Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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A meta fiscal e os juros, por Paulo Kliass

Quanto mais o governo demorar para reconhecer o equívoco de ter mantido a meta zero, maior será o preço cobrado pelo centrão

Foto: © Marcello Casal jr/Agência Brasil

A meta fiscal e os juros

por Paulo Kliass*

Em entrevista concedida à imprensa na semana passada, o Secretário Executivo do Ministério da Fazenda respondia pelas posições e opiniões da pasta a respeito de temas candentes da economia para o ano que se inicia. Na verdade, Dário Durigan substitui oficialmente o titular, que se encontra afastado de suas funções até o dia 12 de janeiro. O período de férias solicitado por Fernando Haddad coincide com o recesso do Congresso Nacional e o titular imaginou que poderia ser um momento mais tranquilo para se afastar um pouco da conturbada agenda ministerial.

O substituto em exercício foi questionado a respeito das dificuldades que o governo deverá enfrentar para cumprir a meta que o Haddad tão arraigadamente encampou para si mesmo. Trata-se do objetivo que ele propôs a Lula: a missão praticamente impossível de buscar o equilíbrio fiscal primário nas contas do governo federal para o exercício de 2024. A intenção é antiga e foi colocada em pauta em abril do ano passado, quando o Presidente da República encaminhou ao poder legislativo o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Já naquele momento Haddad incluiu um dispositivo para não deixar nenhuma sombra de dúvidas quanto à sinceridade de seu bom mocismo no quesito austeridade e de seu bom relacionamento com o universo do financismo.

(…) “Art. 2º A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2024 e a execução da respectiva Lei deverão ser compatíveis com a meta de resultado primário de R$ 0,00 (zero real) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV a esta Lei.” (…) [GN]

O interessante é observar que, à exceção dos Farialimers e de seus propagandistas, quase ninguém mais acreditava na necessidade de se incluir tamanha profissão no corpo do texto de uma lei que deveria oferecer as diretrizes gerais para a elaboração da peça orçamentária. O total descasamento de tal intenção esdrúxula com a realidade da economia brasileira era reconhecido até mesmo pelo relator da matéria no Congresso Nacional, um deputado conservador, do União Brasil do Ceará. Danilo Fortes afirmou por inúmeras vezes que, caso o governo solicitasse, ele mesmo substituiria a meta inatingível por algo mais realista, como o reconhecimento de um déficit primário de 1% ou 1,5% do PIB.

Equilíbrio fiscal: obsessão de Haddad.

Mas a obstinação de Haddad com a manutenção de um zero redondinho e bonitinho era de tal ordem que articulou uma resistência ao próprio chefe. Lula havia dado um puxão público de orelhas em seu subordinado, ao afirmar em entrevista coletiva que ele achava muito difícil alcançar a tal da meta zero em 2024. Mas depois parece ter se esquecido da reprimenda e o projeto foi aprovado com a tal menção austericida. Ao se propor a atingir o equilíbrio entre as despesas e receitas orçamentárias primárias em um ano eleitoral, o governo está sinalizando para o sistema político de forma ampla que os recursos públicos não estarão disponíveis nos patamares necessários e desejados.

Uma vez estabelecida a intenção de eliminar o déficit primário para o ano que se iniciou, Haddad está comunicando para o conjunto da sociedade que pretende dar um verdadeiro cavalo de pau na condução da política econômica. Essa constatação óbvia decorre da verificação que, ao longo dos 12 meses de 2023, o governo contabilizou um déficit primário que deverá se situar acima de R$ 200 bilhões. Ora, ao se propor a zerar esse movimento, a conclusão é que haverá ainda mais restrição e contingenciamento nas despesas públicas em 2024 para que o tal sacrossanto equilíbrio de fato seja alcançado.

Porém, as dificuldades para se levar em frente tal forma suicida de condução da execução orçamentária são mais do que evidentes. Tanto que alguns responsáveis de segundo escalão das pastas da economia já aventam abertamente a possibilidade de recorrer à eliminação dos pisos constitucionais para os orçamentos da saúde e da educação. Trata-se de uma verdadeira loucura, que nem mesmo nenhum governo de direita ousou ou conseguiu realizar até os dias de hoje. Os parlamentares do conservadorismo e do fisiologismo, que não são bobos nem nada, optaram por outro caminho. De público se dizem favoráveis às medidas de responsabilidade fiscal e de austeridade. Mas na prática votaram medidas para inflar as emendas secretas do orçamento e para aumentar as rubricas do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário. Para viabilizar tal malabarismo, reduziram as despesas previstas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Zerar o déficit: meta equivocada e irrealista.

No entanto, poucos dias depois da passagem do ano novo, começa a se tornar evidente para os próprios responsáveis da Fazenda que não basta bater forte no peito para se definir como um ardoroso devoto da padroeira da responsabilidade fiscal. Aos poucos, percebe-se que as intenções de elevação de receita matreiramente embutidas pela equipe econômica nas estimativas das fontes tributárias muito provavelmente não serão alcançadas. Com isso, confirma-se aquilo que os economistas progressistas já vínhamos alertando há muito tempo. Ou o governo será obrigado a realizar uma compressão ainda mais violenta das despesas ou então ele recua e reconhece que a meta fiscal de equilíbrio primário não será cumprida.

Aliás, esse foi o tom das declarações do interino da Fazenda, quando afirmou:

(…) “Se novas medidas não forem possíveis, eventualmente tem de mexer na meta, claro. Vai fazer o quê? Mágica? Tem de ir vencendo as barreiras” (…) “Todas as providências vão ser tomadas para a gente fechar o Orçamento. Se, de fato, o que estamos apresentando não vingar, não resta alternativa: tem de mexer na meta” (…) [GN]

Tais afirmações apresentam um tom bastante distinto de tudo aquilo que o titular da pasta vinha manifestando antes da virada do ano.

(…) “perseguir a meta fiscal é um sinal de compromisso do governo com as contas públicas do país” (…) “Eu falo isso porque resultado fiscal não é da cabeça do Ministro da Fazenda nem do desejo do Presidente da República” (…)

Para além dos equívocos embutidos na adoção do receituário do austericídio e do neoliberalismo dentro de um governo que se supõe progressista e desenvolvimentista, o fato de Haddad se agarrar de forma quase neurótica à meta de zerar o déficit fiscal embute um compromisso indefensável com os interesses do sistema financeiro. Isso porque o singelo adjetivo “primário” esconde uma completa inversão de valores no uso das despesas públicas em nossos País.

Lula precisa assumir o comando da política econômica.

No jargão do financês, o qualificativo “primário” implica o abandono das despesas de natureza financeira na abordagem, na análise e na elaboração de propostas. Assim, a obstinação com a busca de espaço para cortes de dispêndios no orçamento deixa de lado as rubricas destinadas ao pagamento de juros da dívida pública. Todo o esforço para manter a tal da responsabilidade fiscal se limita a cortes em setores tais como saúde, previdência social, educação, assistência social, segurança pública, saneamento, salários de servidores, investimentos e similares. Mas não se ouve das autoridades da economia uma única palavra a respeito de despesas financeiras. Para estes “gastos VIP” não existe teto, nem limite, nem contingenciamento.

Aliás, a este respeito, o Banco Central (BC) acabou de divulgar sua Nota Mensal sobre as Estatísticas Fiscais. E ali pode-se encontrar os valores relativos às despesas com juros que foram efetuadas ao longo dos últimos 12 meses. O total remonta a R$ 713 bilhões. Ou seja, trata-se da segunda maior rubrica orçamentária da União. O montante refere-se a recursos públicos destinados a uma parcela privilegiada de nossa sociedade e que apresenta um efeito multiplicador de gastos bastante menos potente do que os demais dispêndios. Já foi dito mais de uma vez que governar é estabelecer prioridades. Resta saber se Lula vai continuar permitindo que a área econômica considere o parasitismo financista como um segmento prioritário em seu governo.

Quanto mais o governo demorar para reconhecer o equívoco de ter mantido a meta zero, maior será o preço cobrado pelo centrão e pelo fisiologismo para promover a correção. O Presidente precisa tratar com maior carinho e mais urgência este tema e os demais assuntos sensíveis da área econômica.

*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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