência.
Organizados por George Harrison, estiveram lá grifes do rock, como Eric Clapton, Ringo Starr, Bob Dylan, Billy Preston, o músico indiano Ravi Shankar.
Quatro décadas depois, outras são as grifes associadas a Bangladesh.
Montadas em trabalhadores que têm como salário mínimo US$ 38 por mês (R$ 87 no câmbio atual), um quarto do recebido na econômica China, lá fazem suas fabricações tanto marcas de prestígio, como Armani, Ralph Lauren, Calvin Klein, Tommy Hilfiger e Hugo Boss, como populares Gap, Zara e Walmart.
A indústria do vestuário fatura US$ 20 bilhões por ano, em Bangladesh.
Uma camiseta feita na mesma fábrica, com a mesma matéria-prima, pela mesma costureira, quando chega a Londres, pode custar seis ou noventa dólares. Depende da marca.
Ser grife faz a diferença, e não os fatores de produção. Nem mesmo a matéria-prima importa muito. O algodão puro pode custar 10 vezes menos do que uma mistura de algodão e viscose, desde que “de marca”, como se adora falar no Brasil.
Isso faz de tresloucados consumidores perfeitos idiotas em qualquer parte do planeta. No Brasil, então, esse jequismo se mostra exponencial.
Amigo recém-chegado de Londres notou em lojas de aeroporto, reconhecidamente exploradoras, uma camisa polo de grife com preço de US$ 55,00 (R$ 125,00). Pela mesma camisa, em São Paulo, ele pagaria R$ 280,00.
Diferenças como essa se estendem a vários itens do consumo supérfluo, no Brasil. Vestuário, diárias em hotéis, restaurantes ditos sofisticados, passagens aéreas.
A cidade de São Paulo tem-se esforçado para se tornar uma das mais caras do mundo, o que permite justificativa “racional” a quem prefere fazer suas compras no exterior.
Indústria e comércio não se fazem de rogados e jogam a culpa em costas alheias: carga tributária, produtividade do trabalho, tarifas e falência dos serviços públicos.
Também. Mas será hipocrisia aí não incluir suas margens de lucros, permitidas pela fé cega de haver bobos suficientes para pagarem o preço pedido.
Falta-nos a faca amolada que, em outros países, vem na forma de boicote aos exploradores.
Como atualmente só conseguimos conversar através de manifestações, que centram fogo nos poderes públicos e poupam a iniciativa privada, seria o caso de a elite consumidora chique, ou aqueles que pretendem imitá-la, programarem protestos na Rua Oscar Freire ou em shoppings de luxo.
Usem o gancho fornecido por aqueles que recentemente levantaram cartazes pedindo a volta dos militares ao poder.
Por que não, entre os de alto poder aquisitivo, no lugar da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, a Marcha com Bangladesh pelos sem Ermenegildo Zegna?
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