Economia

As mudanças geradas pelas novas formas de trabalho, por Antonio Uchoa Neto

Comentário em cima do artigo As tendências mundiais do trabalho, por Luis Nassif

De Antonio Uchoa Neto

Este é, na minha opinião, ao lado da questão ambiental, o mais importante desafio do ser humano, hoje: o Trabalho.

Vale dizer, a necessidade de dar trabalho – ou, se for o caso, manter ocupados, com remuneração – a uma quantidade imensa de pessoas que, ao afunilar-se a necessidade crescente de especialização nos mais diversos campos de atividades humanas, todas, sem exceção, sob o assédio da tecnologia e do algoritmo, vão escorrer pelas bordas do funil, o único acesso ao mercado de trabalho.

Desempregado há alguns anos, e vendo os bicos disponíveis – digo, as possibilidades de empreendedorismo em minha área de interesse, experiência, e atuação – escassearem mais e mais a cada dia, já li e refleti bastante sobre o assunto. E, desgraçadamente, devido ao meu vício de pensar – ato cada vez mais obsoleto neste maravilhoso mundo novo em que tudo já vem pronto para consumir, usufruir, etc. – começo a me ocupar de um desdobramento que, a cada dia que passa, vejo tornar-se cada vez mais provável: a virtualização dos desejos e das necessidades do ser humano, vale dizer, a substituição da mercadoria real pela mercadoria virtual.

Em meados dos anos 80, uma canção muito famosa mencionava um adolescente “jogando futebol de botão com seu avô”. Ainda não se passaram 40 anos, desde então; e já há mais de uma geração para quem essa frase é ininteligível.
O mundo dos adolescentes cabe numa tela de celular; o dos adultos só existe fora dela por saudosismo. Não vou ocupar o tempo dos leitores do GGN enumerando os postos de trabalho eliminados, limados, pulverizados, pela 4ª Revolução Industrial. Seria, igualmente, um exercício de saudosismo inútil.

Mas não são só os postos de trabalho. As mercadorias que se produzem, também. Quer jogar futebol de botão com seu avô? Tá no celular. Quer jogar War, Ludopédio, Detetive, Banco Imobiliário? Tá no celular. Quer ver um jogo de futebol, um filme, uma série? Tá no celular.

Antes da 4ª Revolução Industrial, a indústria da celulose empregava quantos trabalhadores? Hoje, quantos emprega? 1/3, 1/4 do quadro de funcionários daquela época? Para que um neto jogasse futebol de botão com seu avô, era necessário transformar a madeira, encomendar aros de ferro à indústria metalúrgica, plásticos. Onde foi parar o emprego das pessoas que faziam esses trabalhos?

A vida está no celular; a mercadoria, o bem de uso e consumo. Onde isso irá parar? Será que chegaremos em um tempo em que não será necessário sair de casa para viver, consumir e usufruir em sua plenitude? Um tempo em que o convívio e a interação humana serão 100% virtuais? Começo a desconfiar que chegará um dia em que não precisaremos acordar para viver, consumir e usufruir em sua plenitude todos os prazeres da vida. E os vícios, as perversidades, a ambição e a cobiça, igualmente. O sono virtualizado – ou os óculos de realidade virtual – tudo proverá.

A mercadoria será virtual, a alimentação será virtual, a vida será virtual.

Nem quero saber de que, ou como, viverão os Bezos, Gates, Musks, da vida. Já não estão, de fato, vivos, hoje. Vivem (sic) para acumular e exibir-se. Isso é vida?

Talvez eu esteja viajando na maionese. Não é de se espantar; não tenho como viajar de bicicleta, que dirá de avião. Eles viverão virtualmente, talvez; nós, nem isso. E que sejam bem vindas as guerras, as pandemias, a fome, a exclusão em si, para poupá-los de ter que esbarrar em mendigos largados pelo chão em suas cidades.

Mas as cidades deles serão virtuais. Nós, que vivemos à margem do mundo real, nesse mundo sequer entraremos. Sem trabalho, sem salário, sem consumo; seremos totalmente inúteis, nessas cidades. Nelas não haverá mendigos. Só os virtuais, para mera diversão zoológica dos Bezos, Gates, e Musks.

Redação

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