Agências de risco e credibilidade, por Delfim Netto

Do Valor

Antonio Delfim Netto

Não há nada que nos faça crer que as “agências de risco” sejam, hoje, mais “sábias” do que eram em 2008, quando não foram capazes de antecipar (nem para seus clientes) a tempestade que se armava na economia mundial em decorrência da patifaria que grassava nos mercados financeiros, enquanto os bancos centrais e seus governos faziam vistas grossas.

Resultou na tragédia cujos custos estão sendo pagos até hoje pelos 50 milhões de honestos trabalhadores que perderam seus postos de trabalho e as condições de sustento de suas famílias. Elas ainda lutam para recuperar a credibilidade perdida, dentre elas a S&P, que acaba de rebaixar em um ponto a nota de crédito do Brasil, embora tendo permanecido em um ponto acima no chamado grau de investimento.

Sabemos que essas agências têm critérios bastante duvidosos de análise, o que nos leva a suspeitar de muitas de suas conclusões e, ainda mais, de suas previsões. No caso atual do anúncio da Standard & Poor’s, era um acidente anunciado. Ela já vinha dizendo que estava observando de perto a economia brasileira e que havia uma probabilidade de rebaixamento da nota. Seus eventuais efeitos – se é que eles são significativos – já tinham sido incorporados aos preços do mercado.

Aconteceu. No comunicado, a S&P cita fatos, mas a interpretação que oferece para eles nos parece exagerada. O Brasil não tem hoje um grave problema fiscal. Temos uma relação dívida bruta/PIB que continua estável há dez anos, em torno de 60%. Temos, infelizmente, uma perspectiva de que esse equilíbrio fiscal possa piorar no futuro, desde que o governo não tome as providências para enfrentá-lo.

Não tem, entretanto, um fato que nos leve a isso. O déficit fiscal, hoje, é em torno de 3,5% a 4%. Não é nada exagerado para um país como o Brasil. O governo Dilma se comprometeu a manter a relação dívida/PIB. Vai fazer em 2014 um superávit primário de 1,9%. A agência não acredita, e antecipa, sem esperar alguns meses para confirmar sua dúvida, que ele é impossível.

Com relação ao crescimento, é inegável que ele é muito pequeno, talvez abaixo de nossas possibilidades. O mundo inteiro está com o mesmo problema. O PIB cresceu 2,3% em 2013, o que não é, evidentemente, dos menores dentre as demais economias, num ano em que até o crescimento chinês encolheu. De qualquer forma, não podemos estar satisfeitos. É uma taxa muito baixa, ruim para uma economia como a brasileira, que criou uma inclusão social, desenvolveu um mercado interno muito importante, que mantém um consumo crescendo e um nível de emprego bastante satisfatório.

O crescimento é liderado pelo investimento, que é o que o governo está tentando estimular, com alguns avanços depois de ter aprendido como ativar as concessões nos projetos de expansão da infraestrutura.

A nota da agência diz que o Brasil está numa situação externa complicada, o que precisa ser relativizada. Temos reservas acumuladas da ordem de US$ 370 bilhões, mas o déficit em transações correntes é grande. Agora mesmo o Banco Central acaba de estimá-lo em US$ 80 bilhões para 2014. Não é uma coisa que possa continuar. De fato, o mercado aqui ajudou a corrigir os erros do governo: estamos com uma desvalorização cambial que vai dar resultados daqui a 10 ou 12 meses. O que se pode dizer é que a situação é desconfortável, mas não que indica a iminência de uma tragédia.

A agência S&P luta bravamente em busca da credibilidade que ela e suas companheiras menos exibicionistas perderam na crise de 2008. Graças aos rapapés dos analistas financeiros e das autoridades brasileiras. ela teve, afinal, seus 15 segundos de preciosa visibilidade.

Não adianta brigar com os fatos. As agências têm importância devido a um oligopólio misteriosamente construído e conservado pela legislação administrativa dos EUA. O “grau de investimento” que o Brasil ainda mantém, estabelecido por pelos menos duas agências, é necessário para que os fundos de investimento possam aplicar no país.

Não vamos ter ilusão: tudo isso deverá ter consequências. Talvez o anúncio já estivesse até marcado na curva, mas significa, no mínimo, a consolidação da elevação dos custos do financiamento do Brasil, não apenas do governo, mas também do setor privado.

A única coisa a lamentar é que uma opinião arbitrária, firmada no puro preconceito “a priori”, de que o governo não aprendeu nada e estava apenas ganhando tempo com suas promessas, tenha levado a S&P a atravessar o samba, negando um voto de confiança de pelo menos um semestre para verificar se ele não havia mesmo mudado.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

 

Redação

Redação

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  • Como  dar credibilidade ao

    Como  dar credibilidade ao analista  que a possui em grau inferior ao analisado?

    Isso depõe  contra os que defendem e fazem dessas "análises",cavalo de batalha  eleitoral.

    O PIG e obviamente a oposição,  empilham  sobre outras construções  negativas o material que  julgam sólido

    para obter  almejado resultado em outubro ou  empregá-lo como fustigador  ao longo  do segundo mandato de Dilma.

    As manchetes e matéria  de fundo,neste ano corrente e no anterior,promovem a baixo auto estima  e  enaltecem o complexo de  vira latas,como tática para deprimir  o cidadão e levá-lo  ao desalento e a descrença.

    Não há uma  notícia  menos ainda  edição  que  destaque  e qualifique  positivamente qualquer ação  oficial .E, se houver, será  seguida  da previsível e compulsória  adversativa.

  • Uma coisa que precisamos

    Uma coisa que precisamos saber é que muitos dos "erros" de avaliação das agencias, no epísodio citado, a crise de 2008, nao eram exatamente erros, derivados de falha de análise, falta de informação ou burrice, estrito senso. Não. As agencias, bem como as empresas de auditoria, foram sócias na malandragem das empresas e bancos, de sua 'contabilidade criativa'. Foram sócias dos golpistas da Enron e dos predadores do mercado financeiro. Lehman Brothers e Merril Linch podem ter afundado, mas seus executivos, nao. Pelo contrario, ganharam bonus por destruir as empresas e sacanear seus clientes, como os fundos de pensão. O capitalismo dos brokers financeiros, das agencias e das empresas de auditoria é o capitalismo que ganha com o insucesso, não com o sucesso dos investimentos. Todo mundo sabe - até Obama, envergonhadamente se referiu a isso, quando lembrou que era um escandalo que os desastres bancarios de 2008 conviviam com ganhos nunca vistos para os executivos dos bancos. Alias, a crise serviu para concentrar ainda mais e reforçar ainda mais o poder desses grandes bancos e intermediadores financeiros. Longe de serem 'analistas' externos que 'podem errrar', as agencias são jogadores no sistema. E não dão ponto sem nó - cada opinião tem atrás um investimento, uma aposta, uma tentativa de influir sobre os 'avaliados'.

  • O Warren Buffet segue a S&P

    Concordo com o Delfim que a S&P está desacreditada e que sua opinião é arbritaria se é que não segue interesses paralelos.

    Agora, dizer que os juros de longo prazo no Brasil estão na casa dos 7%+Inflação por causa que a S&P havia anunciado o rebaixamento é forçar a barra. Não acredito que os grandes investidores seguem a S&P.... Simplesmente todos os grandes investidores fizeram suas analises, cada um a sua, e todos chegaram a conclusão de que investir no Brasil é cada vez mais arriscado.

    Não importa se em 6 meses o Brasil será uma Suíca. O fato é que hoje (depois de uma decada de Manteiga) nossa reputação é deploravel. E o mercado já nos deus muitos e muitos 6 meses para provarmos o contrario e até agora não entregamos nada.

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